São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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NO PLANALTO

Governo Lula aperfeiçoa os males da gestão FHC

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

O governo de Lula é, como se diz, a cara escarrada do de FHC. Em meio à mesmice, porém, uma sibilina diferença instila na alma do tucanato uma pontinha de inveja: a gestão atual faz de maneira bem mais eficiente todo o mal que a administração anterior já fazia muito bem.
Na Brasília dos últimos anos, certos políticos já vêm com código de barras grudado na lapela. Como FHC, Lula tornou-se semeador de verbas. Colhe agora a sua primeira CPI.
À bandalheira habitual soma-se a incúria administrativa. Hoje, como ontem, alguns gestores públicos trabalham com os pés no chão. E as mãos também. A incompetência é exercida com extrema competência. O fenômeno está terminando de afundar a Dataprev, administradora do parque de computadores da Previdência.
A autarquia roda todo o sistema de arrecadação e pagamentos previdenciários. Só em benefícios (aposentadorias e pensões), o governo paga mais de R$ 100 bilhões por ano. São desembolsos conspurcados por fraudes que, por desavergonhadas, já eliminaram até o benefício da dúvida.
Há dez dias, a Dataprev tornou-se personagem de nova ação judicial movida pelo Ministério Público. Não é a primeira. E não será a última. A ação nasce de uma encrenca construída há mais de três décadas.
Desde 1974, a Dataprev é escrava tecnológica da empresa Unisys, de quem aluga os seus computadores. As máquinas funcionam em um ambiente de "plataforma fechada". Não rodam softwares de outras marcas. Os contratos foram firmados sem licitação.
Só nos últimos cinco anos, o governo repassou ao fornecedor cativo mais de R$ 200 milhões. Auditorias feitas pela Controladoria Geral da União e pelo TCU constataram superfaturamento. O sobrepreço foi estimado em valores que variam, conforme a conta, de R$ 60 milhões a mais de R$ 100 milhões.
Após a eleição de Lula, o escritório de transição do petismo recebeu dos técnicos de FHC um inventário da barafunda previdenciária. Junto com a papelada, veio um acórdão que o TCU aprovara em 2002. Recomendava o rompimento do contrato com a Unisys, a abertura de licitação e a migração do conglomerado tecnológico da Previdência para uma "plataforma aberta".
Havia uma data mágica para o início do processo de alforria: 30 de junho de 2003. Nesse dia, sabia-se de antemão, expirariam os contratos que acorrentavam a Dataprev à Unisys. A Previdência, então chefiada pelo petista Ricardo Berzoini (hoje ministro do Trabalho), deu de ombros para a oportunidade.
Conforme noticiado aqui, em 5 de outubro de 2003, a Previdência saiu-se com um remendo. Por ordem de Berzoini, contratou a empresa Cobra Tecnologia, subsidiária do Banco do Brasil. Nem sinal da almejada licitação.
Ouvido pelo repórter à época, Berzoini disse: "Não podíamos fazer a licitação antes de ter clareza sobre a estratégia de migração para um sistema seguro. A pressa é inimiga da perfeição".
A lerdeza de Berzoini revelou-se inimiga do erário. "Até a presente data, todo o sistema previdenciário ainda é refém da Unisys", anotam os procuradores da República José Alfredo de Paula Silva e Raquel Branquinho na ação protocolada na Justiça Federal no último dia 12 de maio.
A Cobra limitou-se a subcontratar a velha e boa Unisys. Virou mera "intermediária". Repassa à multinacional as verbas que ela já recebia diretamente da Dataprev. Nas palavras dos procuradores: "Uma farsa que resultou na indesejável elevação dos custos do contrato".
Por um contrato de seis meses, a Cobra recebeu da Previdência R$ 19,3 milhões. No mesmo período, repassou à Unisys R$ 16,9 milhões. Ou seja, gastou-se desnecessariamente um adicional de R$ 2,4 milhões.
O primeiro contrato com a Cobra foi renovado por mais seis meses, ao custo de R$ 21,1 milhões. De novo, sem licitação. Novamente, subcontratou-se a Unisys. Uma mais vez mais, a migração do sistema foi às calendas.
Vendido o novo prazo de seis meses, a Previdência precisou recontratar a Cobra. Para contornar o escárnio, o governo produziu um simulacro de concorrência. O edital foi retirado por várias empresas. Mas só a Cobra apresentou orçamento: R$ 3,8 milhões por mês. Valor global de R$ 138 milhões.
Ouvida pelo Ministério Público, a IBM revelou a razão do seu desinteresse: "Há 30 anos a Dataprev adotou a tecnologia Unisys e mantém o uso da mesma até os dias atuais. (...) A IBM esperava que fossem abordados (...) assuntos como a substituição e/ou migração dos sistemas. (...) Mas, como o enfoque do projeto era só o de dar continuidade ao ambiente e tecnologia já em uso, a IBM não teve condições técnicas de participar do processo licitatório".
Contratada pela terceira vez, a Cobra não faz senão subcontratar a Unisys. A intermediação custa ao erário R$ 4 milhões por ano. Em 2003, Berzoini festejara: "Estamos economizando dinheiro". Na última sexta, não quis falar sobre o assunto. Em viagem a Recife, mandou dizer que sua agenda estava apertada. As presidências da Cobra e da Dataprev também não quiseram se manifestar.
Na ação recém-ajuizada, os procuradores José Alfredo e Raquel Branquinho pedem a anulação do negócio. Em novo processo, a ser aberto nos próximos meses, devem acusar Berzoini de improbidade administrativa.
A ansiada migração dos computadores da Dataprev para uma "plataforma aberta" encontra-se agora sob os cuidados de Romero Jucá, o probo. Ele ascendeu ao posto de ministro da Previdência na cota do PMDB.
E pensar que 52 milhões de brasileiros enxergaram em Lula a perspectiva de mudar de desgraça. No Brasil, quem vive de esperanças morre de decepção. O governo Lula, não há mais dúvidas, é um desses males que vêm para pior.


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