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CORTE VERMELHA
Novos poderosos, "simples só no comportamento", substituem restaurante refinado por bar a céu aberto
Petista institui novos hábitos em Brasília
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os hábitos da chamada corte
brasiliense -a cúpula do governo federal e seu séquito- sofreram uma reviravolta com a chegada dos petistas ao Palácio do Planalto.
Saiu de cena o estilo requintado
do casal Fernando Henrique e
Ruth Cardoso, que recebia os
amigos com quitutes da chef Roberta Sudbrack, especialista em
cozinha internacional. No lugar,
entraram os hábitos mais populares e comuns à maioria dos brasileiros, de Luiz Inácio Lula da Silva
e Marisa Letícia, que são apaixonados por churrasco.
Uma das mudanças mais visíveis dos novos tempos é o roteiro
cultural e gastronômico dos ocupantes do poder. Quando chega a
hora de afrouxar a gravata e relaxar com os amigos, o restaurante
Piantella, o mais tradicional reduto de políticos de Brasília, não está
entre as primeiras opções dos petistas.
Para bater papo, os petistas do
primeiro escalão vão ao Armazém do Ferreira, um bar a céu
aberto que pertence ao empresário Jorge Ferreira, um dos fundadores do PT e amigo de longa data
do presidente Lula.
De Antonio Palocci (Fazenda) e
José Dirceu (Casa Civil), os ministros mais poderosos da Esplanada, ao secretário particular do
presidente, Gilberto Carvalho,
quase todos os petistas já se sentaram pelo menos uma vez no local.
"Aqui eles se sentem em casa",
diz Ferreira.
Já o Feitiço Mineiro, que também pertence a Ferreira, é o restaurante mais frequentado, inclusive pelos assessores importantes.
E a importância de uma pessoa
na corte brasiliense não é nada
subjetiva. É identificada por três
letras e um número: o chamado
cargo de DAS (Direção e Assessoramento Superiores). Os mais valiosos variam de 4 a 6, com salários escalonados entre cerca de R$
4.000 e R$ 7.000, respectivamente.
Nos finais de semana, o Feitiço
Mineiro apresenta shows de artistas brasileiros, principalmente
sambistas, que são disputados pelos petistas.
Ou eles estão lá ou numa das
dez salas de cinema da Academia
de Tênis.
O Faisão Dourado, um restaurante que tem como especialidades picanha e filé na chapa, também tem atraído petistas, mas só
durante a semana.
Mala e cuia
Pelo menos a metade do primeiro escalão do governo -37 pessoas, dos ministros de Estado ao
presidente do Banco Central-
mudou-se para Brasília com o início da nova gestão, em janeiro.
Desse grupo, no mínimo 13 vieram de mudança completa, dessas que incluem até o bicho de estimação dos filhos.
Juliana, 11, a filha do presidente
da Câmara dos Deputados, João
Paulo Cunha (PT-SP), trouxe coelho e cachorro para a residência
oficial.
O próprio presidente Lula incluiu na bagagem a cadela Michele, que, depois de ser fotografada
sendo transportada por um carro
de uso exclusivo da Presidência,
acabou expatriada da vida palaciana e voltou para o apartamento
da família, em São Bernardo do
Campo, na Grande São Paulo.
Trazer um coelho para uma residência oficial pode ser um pouco estranho, mas nada se compara ao inusitado caso dos bichos
que o ministro Ricardo Berzoini
(Previdência) "adotou" quando
alugou uma casa no Lago Norte
para morar com a mulher, Sonia,
e os dois filhos pequenos.
A casa, que ficou fechada por alguns meses, já era habitada por
uma pastora alemã, batizada de
Lessie pelo dono original, e por
um papagaio, sem nome.
O resultado da convivência entre os dois animais foi inusitado: a
ave, que tem o hábito de repetir
sons, aprendeu a latir. Ou seja,
Berzoini tem um papagaio que late. Mas ele não faz isso sempre. Só
quando chega alguma visita, brincam os amigos.
Em família
Os hábitos dos Berzoini são
uma espécie de padrão entre os
ministros -aproveitam ao máximo o tempo livre para ficar com
os filhos e encontrar os amigos
nos finais de semana na casa de alguém.
A maioria está gostando de morar na capital federal. "Sinto até
uma certa culpa por não ter tanta
saudade de São Paulo", diz Gilberto Carvalho.
Henrique Meirelles, do Banco
Central, está gostando tanto da cidade que já procura até uma casa
para comprar num dos lagos. Prefere o Sul, onde fica a Península
dos Ministros, endereço dos poderosos.
Enquanto ensaia voltar a jogar
tênis e se esquiva do futebol com o
presidente no Palácio da Alvorada, Berzoini faz caminhadas matinais pelo calçadão do Lago Norte.
"Ele admite que está fora de forma", diz um assessor.
Gilberto Carvalho, que encerra
o expediente às 22h, volta para casa, calça tênis e anda pelas ruas da
quadra onde mora. "É impensável fazer isso em São Paulo", diz o
secretário de Lula.
Luiz Gushiken (Comunicação
de Governo) é outro que encontra
tempo para ir à academia todos os
dias, apesar da agenda apertada.
Mesmo quem ainda mora em
hotel faz uma forcinha para dar
um toque pessoal ao local e aquecer a vida familiar.
Ciro Gomes (Integração Nacional) colocou no seu apartamento
na Academia de Tênis um fogão
elétrico de duas bocas. Cozinha
macarrão, sua especialidade, e
convida Iuri, o filho caçula, que
também se mudou para Brasília
com a mãe, a senadora Patrícia
Gomes (PSDB-CE).
Os clubes da cidade, onde a elite
candanga se encontra, não
atraem os petistas. Mas as mulheres já descobriram o endereço do
salão de beleza de Hélio Nakanihi,
considerado o melhor da cidade.
Ele, que trabalha há 27 anos em
Brasília, diz que os petistas "mostram simplicidade só no comportamento, mas não no padrão de
consumo". As mais assíduas são
Elizabeth e Helena Gushiken, mulher e filha do ministro.
Quem tem filhos em idade escolar optou por escolas consideradas de ponta, mas todas dentro do
padrão da classe média-alta da cidade, com preços que variam de
R$ 500 a R$ 700. Ninguém informou ter filhos estudando em escolas estrangeiras, hábito comum
entre os diplomatas.
Fim de Semana
Flora, a mulher do ministro Gilberto Gil (Cultura), diz que sente
falta das opções culturais de São
Paulo, porém faz uma ressalva:
"Programávamos várias coisas,
mas acabávamos tão cansados
que a melhor alternativa era ficar
em casa".
O que mais encanta os novos
poderosos são o tempo que sobra
em razão da falta de trânsito, o
baixo índice de violência e a grande quantidade de áreas verdes.
Somando tudo, dizem, o resultado é menos estresse e mais energia para encontrar os amigos nos
finais de semana.
Dentro da corte também há
aqueles que não frequentam o Alvorada nem entram no circuito de
diversões petistas. Um exemplo é
a ministra Marina Silva (Meio
Ambiente), que tem atuação bem
avaliada pelo Planalto. Nos finais
de semana, vai à igreja e passeia
com os quatro filhos.
Os que mais se encontram
acompanhados de mulher e filhos
nos finais de semana são os ministros José Dirceu, Luiz Gushiken, Antonio Palocci, José Graziano (Segurança Alimentar), Tarso
Genro (secretário-executivo do
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social), Luiz Dulci
(Secretaria Geral da Presidência)
e José Fritsch (Pesca), além de Gilberto Carvalho e do porta-voz
André Singer.
Os encontros são geralmente na
forma de almoços e costumam
ocorrer na casa de alguém do grupo. Os que mais recebem são a assessora de José Dirceu, Telma Feher, e o ministro Fritsch, que sempre serve peixe. Palocci e Singer já
ofereceram churrasco.
No domingo passado, por
exemplo, Fritsch, Olívio Dutra
(Cidades), Carvalho, Singer e Jorge Ferreira almoçaram com a família de Lula no Alvorada.
Os cinco fazem parte da seleta
lista dos que são considerados
próximos do presidente.
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