São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Rosângela, filha do empresário que disse ter sido extorquido, narra detalhes do suposto esquema de corrupção em Sto. André

Empresária confirma pagamento de propina

ANDRÉA MICHAEL
ENVIADA ESPECIAL A SANTO ANDRÉ (SP)

Há um ano Rosângela Gabrilli, 46, está à frente dos negócios da família em Santo André: as empresas de transporte Viação São José e Expresso Guarará.
Assumiu o lugar do pai, Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho, 67 anos, que sofreu aneurisma na aorta e se recupera de um transplante de rim feito há um mês. No comando, junto com os contratos em curso, a empresa, segundo Rosângela, deu continuidade a pagamentos de propina -R$ 41,8 mil mensais- ao suposto esquema de corrupção montado na Prefeitura de Santo André. Ela, no entanto, diz desconhecer o destino da caixinha.
"A gente só ouvia falar que ia para as campanhas do PT, mas não posso afirmar isso."
"No final de cada mês, representantes de Ronan [Maria Pinto" ligavam e diziam que iam passar para pegar os documentos [o dinheiro" e acertar a hora", disse Rosângela à Folha ontem.
Integrante do suposto esquema, conforme conta a empresária, Klinger Luiz de Oliveira Souza, secretário de Serviços Municipais de Santo André, pressionava sua empresa criando exigências em contratos e até colocando linhas concorrentes no sistema operado pela Expresso Guarará. "Isso aconteceu quando deixamos de fazer o pagamento por dois meses", afirmou. Abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva de três horas à Folha. A entrevistada solicitou ao jornal que não fosse fotografada.
 

Folha - Desde quando a sra. paga propina em Santo André?
Rosângela Gabrilli -
Quero deixar claro que estou falando em nome da empresa. Não são declarações pessoais. A propina vem sendo paga desde 1997, por um acordo firmado entre as empresas de transporte de Santo André e o Ronan [Maria Pinto". Ele se colocava como um porta-voz dos empresários para negociações com a prefeitura. No meu caso -e só vou falar sobre ele-, pagávamos em média R$ 41,8 mil, o correspondente a R$ 550 por ônibus mensalmente.

Folha - Por que a senhora pagava a caixinha?
Rosângela -
Havia um acordo e as empresas teriam que participar desse recolhimento. Não sei detalhes disso, apenas mantivemos o pagamento. Meu pai falará melhor sobre o caso quando estiver recuperado.

Folha - Como era feito o pagamento?
Rosângela -
Sempre em dinheiro. Tinha uma data certa, sempre o dia 30 de cada mês. O Irineu Nicolino e, depois, o Luiz Marcondes ligavam um dia antes para marcar a hora. Aí eles diziam que passariam para pegar o "documento".

Folha - Qual era o destino do dinheiro?
Rosângela -
Pelo que sabemos, era entregue ao Ronan para chegar às mãos do Sérgio Gomes da Silva. Só conheço o caminho até aí. A gente só ouvia falar que ia para as campanhas do PT, mas não posso afirmar isso.

Folha - Há algum indício de que o dinheiro chegava ao PT?
Rosângela -
Só conhecia o caminho até o Sérgio.

Folha - Como a propina era contabilizada?
Rosângela -
Não era. E acho que isso vai aparecer numa auditoria. Só tínhamos, para uso interno, na empresa Expresso Nova Santo André, que não é mais nossa, um registro informal com anotações. Relacionávamos o pagamento da propina como "despesas administrativas". Era uma forma de incluir o pagamento no nosso planejamento mensal de contas e fazer uma previsão de gastos.

Folha - Que negócios suas empresas têm com Ronan Maria Pinto e Klinger Luiz de Oliveira Souza?
Rosângela -
Com o Klinger, nenhum. Com o Ronan, fomos sócios na empresa Expresso Nova Santo André. A sociedade se desfez formalmente em março de 2001, quando entregamos nossa participação de 33% à Projeção Engenharia, empresa que formalmente pertence a Humberto Tarcísio de Castro, mas, pelo que se diz no meio, ainda é de Ronan.
Nesta época, estávamos pleiteando um segundo aditamento de um contrato que tínhamos com a prefeitura para construir e operar a Expresso Guarará. Queríamos uma prorrogação do prazo para concluir as obras. Investimos R$ 11 milhões no negócio, quase o dobro do exigido no contrato [R$ 6,5 milhões", e não poderíamos perdê-lo na reta final. Para conseguir o aditamento, o Klinger colocou o negócio nos seguintes termos: "acertem com a Projeção". A Projeção era nossa sócia na Expresso Guarará. Tinha 30% da empresa. Para assinar o pedido de aditamento com a gente, o Humberto, dono oficial da Guarará, queria R$ 4,5 milhões em dinheiro ou a nossa participação na Expresso Nova Santo André. A Projeção nunca colocou dinheiro na formação da empresa nem nas obras civis previstas no contrato com a prefeitura. Perdemos, então, a Nova Santo André.

Folha - Como Sérgio Gomes da Silva entrou no esquema?
Rosângela -
Não sei. Só sei que o Ronan levava o dinheiro para ele.

Folha - Quais são as relações da família com o deputado Duílio Pisaneschi (PTB-SP)?
Rosângela -
Duílio foi e é sócio do meu pai em muitos imóveis, terrenos e em uma empresa de ônibus de fretamento. Há muitos anos, ele foi sócio da Viação São José. Saiu para se dedicar integralmente à política.

Folha - Sua família tem ligações com o PT?
Rosângela -
Não. Nem com o PT nem com partido nenhum. Nunca nos interessamos por política. Só temos contratos com a administração, que é do PT.

Folha - Por que a senhora procurou o Ministério Público?
Rosângela -
Logo após a morte do Celso Daniel, começaram a falar em corrupção na prefeitura. E aí achamos que era a hora de expor o que estávamos passando. A gota d'água foi a perda da empresa e a debilidade da saúde de meu pai. Aí, prestamos depoimento.

Folha - Houve represálias?
Rosângela -
Não diretamente -nem telefonemas, nem abordagens na rua, por exemplo. Mas fomos ao Ministério Público em janeiro e em maio. Por decreto municipal, começou uma fiscalização na empresa Expresso Guarará. É isso o que tenho de concreto.

Folha - Como a senhora soube da morte de Celso Daniel?
Rosângela -
Foi o João Francisco Daniel [irmão de Celso" que me ligou. Ele é muito amigo da família, principalmente do meu pai. Nunca existiu, como estão dizendo agora, um vínculo de negócios entre minha família e ele. João Francisco ligou no sábado [17 de janeiro" para avisar do sequestro e, no domingo, da morte.

Folha - A senhora acredita que foi mesmo um sequestro comum?
Rosângela -
Não vou falar sobre isso. Isso é com a polícia.



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