São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004

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JANIO DE FREITAS

Poderes necessários

A partir de hoje, procuradores da República e seus pares em âmbito estadual, os promotores, apoiados por numerosos juízes, tomam várias iniciativas públicas para discutir e defender o seu poder de proceder a investigações, questionado por um julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal. O que a rigor está sob julgamento, no entanto, são direitos da sociedade.
O questionamento aos poderes de procuradores e promotores decorre de um inquérito cujas provas, responsabilizando o deputado maranhense Remi Trinta por fraudes contra o SUS, foram obtidas em investigações do Ministério Público. O deputado pede a nulidade do inquérito com o argumento de que o poder investigativo de procuradores e promotores não está estabelecido na Constituição. É a tese, também, do recém-empossado presidente do Supremo, Nelson Jobim, que já votou a favor do deputado. Poder de investigação seria estritamente da polícia.
O próprio processo em julgamento no STF é um atestado duplo da importância da investigação procedida por procuradores ou promotores. As fraudes contra o dinheiro público, representado no caso por verbas do SUS, só foram descobertas e só têm responsabilidades apontadas porque o Ministério Público procedeu a investigações. As fraudes lá estavam, as polícias federal e estadual também, e no entanto estas não chegaram àquelas, seja lá pelo que for.
No paraíso da corrupção, os casos que têm chegado a indicar as responsabilidades contaram com a contribuição investigativa, muitas vezes decisiva, de procuradores ou de promotores. Na quase totalidade, são casos que atingem integrantes de governos e outros políticos. E isso explica a parte mais ativa da oposição aos poderes investigatórios de procuradores e promotores, à qual se associam ressentidos por peças acusatórias. Assim se juntam aos que adotam argumentação jurídica, pela limitação de poderes do Ministério Público, os que têm como principal argumento os escassos casos em que um procurador ou promotor buscou efeitos públicos para determinada investigação, valendo-se do jornalismo sensacionalista.
Não há dúvida de que procurador não é polícia, segundo palavras atribuídas a Nelson Jobim. Nem as atribuições investigativas de procuradores/ promotores e de policiais se confundiriam. Porque àquela diferença invocada, superficial ou, na melhor hipótese, formal, pode-se sobrepor algo mais pesado.
Polícias são entidades submetidas a governos e, portanto, para dizer o menos, passíveis de influências que já se iniciam na escolha mesma dos dirigentes, que tantas vezes já vimos fazer-se pelas piores opções. Do ponto de vista conceitual, polícia representa a sociedade na ação contra o crime, o delito, a contravenção. Ainda que o faça, porém, na prática a polícia representa o governo: é parte dele, seja estadual ou federal.
Ao Ministério Público a Constituição confere autonomia funcional e administrativa. Tem, então, as condições essenciais para representar a sociedade inclusive contra os governos e contra decisões do Legislativo. Daí que poderes investigativos de integrantes do Ministério Público sejam benéficos e necessários, e não danosos. Como tantos escândalos de corrupção e outros têm evidenciado nos últimos anos.


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