São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2001

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JANIO DE FREITAS

No país das maravilhas

O Brasil está precisando de algo mais necessário e urgente do que CPI da corrupção, investigações do Ministério Público e revelações de imprensa: precisa desesperadamente que Fernando Henrique Cardoso deixe por um período, breve que seja, de ser fracassomaníaco, de insistir em que seu governo não exiba uma só realização de êxito comprovado e se desmanche em fracassos morais e administrativos que explodem na cascata ininterrupta de escândalos.
(O "fim da inflação" foi um êxito? Pois a inflação não acabou. Se não aparece, é só porque o governo, para isso, aplica o arrocho, corta programas sociais, corta em gastos gerais -exceto para comprar parlamentares- e não investe em realizações como termo e hidrelétricas, transmissoras de energia, saneamento e habitação popular. Se agir como deve agir um governo, a inflação reaparece, porque, não se iluda com o conto da mídia, está só reprimida).
Além dos escândalos novos, agora ressurgem mais oxigenados os escândalos que adormecidos. Está aí de novo o grampo do BNDES, aquele episódio em que o presidente da República autoriza o então presidente do BNDES a usar seu nome para cometer ilegalidades (quase saía agora a palavra crime) na privatização das telefônicas. Está aí outra vez a deliciosa história do presente de US$ 1,6 bilhão, limpinho, dado pelo governo ao Marka de Salvatore Cacciola e ainda aos donos do FonteCindam. Logo estará aí, em poucas horas mais, o ministro Pedro Malan outra vez no Senado, relembrando dona baratinha, o gato de botas, a carochinha.
A ida precipitada e a contragosto de Malan ao Senado, sem Alice mas com Tereza Grossi, faz lembrar também de outra história muito infantil. É a contada sobre o almoço que tiveram com Fernando Henrique, no dia mesmo em que Cacciola recebia o presentão, Pedro Malan e Francisco Lopes. Bate-papo de duas para três horas durante o qual, segundo o presidente e o ministro, a doação daquela fortuna pelo Banco Central não foi mencionada nem de passagem.
Informação ilegal sobre decisões de governo e com propósito de vantagens, a chamada informação privilegiada, não é caso único na nova explicação das relações entre o governo e Salvatore Cacciola. É parte de um mercado brasileiro, mercado mais negro do que qualquer outro, e no qual está a explicação para tantas e tão grandes fortunas feitas em tão pouco tempo, sempre com alguma relação entre beneficiário e a ocupação passada de um gabinete na área financeira do governo.
Poucos têm passado pelo Banco Central, por exemplo, sem dali decolar supersonicamente para a fortuna. Mesmo, porém, que uma investigação bem intencionada ficasse só na denúncia atribuída a Cacciola, e que esconde outras pessoas, já se tornariam publicamente conhecidos segredos quase inimagináveis. O problema não está nos segredos, está na viabilidade de investigação bem intencionada.


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