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ELIO GASPARI
Dóceis, acomodados,
complacentes e submissos
O que aconteceria se o analista Reuben Rescue, da casa
bancária Bergdorf & Goodman
previsse dificuldades no comércio exterior brasileiro, por conta
da "docilidade acomodatícia"
do futuro governo nas negociações com os outros países do
Mercosul?
Ou se o secretário-geral do
FMI denunciasse a "complacência submissa" do mesmo futuro
governo com as reivindicações
dos sindicatos de trabalhadores?
Certamente o dólar tomaria
um tapinha e o risco Brasil subiria uns 20 pontos.
Felizmente, a casa Bergdorf &
Goodman só vende roupas (caras como uma propina de privatização), o FMI não tem secretário-geral e as duas adjetivações
nada tem a ver com os riscos que
o mundo enxerga no Brasil do
próximo governo.
Infelizmente, ambas têm a ver
com o verdadeiro risco Brasil,
aquele que o atual governo impõe aos interesses nacionais.
No último domingo, num artigo na Folha, Rubens Ricupero,
secretário-geral da Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(Unctad), acusou o governo de
ter instruído os negociadores
brasileiros que discutem a agenda da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) com os
Estados Unidos para praticarem tanto a "docilidade acomodatícia" quanto a "complacência submissa".
Disse isso de peito aberto, com
todas as letras. Se tivesse dito ao
telefone e alguém o tivesse
grampeado, estaria no centro de
um escândalo nacional. Como
não fala em nome da banca, é
brasileiro e expressa suas opiniões em público, recebeu um
desgraçado silêncio.
O assunto é chato, mas muito
mais relevante do que a repetição de banalidades como "exportar é a solução". No interesse
da qualificação do debate nacional, aqui vai um resumo deselegante da denúncia de Ricupero.
Os negociadores brasileiros
que estão conversando com os
americanos foram instruídos
pelo governo para aceitar como
ponto de partida nas negociações tarifárias os níveis praticados pelo país. Isso em vez de começar a conversa com as tarifas
comprometidas junto à Organização Mundial do Comércio.
Ricupero explicou essa chatice
muito direitinho. Um país pode
importar comida de gato cobrando 8% sobre o valor da
mercadoria, ao mesmo tempo
em que demarca um teto tarifário de 25% junto à Organização
Mundial do Comércio. Numa
dessas, os 10 milhões de desempregados existentes no país resolvem aderir à comida de gato,
as importações do Chef's Blend
sabor salmão triplicam e desequilibra-se a balança comercial.
O governo tem à mão o recurso
legítimo de elevar a tarifa do
produto, por exemplo, para
25%.
A capacidade de mudar a tarifa da comida de gato, dos tecidos e dos automóveis, respeitando o compromisso assumido na
OMC é um componente elementar de soberania econômica. Seu
oposto é uma das características
de uma relação colonial. Nada a
ver com protecionismo, diria o
sábio George W. Bush, depois de
elevar as tarifas comerciais do
seu interesse eleitoral e/ou nacional.
A instrução dada aos negociadores brasileiros entrega, "de
mão beijada" (na palavras de
Ricupero) o direito do Brasil de
negociar os seus interesses, coisa
que os americanos fazem muito
bem.
Ricupero pediu ao Congresso,
aos candidatos a presidente e à
torcida do Romário que lhe
dêem atenção. Talvez o Congresso e os candidatos passem
batidos, mas será a torcida do
Romário quem perderá seus
empregos se o Brasil vier a ser
transformado num "duty-free".
Quando o embaixador fala
em "complacência submissa" e
"docilidade acomodatícia" sabe
o que diz. Além de estar na praça há mais de 40 anos, quando
formou-se como primeiro da
turma no Itamaraty, foi embaixador nos Estados Unidos e ministro da Fazenda. Já viu casos
inexplicáveis de submissão explícita, quase sempre resultante
da complacência submissa de
negociadores que ora não querem trabalhar, ora não conseguem, porque não há no governo quem lhes dê instruções relacionadas com a defesa do interesse nacional. Isso tudo, mais
uma mordaça que mantém seletivamente calados os funcionários do serviço diplomático
brasileiro.
Há alguns anos um cacique
da ekipekonômica dizia que
"criar barreiras tarifárias é coisa de país subdesenvolvido". Seria conveniente que essa mesma
nata de sábios ligasse para a Casa Branca e repetisse a pontificada ao presidente Bush.
Para quem não consegue ouvir as reclamações de Ricupero
por padecer de alguma forma de
deficiência auditiva, a repartição tem um número especial:
202-456-6213.
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