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ENTREVISTA DA 2ª
"Temos de ter o direito da dúvida", afirma presidente do PT
Após turnê nos EUA, Dirceu fala em "trégua" com o FMI
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
O presidente nacional do PT,
deputado federal José Dirceu, 56,
passou a última semana entre
Wall Street e a Casa Branca tentando convencer investidores,
banqueiros e membros do governo Bush que seu partido e o mercado não são inimigos e inclusive
dividem alguns interesses.
Em encontros com representantes dos maiores bancos dos
EUA e assessores do governo
George W. Bush, Dirceu fez questão de dizer que o PT mudou, que
os compromissos serão honrados
e que Luiz Inácio Lula da Silva governará com os empresários.
Anteontem, cumprida a agenda, o petista recebeu a Folha para
uma entrevista exclusiva pouco
antes de voltar para o Brasil. Então, o discurso mudou um pouco
e ficou mais contundente. "Precisamos de um tempo, de uma trégua. Temos de ter no mínimo o
direito da dúvida", afirmou, a respeito da dívida externa.
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
Folha - O sr. falou muito em honrar compromissos com seus interlocutores. Mas, afinal, o que o Lula
pretende fazer com a dívida externa quando assumir?
José Dirceu - O problema do Brasil não é a dívida externa em si.
Quer dizer, é na medida em que
ela cobra 20% de juros e a usam
para especular e atacar o real. Mas
isso é porque o Brasil não tem superávit comercial, tem um déficit
na balança de serviços, não está
crescendo, gasta 8%, 9% de seu
PIB para pagar a dívida interna.
Nós temos US$ 130 bilhões de
dívida privada. Não estamos conseguindo renovar esses créditos
de 75%, 100%, como seria o ideal,
e estamos tendo de colocar recursos próprios, comprar dólar com
real, usando as reservas. Exportar,
crescer tem de ser o caminho.
Mas precisamos de um tempo,
de uma trégua. Temos de ter no
mínimo o direito da dúvida. O
Brasil não pode ser agora inviabilizado com um corte nas linhas de
crédito. Os investimentos não podem ser cortados, porque há
grandes interesses externos no
Brasil, até pelas privatizações.
O que eu disse a eles foi isso. O
problema não é o que nós vamos
fazer com a dívida. Ninguém quer
suspender o pagamento, porque,
se você toma uma decisão como
essa, as consequências imediatas
para o país são piores.
Existe o caminho do crescimento, que não é só aumentar superávit e ir ao FMI (Fundo Monetário
Internacional).
Folha - Mas como funcionaria esta trégua?
Dirceu - Dar tempo ao Brasil é
interesse do próprio governo norte-americano, da própria sociedade norte-americana, dos próprios
credores e investidores. Porque,
se eles não derem tempo ao Brasil
e o país quebrar, as consequências
serão trágicas para nós mas serão
também uma crise sem volta para
a situação das finanças internacionais.
Porque o Brasil não é um pequeno país, nossa dívida não é pequena e os interesses e os investimentos que existem no Brasil não
são pequenos. É um erro de percepção achar que não tem importância nenhuma o Brasil entrar
num default (moratória) ou o
Brasil entrar numa crise.
Folha - Mas o que é exatamente
essa trégua?
Dirceu - Não atacar o Brasil, não
cortar os créditos do Brasil, deixar
o Brasil escolher o novo presidente. Porque eu tenho certeza de que
o Brasil, crescendo, honrará seus
compromissos e haverá novas
oportunidades de investimento
no país. Não a partir de juro alto e
de privatização, mas a partir do
crescimento da economia e da
modernização da infra-estrutura
e do mercado interno. Isso que eu
disse a eles.
Folha - Sim, mas isso é a trégua
do lado deles. E a do PT?
Dirceu - Escute, se eles querem
receber pelos investimentos que
fizeram no Brasil, o que é legítimo, e receber os juros da dívida, o
país precisa mudar de política
econômica e crescer. É o contrário do que eles pensam. Eles querem mais do mesmo. E eu disse a
eles que nós precisamos de uma
outra política econômica.
Isso não significa não honrar
contratos, não manter a inflação
sob controle, não manter o superávit primário neste momento,
mas significa que há dentro do
país políticas a serem adotadas
que permitem a retomada do
crescimento. Para isso é preciso
mudar a política econômica, a
equipe econômica e o governo.
Folha - Mas então os pagamentos
não serão congelados?
Dirceu - Hoje, o que está acontecendo é que muitas linhas de crédito não são renovadas para o
Brasil e que as reservas do país podem ir diminuindo. Por isso é que
muitos interlocutores acham que
o governo FHC não terá condições de sustentar isso.
Folha - Se Lula for eleito e não
reestruturar a dívida externa, como afirmou, mesmo assim só a eleição dele pode fazer com que o mercado pare de injetar dinheiro no
Brasil e a falta de recursos estrangeiros poderia então levá-lo a ter
de reestruturar a dívida. Como o PT
pretende resolver este paradoxo?
Dirceu - É o contrário. Qualquer
um que for eleito derruba imediatamente o risco-Brasil, porque
vão ficar claras as políticas econômicas. Se não mudar a política
econômica atual, aí sim que o risco cresce cada vez mais. E eles sabem disso, não falam publicamente mas sabem disso.
Folha - O mercado perdeu então o
medo de Lula?
Dirceu - Precisa ver se aumentou
o medo que nós temos do mercado... (Risos). É um gravíssimo erro do governo e da sociedade norte-americanos, seja investidor,
credor, uma empresa que tem investimentos no Brasil ou um acadêmico tomar o país por este momento e não ver o potencial e nossos interesses comuns.
Folha - Como foram as conversas,
de maneira geral?
Dirceu - Não tive dúvidas de falar
com franqueza, ainda que de forma respeitosa, que nós: 1. Não vamos manter o Armínio Fraga na
presidência do Banco Central; 2.
Não queremos ir ao FMI; e 3. Que
essa história de BC independente
não necessariamente é a solução
para o Brasil.
Folha - Por que não?
Dirceu - Se eu ponho o banco independente com mandato de
quatro anos, dá uma crise internacional, o presidente do BC não
muda a política, afunda o país e o
governo não tem autoridade sobre ele. O Brasil não é os EUA, não
é a Alemanha, não é a França.
Folha - Qual a reação deles?
Dirceu - Não senti nenhuma surpresa, não ficaram estupefatos
nem acharam absurdo. Eles realmente estão ouvindo. Procurei
transmitir que nós temos política,
segurança no que propomos, que
a única saída é crescer.
Folha - Se suas conversas com os
investidores foram tão boas, por
que as agências classificadoras internacionais continuam jogando o
risco do Brasil para cima e atribuindo isso ao crescimento de Lula nas
pesquisas?
Dirceu - Porque eles perderam
muito dinheiro na crise da Argentina e querem ganhar no Brasil.
Tem muita gente especulando
contra o real. O tal "fator Lula" é
um dos últimos elementos no aumento deste risco-Brasil. Claro, as
eleições aumentam o risco, mas
não a esse ponto.
Folha - O PT não iria ao Fundo em
hipótese nenhuma?
Dirceu - Nós faremos tudo o que
for possível para não ir. A questão
tem opiniões cada vez mais contraditórias. Muitos acham que a
experiência da Argentina mostra
que ir ao FMI não quer dizer nada. Outros acham que é preciso
reestruturar a dívida. Imagine se
estivesse na boca de algum candidato brasileiro. (Risos)
Mas alguns falam isso sem vacilar, que não há alternativa para o
Brasil a não ser reestruturar a dívida. São vozes isoladas, mas responsáveis e de quem tem muitos
interesses e recursos no Brasil.
Não foi nenhum acadêmico dizendo isso teoricamente, não.
Folha - E quanto a assinar um
acordo entre o FMI e os principais
candidatos à presidência?
Dirceu - Vem cá, essa Anne
Krueger [vice-diretora-gerente
do FMI" é candidata a presidente
da República? O adequado para o
Brasil neste momento não é os
candidatos assinarem nenhuma
carta com o FMI, porque isso inclusive significa... (pausa) Quer
dizer, vamos deixar o povo brasileiro escolher o presidente, escolher a próxima política econômica, nós não podemos aceitar isso.
Isso não significa que você não
está atento para esta transição,
que nós estamos correndo contra
o tempo, e que você não tenha de
adotar medidas no país para impedir que o país deixe de honrar
seus compromissos ou para impedir que os credores cortem as linhas de crédito no Brasil.
Folha - Que medidas?
Dirceu - Nós fizemos nossa parte. Já votamos a CPMF, o Lula fez
a carta-compromisso, eu vim
aqui aos Estados Unidos para reiterar, para explicar qual vai ser a
nossa política. Não vi nenhum interlocutor comentar: "Mas essa
política de vocês é completamente irresponsável, isso aí não vai
dar certo." Isso porque eles não
têm mais segurança de que o que
eles aconselhavam vai dar certo
também.
Folha - O sr. falou brincando, mas
é uma preocupação presente: passou o medo que o Lula tem do mercado? Se for eleito, ele pretende vir
aos EUA?
Dirceu - Quando o presidente for
eleito no Brasil, qualquer um, vai
ter de visitar a Argentina primeiro, porque é o país mais importante para nós, estratégico e atualmente em crise. Segundo, precisa
visitar os EUA, é evidente. Terceiro, precisa também ir à África do
Sul, à China e à Índia, porque são
novos mercados, mostram novas
sinalizações. E visitar a Europa,
no mínimo dialogar com a União
Européia.
Folha - Uma economista do banco
Bear, Sterns disse na última sexta-feira que nem se o Lula colocasse
Alain Greespan como presidente
do BC brasileiro ela conseguiria
vender o país de novo aos mercados. O sr. concorda?
Dirceu - Pior para eles. Eles estão
errados em relação ao Brasil e é lamentável que ela tenha essa opinião, eu repilo esse tipo de pensamento. Se for verdade o que ela fala do Brasil, então significa que vai
haver uma crise internacional
sem precedentes.
O Brasil é viável, os investidores
e credores devem apostar no país,
e o governo norte-americano tem
interesse de que o Brasil se viabilize. Eu até entendo que quem perdeu muito dinheiro na Argentina
agora queira ganhar no Brasil,
mas eu não posso aceitar isso, eu
estou aqui para defender os nosso
interesses.
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