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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Documentos mostram que megadoleiro de US$ 800 milhões usou Banestado para abastecer contas suspeitas

Esquema CC-5 reúne bicho, futebol e falsário

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Duas contas que movimentaram US$ 800 milhões na agência do Banestado de Nova York, abertas em nome de empresas que só existem no papel, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, envolvem um bicheiro, um empresário acusado de montar o chamado Dossiê Caribe e um clube de futebol paulista.
A Folha pesquisou cerca de 2.500 páginas de documentos apreendidos pela Polícia Federal na agência nova-iorquina do Banestado (privatizado em 2000) que registram todas as ordens de pagamento de duas empresas controladas pelo doleiro Alberto Youssef no período 1996-1997.
Youssef, que atua em São Paulo e no Paraná, é uma peça-chave para a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) recém-criada na Câmara dos Deputados.
Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, as remessas que passaram por doleiros e chegaram a brasileiros podem constituir crime de evasão de divisas. Também é apurada possível sonegação fiscal.
Nos documentos aparece como beneficiária a conta pessoal de João Arcanjo Ribeiro, o "Comendador", dono da rede de jogo de bicho "Colibri", de Cuiabá (MT). Ele recebeu US$ 1,5 milhão em 20 de fevereiro de 1997.
O dinheiro saiu da conta aberta em nome da empresa offshore June International Corporation. Ela e a Ranby International têm como procurador Alberto Youssef, de acordo com os documentos apreendidos pela Polícia Federal.
Em fevereiro último, em entrevista à Folha, Youssef reconheceu ser responsável por essas empresas: "Não há o que negar, fui procurador da Ranby International, da June International e da conta de Elias Kalin Youssef [seu irmão, já morto]".
A June e a Ranby International são apenas duas das 55 empresas offshore que movimentaram dinheiro no Banestado de Nova York entre 1996 e 1997, de acordo com laudo da Polícia Federal.
A conta pessoal de Arcanjo, de número 01000390, funcionava no Banco de Boston em Montevidéu, Uruguai. Arcanjo está preso naquela cidade desde abril, sob acusação de sonegação fiscal de R$ 842 milhões da Receita Federal, assassinatos, lavagem de dinheiro no Uruguai, nos Estados Unidos e na Suíça e de comandar o crime organizado em Mato Grosso.
A passagem de dinheiro de Arcanjo pelas contas do Banestado -anunciada pela revista "IstoÉ" em 5 de fevereiro- é confirmada por outra ordem de pagamento. No dia 22 de outubro de 1996, a June remeteu US$ 1 milhão para a conta da empresa offshore Aveyron no mesmo Banco de Boston de Montevidéu. A Aveyron, conforme reconhecem os próprios advogados de Arcanjo, pertence ao bicheiro.
Participou da operação outra empresa, a APS Confiança Factoring. De acordo com a investigação da Polícia Federal de Cuiabá, Arcanjo era dono de 94,9% das ações da Confiança.

Dossiê Caribe
A mesma conta da June abasteceu o empresário Honor Rodrigues da Silva, acusado pela Polícia Federal de ser o mentor do chamado Dossiê Caribe (conjunto de papéis falsificados para incriminar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dois ex-ministros e o ex-governador de São Paulo Mário Covas).
Num único mês, dezembro de 1996, a conta de Silva, de número 0104605019 no Nations Bank de Miami (EUA), recebeu US$ 260 mil em três operações, nos dias 5, 18 e 23.
Silva está preso na Cidade do México desde novembro do ano passado, aguardando a análise judicial do pedido de extradição encaminhado pelo Ministério da Justiça brasileiro.
Ele é acusado pela polícia brasileira de formação de quadrilha, estelionato e co-autoria em lavagem de dinheiro no caso do dossiê sem autenticidade comprovada, divulgado na campanha eleitoral de 1998.
A June, gerida pelo doleiro Youssef, também enviou dinheiro para uma mesma conta do clube de futebol Sion, da Suíça, em duas remessas de US$ 120 mil cada uma. Numa das ordens de pagamento, foi feita a seguinte anotação: "Compra do passe do jogador Mirandinha".
O atacante Isailton Ferreira da Silva, o Mirandinha, 32, teve seu passe comprado do Sion da Suíça pelo clube paulistano Corinthians. A negociação foi anunciada em 16 de outubro de 1996, e os repasses anotados no Banestado são de 26 de dezembro daquele ano e 18 de fevereiro de 1997.
O então vice-presidente de futebol do Corinthians, José Mansur, participou da compra do jogador, mas disse que nada soube a respeito da forma da aquisição.
"Não emitia cheques e não sei como o passe foi pago. Isso era com outro departamento, com a tesouraria", explicou Mansur.
O ex-diretor lembra que a dívida foi paga ao Sion em dez prestações. Não se recordou exatamente do valor total, mas os jornais da época falaram em US$ 1,2 milhão. As duas remessas de US$ 120 mil, em meses diferentes, podem confirmar que se tratava mesmo de um pagamento parcelado.
O atacante Mirandinha foi campeão paulista pelo Corinthians em 1997, onde jogou até 1998. Depois passou pelo Juventude (RS) e pelo América (MG), time que deixou em 2001.



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