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CRIME ORGANIZADO
Documentos mostram que megadoleiro de US$ 800 milhões usou Banestado para abastecer contas suspeitas
Esquema CC-5 reúne bicho, futebol e falsário
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Duas contas que movimentaram US$ 800 milhões na agência
do Banestado de Nova York,
abertas em nome de empresas
que só existem no papel, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, envolvem um bicheiro, um
empresário acusado de montar o
chamado Dossiê Caribe e um clube de futebol paulista.
A Folha pesquisou cerca de
2.500 páginas de documentos
apreendidos pela Polícia Federal
na agência nova-iorquina do Banestado (privatizado em 2000)
que registram todas as ordens de
pagamento de duas empresas
controladas pelo doleiro Alberto
Youssef no período 1996-1997.
Youssef, que atua em São Paulo
e no Paraná, é uma peça-chave
para a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) recém-criada na
Câmara dos Deputados.
Segundo o Ministério Público e
a Polícia Federal, as remessas que
passaram por doleiros e chegaram a brasileiros podem constituir crime de evasão de divisas.
Também é apurada possível sonegação fiscal.
Nos documentos aparece como
beneficiária a conta pessoal de
João Arcanjo Ribeiro, o "Comendador", dono da rede de jogo de
bicho "Colibri", de Cuiabá (MT).
Ele recebeu US$ 1,5 milhão em 20
de fevereiro de 1997.
O dinheiro saiu da conta aberta
em nome da empresa offshore June International Corporation. Ela
e a Ranby International têm como
procurador Alberto Youssef, de
acordo com os documentos
apreendidos pela Polícia Federal.
Em fevereiro último, em entrevista à Folha, Youssef reconheceu
ser responsável por essas empresas: "Não há o que negar, fui procurador da Ranby International,
da June International e da conta
de Elias Kalin Youssef [seu irmão,
já morto]".
A June e a Ranby International
são apenas duas das 55 empresas
offshore que movimentaram dinheiro no Banestado de Nova
York entre 1996 e 1997, de acordo
com laudo da Polícia Federal.
A conta pessoal de Arcanjo, de
número 01000390, funcionava no
Banco de Boston em Montevidéu,
Uruguai. Arcanjo está preso naquela cidade desde abril, sob acusação de sonegação fiscal de R$
842 milhões da Receita Federal,
assassinatos, lavagem de dinheiro
no Uruguai, nos Estados Unidos e
na Suíça e de comandar o crime
organizado em Mato Grosso.
A passagem de dinheiro de Arcanjo pelas contas do Banestado
-anunciada pela revista "IstoÉ"
em 5 de fevereiro- é confirmada
por outra ordem de pagamento.
No dia 22 de outubro de 1996, a
June remeteu US$ 1 milhão para a
conta da empresa offshore Aveyron no mesmo Banco de Boston
de Montevidéu. A Aveyron, conforme reconhecem os próprios
advogados de Arcanjo, pertence
ao bicheiro.
Participou da operação outra
empresa, a APS Confiança Factoring. De acordo com a investigação da Polícia Federal de Cuiabá,
Arcanjo era dono de 94,9% das
ações da Confiança.
Dossiê Caribe
A mesma conta da June abasteceu o empresário Honor Rodrigues da Silva, acusado pela Polícia
Federal de ser o mentor do chamado Dossiê Caribe (conjunto de
papéis falsificados para incriminar o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, dois ex-ministros e o ex-governador de São
Paulo Mário Covas).
Num único mês, dezembro de
1996, a conta de Silva, de número
0104605019 no Nations Bank de
Miami (EUA), recebeu US$ 260
mil em três operações, nos dias 5,
18 e 23.
Silva está preso na Cidade do
México desde novembro do ano
passado, aguardando a análise judicial do pedido de extradição encaminhado pelo Ministério da
Justiça brasileiro.
Ele é acusado pela polícia brasileira de formação de quadrilha,
estelionato e co-autoria em lavagem de dinheiro no caso do dossiê sem autenticidade comprovada, divulgado na campanha eleitoral de 1998.
A June, gerida pelo doleiro
Youssef, também enviou dinheiro
para uma mesma conta do clube
de futebol Sion, da Suíça, em duas
remessas de US$ 120 mil cada
uma. Numa das ordens de pagamento, foi feita a seguinte anotação: "Compra do passe do jogador Mirandinha".
O atacante Isailton Ferreira da
Silva, o Mirandinha, 32, teve seu
passe comprado do Sion da Suíça
pelo clube paulistano Corinthians. A negociação foi anunciada em 16 de outubro de 1996, e os
repasses anotados no Banestado
são de 26 de dezembro daquele
ano e 18 de fevereiro de 1997.
O então vice-presidente de futebol do Corinthians, José Mansur,
participou da compra do jogador,
mas disse que nada soube a respeito da forma da aquisição.
"Não emitia cheques e não sei
como o passe foi pago. Isso era
com outro departamento, com a
tesouraria", explicou Mansur.
O ex-diretor lembra que a dívida foi paga ao Sion em dez prestações. Não se recordou exatamente
do valor total, mas os jornais da
época falaram em US$ 1,2 milhão.
As duas remessas de US$ 120 mil,
em meses diferentes, podem confirmar que se tratava mesmo de
um pagamento parcelado.
O atacante Mirandinha foi campeão paulista pelo Corinthians
em 1997, onde jogou até 1998. Depois passou pelo Juventude (RS) e
pelo América (MG), time que deixou em 2001.
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