|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
O massacre da Justiça
O fato de ser indignante não tira da absolvição dos comandantes do massacre de Eldorado do
Carajás a sua alta coerência. Foram respeitadas duas tradições
que o Brasil reafirmada dia-a-dia: polícia brasileira, militar ou
civil, tem liberdade de matar, e
assassinos de lavradores não são
condenáveis. Esses ingredientes se
juntaram na montagem da peça
representada no tribunal do júri
de Belém.
Os especialistas acham que a
decisão dos jurados foi influenciada por erros técnicos (?) do juiz
e irregularidades várias na sessão
de julgamento. Como leigo, sugiro outra hipótese, muito menos
rara. A indução pode ter chegado
a cada integrante do júri pelo telefone ou pessoalmente, com palavras ou com a exibição simples
e inequívoca de um revólver.
Qualquer desses meios eficientes
reforçado pelo contingente de
PMs posto dentro e fora do tribunal.
A transferência do julgamento,
de Eldorado para Belém, deu-se
só por ser de conhecimento amplo
que o júri, ali, não teria condições
de decidir senão pelo que a PM
decidisse. E por que, sendo a mesma PM, com a mesma degenerescência e os mesmos interesses, em
Belém deixaria os jurados e todo
o tribunal entregues à sua consciência?
Fernando Henrique Cardoso
lamentou o resultado, disse a
manchete da Folha. Não sei se alguém esperava que festejasse,
mas, para dizer que contava com
"algum grau de condenação,
uma reprimenda moral que seja",
outra vez melhor faria se calasse.
Contentar-se com reprimenda
para o assassinato de 19 pessoas é
ainda mais imoral do que a absolvição. Ao contrário desta, reconhece o crime brutal, mas o considera passível de um pito. São lavradores, afinal.
Por seu lado, o secretário de Direitos Humanos, José Gregori,
mostrou-se à altura do seu líder.
Em nota oficial, quis "registrar
que o julgamento foi isento de
qualquer irregularidade, atendendo a todos os preceitos da lei".
Apesar disso, oferece "todo apoio
da Secretaria de Direitos Humanos" para que o julgamento seja
anulado. Mas, nesse "julgamento
isento de qualquer irregularidade" e respeitoso de "todos os preceitos da lei", os presentes constataram duas irregularidades consideradas graves: a manifestação
antecipada de um dos jurados e a
formulação de perguntas contraditórias do juiz, para a opinião final dos jurados.
A nota desarranjada não satisfez a lavagem de mãos do secretário. Ao vivo, José Gregori disse
que o governo federal nada tinha
com o julgamento, mas "fez pressão" para tirá-lo de Eldorado e
vê-lo em Belém. A pressão -tenha havido ou seja criação atual
do notório mal-estar no governo- só se explica pela percepção,
tanto mais a de um advogado experiente, dos numerosos problemas que se contrapunham a um
julgamento. Nega que o governo
nada tivesse a fazer no caso, sobretudo que não lhe coubesse fazer algo indispensável e não providenciado.
Está certo que, em vista da estima que o povo lhe tem, até para
Fernando Henrique passar um
sábado na restinga de Marambaia mobilizam-se helicópteros
militares, embarcações de vigilância, soldados ou fuzileiros navais, batedores e, como sempre,
vários carros com militares e
guarda-costas. Para um julgamento extraordinário, pelo qual
se interessava o que há de pior na
violência policial, era da função e
do dever do governo federal providenciar a proteção contra as intimidações e o clima de apreensão.
O que aconteceu sob o nome de
julgamento foi um massacre sobre o outro.
Texto Anterior: Estados: RS quer ""metade sul" igual ao NE Próximo Texto: Jogos: Servidores acusam Greca de concessão irregular Índice
|