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Entrevistas apresentam as duas contas sistema previdenciário: a do governo, deficitária, e a dos servidores, sem desequilíbrio
Não há déficit no sistema da Previdência, diz economista
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para a economista Laura Tavares Soares, o governo apresenta a
conta errada para tentar justificar
a reforma previdenciária.
Os números conferem, mas ela
fala que é um erro isolar o déficit
da Previdência, quando essa deveria ser considerada dentro da
seguridade social -sistema concebido pela Constituição de 1988,
que reúne as contas da Saúde, da
Assistência Social e Previdência.
Tomada em seu conjunto, a seguridade é superavitária e estável.
Em vez de cortar custos, a reforma deveria, diz Laura, incorporar
mais beneficiados. Tal como está,
a proposta do governo redundaria no empobrecimento da classe
média e no enfraquecimento do
Estado, diz a economista.
Folha - A sra. defende, contra o
argumento do governo de déficit
na Previdência, que a seguridade
social é superavitária. O que isso
quer dizer?
Laura Tavares Soares - O conceito de déficit está errado. Você pode ter desequilíbrio no regime público, mas o déficit não existe. A
partir da Constituição de 88, nós
fomos precursores no sentido de
bolar um sistema que tivesse um
financiamento que fosse além da
folha de salários. No mundo inteiro, a Previdência financiada por
folha de salário entrou em crise
porque o mundo do trabalho entrou em crise. Em 88, ficou claríssimo que essa fonte não era suficiente. Ampliou-se a seguridade
social tem que ser financiada por
toda a sociedade e por uma multiplicidade de contribuições sociais. Todos os cálculos feitos de
déficit são baseados naquilo que
os trabalhadores contribuem versus o gasto com aposentadorias.
Esse cálculo vai dar desequilíbrio,
não porque aumentou o gasto,
mas porque diminuiu a receita.
No setor privado, porque aumentou o desemprego e a informalidade. No público, porque não se
contrata há pelo menos dez anos.
Folha - Mas considerada só contribuição contra gasto previdenciário há déficit.
Laura - Você não pode chamar
isso de déficit. O sistema é financiado por um conjunto de contribuições. Quando pego o sistema
da seguridade social, em 2002, toda a receita deu R$ 193,6 bilhões.
Se você pegar todos os gastos dos
ministérios -e estou incluindo,
num conceito amplo, Trabalho,
Saúde, Previdência e Assistência
Social-, incluindo ativos e inativos, a despesa deu R$ 142 bilhões.
Um superávit de R$ 51,6 bilhões.
Com a Desvinculação da Receita da União [DRU], que retira linearmente 20% dos ministérios,
ano passado foram desvinculados
em torno de R$ 36 bilhões. Mesmo assim, sobram R$ 15 bilhões.
O sistema de seguridade social é
superavitário. A culpa [do desequilíbrio] não é que a população
envelheceu, a culpa é que não temos como incorporar os ativos.
Folha - O dinheiro da desvinculação da receita é retirado para fazer
superávit primário?
Laura - Exatamente.
Folha - Mesmo assim sobra?
Laura - Sobra. É um sucesso a seguridade social brasileira. Não só
porque inclui os que não contribuem e que estão fora do mercado, como também porque é um
sucesso do ponto de vista do financiamento. Ela é estável.
Folha - Se é um sucesso, era possível incluir mais gente?
Laura - Perfeitamente. Faço
questão que essa parte entre. Como? Se tirar tudo, ainda sobram
R$ 15 bilhões. No projeto original
do Fome Zero, de que participei
na época que era do Instituto Cidadania, propusemos ampliar para os trabalhadores informais urbanos o que existe para os rurais
-que recebessem uma aposentadoria independentemente de sua
capacidade contributiva. Tem dinheiro para isso.
Folha - O que mais a sra. acha que
há de problemático na reforma?
Laura - Primeiro, a Previdência
complementar. É uma tendência
mundial. O mundo está fazendo
pressão para ter fundo de pensão.
Folha - E a regra de transição?
Laura - Outro problema. Mas
queria deixar claro que a reforma
do Fernando Henrique Cardoso,
de 98, foi de uma brutal perversidade contra os trabalhadores do
setor privado. Faço questão que
isso apareça. Porque ele está posando de bonzinho, dizendo que
ele não fez tanta maldade quanto
o Lula... Fez! Obrigou os trabalhadores do setor privado a trabalharem mais tempo para receber o
mesmo benefício. O que gostaria
de lamentar é que essa reforma
poderia corrigir isso. Você não
pode só pensar no servidor.
Folha - Que a aposentadoria fosse
por tempo de contribuição?
Laura - Isso, sobretudo para os
baixos salários. Não dá para ter
uma regra linear nesse país para
tudo. É preciso uma regra para os
baixos salários e até uma regra regional. A reforma atual deixou isso como está e introduziu um cálculo do benefício para o servidor
perverso. Exemplo concreto: uma
auxiliar de enfermagem que trabalha e que já contribuiu por 30
anos. Vai ter que esperar até os 55
anos e ter a aposentadoria calculada pela média [de todos os salários]. Vai ter uma perda estimada
de 30% a 40% da aposentadoria .
Pequeno detalhe: essas pessoas
não ganham nem R$ 1.000. Disse
isso ao relator: se vocês acham
que estão fazendo justiça social...
Folha - Esses são os principais
problemas?
Laura - São. A crise da Previdência foi causada pela crise econômica, e não o contrário. Qual é a
tese? Se eu não reformar a Previdência, não resolvo o problema
econômico do país. É o contrário.
Essa reforma não vai resolver o
problema fiscal e não vai fazer justiça. E pode botar aí: a professora
Laura é contra os privilégios. Como é que eu moralizo o serviço
público? Teto salarial. Nenhum
servidor pode ganhar mais que o
presidente da República.
Folha - Quais são as consequências sociais dessa reforma?
Laura - Consequências sérias.
Vai empobrecer a classe média
baixa. E isso é algo que aconteceu
em toda a América Latina: perda
de renda familiar e desmonte do
Estado. As carreiras exclusivas do
Estado (Legislativo e Judiciário)
vão se preservar, e aqueles que estão ralando, trabalhadores da
saúde e educação, vão para o brejo. Somos a minoria -toda hora
o [ministro Ricardo] Berzoini diz
isso-, mas somos os que atendemos a população pobre.
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