São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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RUMO AO ORIENTE

Premiê japonês recebe Lula esta semana e diz que Annan tem prestígio para mudar Conselho de Segurança

Koizumi acredita em reforma na ONU

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, 63, diz acreditar que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, mantém as condições para levar adiante a reforma do Conselho de Segurança. A questão é de interesse de seu país e também do Brasil, que desejam ser membros permanentes daquele colegiado.
Koizumi estará recebendo a partir do dia 26, em Tóquio, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele deu uma entrevista à Folha. As perguntas, a seu pedido, foram feitas por escrito, e as respostas, traduzidas por diplomatas japoneses no Brasil.
Disse que há condições para boas relações entre o Japão e a China, que estiveram recentemente bastante tensas, e que o comércio com os chineses é agora maior que registrado com os EUA. Koizumi disse também que os 270 mil brasileiros fixados no Japão levaram costumes que ampliaram a percepção dos japoneses sobre o Brasil. Eis a entrevista.
 

Folha - O Japão é candidato a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. O sr. acredita que a reforma do conselho está comprometida no curto prazo, em razão do enfraquecimento do secretário-geral Kofi Annan?
Junichiro Koizumi -
O ponto de vista do Japão é o de que as recentes questões relacionadas com a ONU não devem prejudicar a realização da reforma naquela instituição e em seu Conselho de Segurança. Apoiamos a liderança de Kofi Annan, que está promovendo esforços para uma reforma estrutural, voltada ao fortalecimento da ONU. Queremos continuar a colaborar estreitamente com ele, objetivando a concretização da reforma da ONU e do CS.

Folha - O sr. teria alguma queixa a fazer sobre o comércio bilateral com o Brasil? Ou crê que o presidente Lula teria algo a se queixar?
Koizumi -
As relações comerciais e de investimentos entre o Japão e o Brasil tiveram um rápido incremento a partir da segunda metade da década de 1950, mas atualmente a sua revitalização tem sido tema importante para ambos os países. Na reunião de cúpula entre o Japão e o Brasil, realizada em setembro do ano passado, o presidente Lula e eu concordamos em, para a revitalização das relações econômicas nipo-brasileiras, fazer um esforço conjunto do governo e do povo dos dois países.

Folha - O intercâmbio cultural entre o Japão e o Brasil parece ter-se tornado uma via de mão única, com uma presença japonesa bastante importante no Brasil. O sr. vê alguma maneira de equilibrar esses intercâmbios no campo da cultura?
Koizumi -
Certamente, a ativa participação de 1,4 milhão de pessoas de origem japonesa na vida brasileira aumenta a sensação da presença do Japão no Brasil, contribuindo bastante para o intercâmbio cultural entre os dois países. Estou informado que recentemente o mangá e os filmes de animação japoneses estão tendo uma grande popularidade no Brasil. Percebemos que o Brasil se tornou para o povo japonês um país muito mais familiar do que se supõe no seu país. No Japão vivem atualmente cerca de 270 mil brasileiros, e essa convivência com pessoas das mais diversas formações culturais tem trazido influências brasileiras a muitas regiões. Há também a música e da dança brasileiras, pois o samba e a bossa nova são também muito populares aqui. Há a presença de brasileiros nos esportes, a começar pelo Zico, técnico da seleção japonesa de futebol. Certamente é grande o número de japoneses que se sente atraído pela cultura brasileira. Restaurantes brasileiros são igualmente populares, principalmente entre os jovens. Como se vê, a cultura brasileira está se tornando muito familiar no Japão. Creio que doravante o intercâmbio cultural ampliar-se-á em ambas as direções, e se tornará uma grande corrente destinada a tornar cada vez mais espessas e amplas as relações entre os dois países. Em 2008 a emigração de japoneses ao Brasil completará 100 anos. Em setembro do ano passado, quando de minha visita oficial ao Brasil, concordei com o presidente Lula em comemorar esse centenário nos dois países, declarando o referido ano como o "Ano do Intercâmbio Brasil-Japão". Entendo que, para o fortalecimento futuro das parcerias nipo-brasileiras, baseadas na cooperação e intercâmbio, é de suma importância o papel a ser desempenhado pelo intercâmbio cultural. Gostaria de ir preparando o "Ano do Intercâmbio" nas mais diversas áreas, inclusive a cultural, com a ampla participação dos dois povos. E, como parte desse intercâmbio, estamos prevendo convidar mais de mil estudantes e jovens do Brasil a conhecer o Japão nos próximos cinco anos.

Folha - O Japão tem uma imagem bastante positiva entre os brasileiros. Qual é a imagem do Brasil que o sr. pessoalmente tem?
Koizumi -
Sempre tive simpatia pelo Brasil, em virtude da presença de um grande número de imigrantes japoneses e seus descendentes. Um primo meu reside em São Paulo [é veterinário no bairro do Jabaquara], e eu tinha há tempos vontade de visitar o Brasil. Finalmente, em setembro do ano passado, pude visitar o seu país, pela primeira vez. E, casualmente, pouco antes de minha ida, vi pela televisão a imagem do atleta brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, que na maratona dos Jogos Olímpicos de Atenas completou sorridente a prova, sem perder o ânimo, apesar da obstrução sofrida. Além de muito emocionante, a cena causou-me uma sensação amistosa. Ao visitar o Brasil verifiquei que se tratava de um país maravilhoso, como supusera. A calorosa acolhida por parte das autoridades, do povo e também da comunidade nipo-brasileira proporcionou-me seguidas emoções. Ao tomar conhecimento do progresso industrial e comercial da maior metrópole sul-americana, que é São Paulo, das extensas áreas agrícolas que se estendem pelo interior do Estado, e da nova e moderna cidade que é Brasília, conscientizei-me novamente da riqueza e da diversidade do Brasil. Com a ida ao Brasil, passei a gostar mais do seu país. Espero visitá-lo numa outra oportunidade.

Folha - O sr. está otimista sobre as conversações com a Coréia do Norte sobre a questão nuclear?
Koizumi -
A presença de um programa nuclear na Coréia do Norte é uma questão que causa grande impacto na segurança da comunidade internacional, inclusive no Japão, sendo inadmissível a existência desse programa. O nosso país considera importante uma solução pacífica da questão nuclear da Coréia do Norte, através da conferência dos seis interessados [as duas Coréias, EUA, Japão, Rússia, China], e estamos agora desenvolvendo esforços diplomáticos junto a esses parceiros visando uma rápida reabertura dessa conferência. No momento não há qualquer perspectiva de que a Coréia do Norte retorne imediatamente às negociações, mas pretendemos continuar a monitorar com muita atenção a direção desse programa nuclear e realizar esforços para seu abandono.

Folha - A China é um problema?
Koizumi -
Entre o Japão e a China estamos assistindo uma ampliação e um aprofundamento até agora inéditos no intercâmbio de pessoas e nas relações econômicas. Em anos recentes cerca de 4 milhões de japoneses estiveram na China, e chineses, no Japão. Desde o ano passado o volume das transações comerciais entre o Japão e a China, nela incluída Hong Kong, ultrapassou pela primeira vez o volume das transações comerciais com os EUA, o que faz da China o maior parceiro comercial do Japão. Na reunião de cúpula Japão-China, realizada recentemente na Indonésia, eu e o presidente chinês, Hu Jintao, compartilhamos a percepção de que o progresso das relações de amizade e o fortalecimento da cooperação sino-japonesa são extremamente importantes, não apenas para os dois países como também à região asiática e à comunidade internacional, e concordamos em incrementar as relações de cooperação.

Folha - Que livro o sr. está lendo?
Koizumi -
Costumo ler livros dos mais diversos tipos, desde romances até livros técnicos, e dentre eles tenho predileção pelos romances históricos. Os romances históricos nos ensinam muitas coisas. Acho particularmente interessantes aqueles ambientados na época das guerras civis, nos últimos tempos do xogunato, ou na época da Restauração Meiji, ou seja, numa época de grandes mudanças. Desde que assumi o cargo de primeiro-ministro não tenho conseguido tempo para a leitura de livros, limitando-me aos "capítulos de romances" dos jornais.

Folha - Que filmes em DVD o sr. assistiu recentemente?
Koizumi -
Do cinema japonês, assisti "Espada Oculta" e "Unha do Demônio". Do cinema ocidental, o filme "Deep Blue" e "O Fantasma da Ópera". Como gosto de ópera, valeu a pena assistir esse filme, pelas suas imagens e pela música. Quanto ao filme "Dança Comigo", cujo ator principal, Richard Gere, me fez uma visita de cortesia recentemente. Já o tinha assistido na produção japonesa, mas essa refilmagem pareceu-me também um filme muito bom.


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