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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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GOVERNO PAULISTA

Chefe de gabinete da secretaria recebe desde fevereiro da Fundação Padre Anchieta sem trabalhar na emissora

Promotoria monitora "caixa-preta" da Cultura

FREDERICO VASCONCELOS
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL

A chefe de gabinete da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, Maria Luiza Granado, que ocupa o terceiro cargo mais importante na hierarquia da pasta, recebeu vencimentos como funcionária-fantasma da Fundação Padre Anchieta, emissora mantida com verbas públicas e privadas e que atravessa crise financeira.
Documentos obtidos pela Folha confirmam que Granado está registrada na diretoria de programação da TV Cultura, embora o cargo de chefe de gabinete exija jornada completa de trabalho.
Ao ser questionada pela Folha sobre a situação de sua subordinada, a secretária da Cultura, Cláudia Costin, 47, informou, anteontem, que decidira afastá-la.
O Palácio dos Bandeirantes confirmou que o ato de exoneração, assinado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), será publicado no "Diário Oficial".
"É uma situação que não me agrada. Não porque seja irregular. Mas é uma situação que foi construída no processo da vinda dela para a secretaria", disse Costin.
Procurada ontem pela Folha, a chefe de gabinete não se manifestou até o fechamento da edição.
A secretária da Cultura diz que Granado, ex-presidente da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), recebe apenas da fundação. A acumulação de vencimentos, no caso, seria ilegal. Segundo Costin, não há duplicidade, pois a TV Cultura é remunerada em contrato pela secretaria e paga a chefe de gabinete. Ela não disse quanto Granado recebe.
Funcionários da TV Cultura confirmam que Granado não dava expediente na emissora. Segundo a assessoria de imprensa da fundação, "constatado o problema, a funcionária Maria Luiza Granado foi imediatamente afastada do quadro funcional da Fundação Padre Anchieta".
Granado foi nomeada chefe de gabinete em 10 de janeiro último, por decreto do governador Alckmin. No dia 21 do mesmo mês, resolução da secretária Costin atribuiu gratificação mensal à chefe de gabinete. Sua admissão na TV Cultura ocorreu no dia 3 de fevereiro, segundo o cadastro de funcionários da emissora.
Esse artifício, um recurso adotado pela administração pública para melhorar a remuneração de assessores, expõe duplamente Costin. A Fundação Padre Anchieta, vinculada à Secretaria da Cultura, teve dotações reduzidas pelo governo estadual e vem sendo instada por Costin a apresentar indicadores de eficiência e melhor gestão dos recursos públicos.
Ex-ministra da Administração Federal e Reforma do Estado no governo FHC, onde firmou a imagem de gestora rigorosa, Costin -sem maiores vinculações com a área cultural- assumiu a secretaria no início do ano, convidada por Alckmin para corrigir irregularidades acumuladas na pasta. Ela também tem sido criticada por colocar na direção de órgãos vinculados à pasta pessoas sem intimidade com a área cultural.
Sem maior divulgação, Costin está obrigada a prestar contas periodicamente ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público do Estado sobre contratações e demissões na secretaria.

Termo de compromisso
Trata-se de herança da administração anterior, um "Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta" firmado pelo antecessor de Costin, Marcos Mendonça, no dia 26 de dezembro de 2002, às vésperas de deixar o cargo.
O acordo é peça de inquérito civil instaurado a partir de reportagem da Folha, de abril do ano passado, revelando casos de clientelismo e nepotismo na contratação de pessoal. A pasta mantinha funcionários em situação irregular, contratados sem concurso público e pagos com recursos da "verba de adiantamento", que só deveria ser usada em despesas "extraordinárias e urgentes", não previstas no orçamento.
Na ocasião, havia 2.145 pessoas nessa situação irregular, o que correspondia a 87% do quadro de funcionários, contra apenas 330 funcionários concursados. Mendonça alegava que a contratação de temporários decorria do caráter diferenciado da pasta, marcada por eventos e exposições.
Segundo a Folha apurou, esse acordo foi proposto por Mendonça (havia a possibilidade de serem oferecidas ações de improbidade contra o secretário). O ex-secretário atribui esse risco a uma "divergência de interpretação sobre a questão da regularidade ou não da forma de contratação".
Ele diz que o Ministério Público aceitou uma prorrogação dos prazos de contratação. O "termo de ajuste" também convinha ao Ministério Público, pois evitaria o ajuizamento de milhares de ações individuais e de êxito difícil.
Com a extinção, em 1995, do Baneser (Banespa Serviços Técnicos S/A), empresa usada principalmente nos governos de Orestes Quércia (1987-1991) e de Luiz Antonio Fleury Filho (1991-1994) para o Estado contratar funcionários sem concurso, a Secretaria da Cultura manteve, por meio de renovação sucessiva de contratos temporários, funcionários que realizavam trabalho continuado sem haver prestado concurso público, o que é vedado pela Constituição e viola a legislação trabalhista do país.
Pelo termo de compromisso firmado por Mendonça, Costin não poderá contratar pessoas para trabalho continuado sem realizar concurso público. Num prazo de 18 meses (a partir de dezembro último), terá que demitir as pessoas nessa situação irregular. E, dentro de 36 meses, terá que dispensar as que desenvolvam atividades artísticas e estejam na mesma situação.
A cada seis meses, Costin é obrigada a informar ao Ministério Público os editais de concurso público, as demissões e contratações.
Em maio, Costin enviou ofício ao Ministério Público relatando a reestruturação da secretaria e a revisão de projetos. "Novas vocações estão sendo definidas para espaços da secretaria que terão reflexos diretos na diminuição de contratação de pessoal", afirmou.
Costin informou que "foram retomados os andamentos dos processos administrativos para qualificação das entidades interessadas e iniciaram-se reuniões periódicas para preparação da implantação das organizações sociais, no âmbito da Cultura, com especificação das áreas, levantamento de acervos, custos e definição do contrato de gestão padrão".


Colaborou MARIO CESAR CARVALHO, da Reportagem Local


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