São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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QUESTÃO AGRÁRIA
Sul e Nordeste, duas das regiões com queda no ganho médio, registraram juntas 56% das invasões de terra

Renda no campo cai 5,8% no governo FHC

Toni Pires/Folha Imagem
Trabalhador rural cultiva lavoura em Pernambuco


RALPH MACHADO
EDITOR-ASSISTENTE DE BRASIL

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalhador no campo ficou 5,8% mais pobre entre 1995 e 1998, período que coincide com o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Duas das regiões onde a renda média caiu, o Sul e o Nordeste, registraram juntas 56% das invasões de terra no mesmo período.
O empobrecimento do trabalhador rural é uma das principais alegações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ao cobrar do governo mudanças na política fundiária.
Segundo cálculo da Folha a partir de dados de pesquisa coordenada por Angela Jorge Corrêa, professora da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), a renda média das pessoas ocupadas na agricultura permaneceu praticamente estável em 1998 quando comparada a 1981 -aumentou, em termos reais, 0,7%.
O estudo, ainda em andamento, mostra que a região Sudeste (excluído o Estado de São Paulo) apresentou, entre 1995 e 1998, um recuo ainda maior na renda média, de 21,2%. Na região Sul, a redução foi de 6,9% no período. No Nordeste, a queda chegou a 4,3%.
Já a proporção de pobres na agricultura cresceu 7,2% no Sul, 4,2% no Sudeste (excluído o Estado de São Paulo) e 1,7% no Nordeste, considerando o período entre 1995 e 1998. No país, houve um aumento de 2,1%. Em relação a 1981, a proporção de pobres em 1998 cresceu 5,1% no Brasil, 11,1% no Sul e 13,3% no Nordeste. Em seu estudo, Angela Corrêa definiu como linha da pobreza o valor do salário mínimo em agosto de 1980, corrigido pela inflação. O valor do mínimo era de R$ 174,15 em setembro de 1998, o equivalente a US$ 146,86 na época.
"A pesquisa foi realizada com o intuito de verificar o quadro geral da distribuição de renda e pobreza na agricultura brasileira, e não de um segmento específico", afirma Angela Corrêa, que faz questão de ressaltar que o trabalho não foi feito "para o movimento A ou para o movimento B".
Segundo ela, o estudo permite concluir que, nos anos 90, houve alguma redução dos índices de pobreza e desigualdade de renda do campo em relação à situação da década anterior, mas os patamares atuais não são confortáveis. "São até preocupantes, já que tivemos mais dez anos e retornamos a um perfil que caracterizava o início dos anos 80", diz.
"A relação entre queda na renda no campo e conflitos de terra é relativamente simples. A expulsão do trabalhador do campo é o caldo potencial de cultura do MST", afirma José Graziano da Silva, professor de economia agrícola da Unicamp e um dos elaboradores da proposta de reforma agrária do PT na campanha de 1998.
"O governo deliberou pelo achatamento da renda no campo a qualquer custo, abrindo o país à importação de produtos agrícolas. Só que isso acabou trazendo a ruína a muitos agricultores", diz Graziano, para quem houve um aumento da renda dos empregadores na agricultura, principalmente nas regiões em que há predomínio da agroindústria.
Esse é, por exemplo, o caso do Centro-Oeste, que se dedica ao cultivo de soja, um dos principais itens de exportação do país.
De acordo com os dados de Angela Corrêa, no Centro-Oeste a renda média do 1% mais rico na agricultura cresceu 37,0% entre 1995 e 1998. Na amostra da pesquisa, o Centro-Oeste incluiu Tocantins (hoje na região Norte), que era parte de Goiás até 1990.
Já a renda média dos 50% mais pobres caiu 2,8% nessa região. Isso significa que, em 1998, os 50% mais pobres precisavam trabalhar 67 meses (cerca de cinco anos e meio) para ganhar o que o 1% mais rico recebeu em um mês.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, 18% das invasões de terra entre 1995 e março deste ano ocorreram no Centro-Oeste. O Sudeste teve 19% do total, e o Norte, 7%.
O número de invasões registradas no país, que caiu de 101 em março de 1999 para 66 no mês seguinte, havia apresentado novo recuo em janeiro deste ano, quando aconteceram apenas 11 casos. Em março passado, o número subiu para 31, segundo o ministério.
"O ritmo dos assentamentos do governo é menor do que o ritmo de falência dos pequenos agricultores. O governo está jogando uma multidão nos braços do MST", afirma Gilmar Mauro, dirigente nacional do movimento.
Segundo ele, "o campo está cada vez mais pobre", o que cria um cenário "insustentável" e estimula as invasões de terra.
De acordo com Gilmar Mauro, 3,3 milhões dos cerca de 4 milhões de pequenos agricultores do país estão "inviabilizados" -ou seja, sem condições de manter sua renda em patamares estáveis.
"Mesmo os integrantes da agricultura patronal (fazendeiros que empregam trabalhadores em suas propriedades) estão em situação difícil. Menos de 15% deles estão em situação confortável", afirma.


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