|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
O erro
Entre o discurso de posse de
Luiz Inácio Lula da Silva, síntese e culminância do que dissera ao
eleitorado na campanha, e, 24 horas depois, o início do governo, as
diretrizes se inverteram.
Por quê?
Foram necessários seis meses para o governo, em gesto político destinado a atenuar a pressão crítica,
interromper seu roteiro conservador, e o fez ainda com tanta cautela, ou contrariedade, que não cortou mais do que um terço do que
acrescentara aos juros já estagnantes deixados pelo governo anterior.
Por quê?
A tática da campanha partira
da lúcida percepção de que Lula só
teria possibilidade de vencer em
um caso: se deixasse de representar o confronto com os interesses
norte-americanos, o FMI, o setor
financeiro e o conservadorismo
empresarial, e se se mostrasse convincente como elo de acordo entre
as classes socioeconômicas opostas. Só assim, indicava a análise
do círculo de Lula, seria possível
prevenir a aliança capital/governo
Bush-FMI/meios de comunicação/governo FHC, enfim, o renovado exército anti-Lula de três
campanhas passadas.
A tática e o desempenho foram
perfeitos. Lulinha "paz e amor" foi
um protagonista espetacular. O
sucesso eleitoral nunca teve algo
sequer parecido no Brasil e, se o
polonês Lech Walesa o precedeu
como operário eleito para a Presidência, Lula se tornou a esperança
e o símbolo, aqui e mundo afora,
do entendimento entre conservadores e povo para introduzir nova
ordem social e econômica nos países não-desenvolvidos.
Embora todo esse êxito e sua
transcrição como força política,
Lula e seu círculo levaram para o
governo a mesma formulação tática da campanha. Mas a situação
já era outra. Eram os vitoriosos, e
sua presença como governantes,
mais do que aceita pelos conservadores internos e externos, deles estava recebendo apoio real. Lula e
seu círculo tornaram-se governo
em condições, no mínimo, de falar
e agir de igual para igual aos setores, nos planos nacional e internacional, com os quais precisariam
ser negociados os processos, econômicos e sociais, de inovação verdadeira.
Lula e seu círculo, no entanto,
entraram no governo com a mesma atitude de postulantes, coma
mesma ansiedade irracional de fazer-se credores de uma confiança
que já lhes fora dada. O discurso
continua sendo de campanha, as
políticas e propostas mais caracterizadoras do governo continuam
sendo as do passado. Lula e seu
círculo as atribuem a exigências
da situação de "país quebrado"
que o governo Fernando Henrique
deixou, "situação muito mais grave do que o governo passado dizia".
Muitos e respeitáveis economistas, inclusive integrantes ou aliados do PT, negam que o agravamento econômico-financeiro, no
ano passado, estivesse a ponto de
inviabilizar o início da política socioeconômica propalada pelo petismo e pelo candidato Lula e ansiada até pela maioria dos conservadores. Em paralelo a essa contestação técnica, figuram as longas
evidências de que o Brasil não
quebrou no ano passado. Quebrado já veio desde o primeiro mandato de Fernando Henrique: desde
então, o Brasil tem estado de pé
graças às incessantes injeções de
dinheiro do FMI e ao endividamento aumentado dia a dia, como
é próprio das situações falimentares. Nada disso foi surpresa para
Lula e seu círculo e, mais ainda, foi
uma das razões fundamentais da
preferência que o eleitorado lhe
concedeu.
Aceite-se, porém, a explicação de
Lula e seu círculo. E logo se constata que não lhes é favorável, antes
reafirma a irracionalidade política da postura adotada pelo governo. Se a situação econômica estava tão agravada, mais razões havia para chamar à negociação os
setores ou entidades cujos contratos, exigências ou interesses, postos
em limites mutuamente aceitáveis, contribuiriam para o desagravamento em favor do país. E
mais razões, para aceitar a negociação, teriam também os setores e
entidades que o governo vê como
fantasmas assustadores.
Ao assumir, Lula e seu círculo
encontraram, da esquerda mais
inflexível aos conservadores mais
intransigentes, a ansiedade por
inovações que combinassem, em
entendimentos amplos, as reformas capazes de trazer nova fisionomia à sociedade e ao país. A
uns, pela redução das aberrações
sociais que os oprimem. A outros,
pelo alívio das tensões que os
ameaçam cada vez mais, hoje em
suas cidadelas gradeadas e carros
blindados, amanhã não se sabe
em que mais.
Lula e seu círculo não entenderam o que os esperava, não entenderam o que encontraram, não
entenderam o sentido da sua
transformação de postulantes em
grandes vitoriosos consagrados
quase unanimemente. Foi um erro
terrível e surpreendente nos que
formularam e executaram, para
chegar ao êxito eleitoral, uma tática política tão lúcida e criativa.
Não será fácil sair do erro comprometedor. O FMI, o sistema financeiro, o "mercado", que eram
vistos como fantasmas quando
queriam ser parceiros, agora são
beneficiários com a cobertura de
um governo de "esquerda", e suas
disposições "reformistas" já estão
sob reconsiderações crescentes. Lula e seu círculo pensam estar fortes
nesses setores, por efeito de sua política econômica. Não. É neles que
estão mais fracos. Lula e seu círculo perderam a hora correta de negociar. E quem não negocia quando está em vantagem ou igualdade, depois só negociará em inferioridade.
O arauto
Diz José Genoino, presidente do
PT, que "a oposição de esquerda
faz o jogo da extrema direita". Foi
esse, exatamente, o argumento para os crimes monstruosos do fascismo e do stalinismo.
O acerto
As crianças estão entrando em
férias. Como a velhice, dizem, é a
segunda infância, e esta senil coluna está com 20 anos, entra em férias também.
A todos, bom proveito.
Texto Anterior: Reforma é Robin Hood às avessas, diz professor do comando de greve Próximo Texto: Corte vermelha: Petista institui novos hábitos em Brasília Índice
|