São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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Anistia, a última vitória da esquerda

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Vinte e cinco anos depois da anistia, olhar para trás é trazer à memória uma irônica frase que os espanhóis usavam nos primeiros anos após o fim da ditadura de Francisco Franco, que durara do fim da Guerra Civil (1939) a 1977. "Contra Franco, vivíamos melhor", diziam, embriagados pela democracia recém-conquistada.
Na luta pela anistia e, por extensão, contra o regime militar, que atingia então seus 15 anos, as forças democráticas do país viveram seus últimos momentos de unidade e de generosidade. Estavam todos: a esquerda, a centro-esquerda, o centro e até personalidades que haviam apoiado o golpe de 1964, mas foram migrando para a luta pelas liberdades públicas.
Estava até parte significativa da mídia, caso desta Folha, por exemplo, porque, em situações institucionais críticas, como é sempre um regime autoritário, não vale ou nem sempre vale a recomendação de não tomar partido. A generosidade referida estava dada pelo fato de que os políticos em evidência no momento, com seus direitos políticos plenos e morando no próprio país, buscavam trazer de volta ao país e/ou à política aqueles que poderiam ser seus concorrentes no futuro.
Foram mesmo: Leonel Brizola por muito pouco não tirou Luiz Inácio Lula da Silva do segundo turno da eleição presidencial de 1989. Se Brizola passasse à disputa final contra Fernando Collor, qualquer que fosse o resultado final, é bem provável que a história do Brasil teria sido diferente.
Conquistada a anistia, o restabelecimento da democracia tornou-se uma questão de tempo. E a generosidade cedeu lugar a projetos políticos próprios de cada um dos líderes do movimento ou dos que foram por ela beneficiados.
É sintomático que dois dos principais "palanqueiros" da campanha pela anistia (Fernando Henrique Cardoso e Lula) tenham sido também os dois mais salientes adversários na luta pelo poder nos dez anos mais recentes.
É paradoxal que a conquista da anistia tenha sido igualmente a última grande vitória da esquerda. Paradoxal porque os anistiados politicamente importantes eram de esquerda. Se puderam voltar à atividade política, o lógico seria que seus partidos/movimentos/idéias ficassem mais fortes.
Não ficaram. O último momento de união dos diferentes grupos à esquerda do centro foi a campanha pelas Diretas-Já, vitoriosa nas ruas, mas derrotada no Congresso. Dessa derrota nasceu uma segunda derrota da esquerda, que foi a eleição indireta de Tancredo Neves/José Sarney, em 1985.
Depois, foi uma derrota após a outra: a direita, com Collor, derrotou Lula e o anistiado Brizola em 1989. A direita cooptou Fernando Henrique Cardoso, em 1994, para que ele vencesse Lula, situação que se repetiria em 1998.
Até a revanche de Lula, em 2002, uma vitória da esquerda, foi desvirtuada pelas políticas conservadoras do governo do PT, que adotou o "modelo herdado" do antecessor, como escreveu para esta Folha no mês passado um dos principais ideólogos do petismo, o ministro Tarso Genro.


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