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Chacinas podem levar à aparição de novos PCCs
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para o titular da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, é preciso que o governo
Cláudio Lembo (PFL) em São
Paulo freie as mortes, sob risco
de "volta de tempos de guerra
de quadrilha, de máfia". Leia
abaixo trechos da entrevista.
FOLHA - Com as mortes registradas
em São Paulo, o sr. avalia estar havendo uma revanche da polícia ou
uma resposta ao crime organizado?
PAULO DE TARSO VANNUCHI - A melhor atitude da autoridade pública em casos como esse é a
transparência. Ocultar só envolve de mais credibilidade as
denúncias que aparecem [de
mortes de possíveis inocentes].
O pessoal da área de direitos
humanos sabia que um ataque
tão violento iria gerar um impulso de revanche. O ser humano tem a tradição condenável
da vingança. A autoridade tem
de exercer um controle para
que isso não aconteça. É preciso corrigir essa falsa noção de
que direitos humanos é defesa
de bandido. Não é.
FOLHA - Há uma revanche?
VANNUCHI - Quando o crime organizado ataca pessoas inocentes e como ainda não temos no
país uma consciência desenvolvida de cidadania, conhecimento e respeito às leis e aos princípios universais dos direitos humanos, sabemos que sempre
existe [impulso de revanche].
Era importante que a autoridade policial saísse à frente,
mostrando que o melhor caminho para destruir o PCC é nos
mantermos nos marcos estritos no respeito à lei. Novas chacinas poderão gerar novos
PCCs. Se houver a noção de que
não há um Estado democrático,
os bandidos atacam, as polícias
contra-atacam, vamos para
uma espiral de violência em
que o patamar será pior.
Se há denúncias sobre violação de direitos humanos -e a
imprensa tem apresentado depoimento de familiares mostrando que há vítimas que nada
tinham a ver com o crime organizado- é fundamental que a
autoridade pública aja para
mostrar que não autoriza nenhum ajuste de contas.
Há um caldo emocional que
permite isso e uma autoridade
policial, um secretário consciente, precisa compreender isso, no lugar de se sentir responsável pelo caos que existiu no
país e querer autorizar a liberação de rédeas para contra-ataques que recuperem a honra de
corporações agredidas.
Se não, voltaremos aos tempos de quadrilha, máfia, quando o Estado democrático de Direito é a organização de um sistema racional de ação -o bandido ataca, o Estado reage com
serenidade e firmeza. Tem de ir
lá, prender, desbaratar, eliminar. Não precisa e não pode ser
feito com contra-ataques desordenados, à noite, em que os
corpos são apresentados às dezenas na categoria inaceitável
de suspeitos.
FOLHA - Há exagero?
VANNUCHI - Acho que existem
denúncias de que há. É cedo para dizer que haja. Se a autoridade estadual não permite nenhuma discussão sobre o assunto, se for verdade que os
laudos dos mortos estão sendo
recolhidos, isso constitui indício forte de que haja irregularidades. É cedo para uma conclusão. O presidente Lula já disse
que, em um episódio dessa importância, não podemos ter atitude de disputa, pois aí Estado e
União começarão a trocar acusações, e o cidadão ficará desamparado. É preciso recuperar um ambiente de diálogo.
FOLHA - A Associação de Cabos e
Soldados da PM quer apuração sobre a responsabilidade do Estado.
Como fica a situação das famílias
dos policiais mortos?
VANNUCHI - Eu me surpreendi
com a alegação pública do governador Cláudio Lembo de
que o Estado já sabia do que
acontecia. Achei um pouco grave pois imaginei que repercutiria nas corporações policiais. Se
as associações estão articulando isso, a iniciativa ajudará para
que as instituições públicas
respondam com precisão o que
a lei determina. Direitos humanos neste momento são, em
primeiro lugar, a defesa dos policiais, de suas famílias. Num
momento seguinte, quando
aparecem as alegações de que
morreram pessoas apresentadas como suspeitos, com testemunhos de que elas não estão
vinculadas ao crime organizado, é igualmente importante
trabalhar como preocupação
dos direitos humanos.
FOLHA - A onda de violência mostrou que o Estado não protegeu policial nem preso, já que houve mortes
em rebeliões. É falência do Estado?
VANNUCHI - Falência seria um
termo exagerado. Há um sistema prisional em São Paulo que
esteve próximo a um colapso e
isso corresponde a um cenário
amplo em todo o Brasil. O país
precisa aproveitar o episódio
de São Paulo para impulsionar
uma discussão de profunda reforma do sistema prisional, debatendo também as penas e a
superpopulação.
FOLHA - De quem é a culpa?
VANNUCHI - Nesses casos, não
se consegue dizer a culpa é do
fulano. Seria mais fácil. O sistema prisional e a segurança pública, na repartição de funções
que a Constituição estabelece,
são de responsabilidade estadual. Acusar o governo federal
de ser responsável por problemas de prisões estaduais [é algo
que] não tem alicerce na Constituição. Porém, a União tem
instituições que procuram estabelecer convênios com os Estados seguindo um Plano Nacional de Segurança Pública.
No início do governo Lula foi
implantado o projeto de segurança pública que procura trabalhar com a integração das polícias, e isso está prestes a ser
concluído. O país começa a entrar em um novo patamar e, a
partir daí, será possível avançar
sobre o crime. Nesse sentido, a
idéia de culpa é de todos nós.
FOLHA - Mas há medidas a curto
prazo a serem adotadas?
VANNUCHI - Tragédias como essa, depois de toda a dor, sempre
permitem aos países aprender
e reagir. Estou seguro de que
em pouco tempo isso será resolvido pelo governo estadual,
em diálogo com o federal. A
questão de São Paulo é um problema nacional. Não basta governos federal e estadual chamarem para si a responsabilidade. Só terão êxito se reconhecerem os próprios limites e
chamarem a sociedade civil.
FOLHA - Nessa linha, há a declaração do governador Lembo à Folha
de que a violência será resolvida
quando a "minoria branca" mudar a
mentalidade. O sr. concorda?
VANNUCHI - Fiquei surpreso
com a entrevista por não esperar ouvir dele a frase que ouço
há tanto tempo do movimento
social, de que aqui há sim elitismo, que tem suas raízes no nosso passado colonial escravista.
Existe no Brasil toda a simbologia que há no episódio Daslu. Primeiro, aquele monumento faraônico de exaltação de um
luxo que funciona como uma
espécie de insulto aos miseráveis que vivem do lado e a presença do ex-governador [Geraldo Alckmin] em festas da Daslu. Em seguida, o envolvimento
da Daslu em práticas que estão
ainda em investigação, mas
com fortes indícios de graves
sonegações fiscais.
Isso é o retrato de uma certa
elite brasileira. Não que toda a
elite seja assim. Existe uma
parcela comprometida com a
lei, mas a outra mentalidade é
muito forte. A declaração do
governador possibilita a discussão, dentro da elite, de qual
a disposição dela em aderir plenamente à convivência em República, em aceitar a igualdade
de todos perante a lei.
FOLHA - O sr. concorda com a afirmação do governador de que o Brasil está desintegrado e perdeu valores cívicos?
VANNUCHI - Isso supõe que, em
algum momento, ele esteve integrado e respeitou os valores
cívicos. Mas quando isso? No
regime militar havia unidade e
ordem? Havia falsa unidade,
falsa ordem, havia um sistema
repressivo que escondia a corrupção e a violação aos direitos
humanos. Não acho que o país
está desintegrado e perdeu valores cívicos. É um processo
histórico. A evolução geral é no
sentido de avanço. Discordo do
governador, acho que não houve esse passado de ouro -é um
pensamento conservador.
FOLHA - O presidente Lula tem dito
que a violência está ligada à falta de
investimento em educação nos últimos 30, 40 anos.
VANNUCHI - Acerta na mosca.
FOLHA - Mas há críticos dizendo ser
uma visão simplista do problema.
VANNUCHI - Toda frase curta
tende a simplificar de alguma
maneira. Toda aula que um
professor dá precisa de uma diminuída na complexidade para
que os alunos entendam. Mas,
deixando isso de lado, a questão
é central. Segurança pública é
intrinsecamente relacionada
ao investimento social e educacional. O erro da esquerda até
dez anos atrás era discutir segurança pública apenas sob esse ângulo. Nos últimos anos, a
construção se dá na idéia de
que a segurança pública tem de
ter um diagnóstico apontando
a falta de oportunidade de escola, trabalho, distribuição de
renda e integração familiar.
A polícia tem de ser equipada, com bom orçamento e prevalência da inteligência sobre a
ação repressiva. Uma polícia,
para destruir o PCC, teria de
ser capaz de ouvir essas conversas pelo celular e preparar uma
operação com inteligência.
FOLHA - O sr. defende a escuta das
conversas de presos?
VANNUCHI - Claro. A polícia capaz de derrotar o PCC será
aquela que, ouvindo essas escutas telefônicas autorizadas pela
Justiça, consiga montar ações.
O crime organizado é que faz
operações de inteligência hoje
-como foi a corrupção do funcionário terceirizado da Câmara para passar, por R$ 200, a informação que constitui inteligência de primeiro nível para
os criminosos-, quando o Estado tem muito mais recursos
para surpreender o crime organizado com ações desse tipo.
O que aconteceu mostra que
o PCC chegou a patamar equivalente ao dos cartéis de Cali,
Medellín, e que o narcotráfico
deve ser enquadrado, incluindo, talvez, uma discussão sobre
as drogas. A política de repressão e proibição pura e simples
das drogas está falida. É preciso
repensar isso de modo a tratar
o problema do consumo de
drogas como de saúde pública.
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