|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DOMINGUEIRA
"Au revoir"
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Encontro meu amigo tucano
no aeroporto. Arrumadinho,
cheirosinho, com sua sacolinha
Louis Vuitton, acaba de concluir o check-in na business e
vai-se dirigindo para o embarque.
Parece feliz da vida, com seu
bico magnífico, como se o portão fosse a passagem para um
reino de maravilhas.
Interrompo sua caminhada
para saudá-lo -e decidimos,
então, tomar um rápido café.
"Que droga, acabamos pegando esse dólar na alta", queixo-me diante da xícara, procurando um início de conversa solidário. Meu amigo tucano coça o
bico, olha para o alto, volta a me
encarar e diz em tom de deboche:
"Quem pegamos? Eu não peguei dólar alto nenhum".
"Como não pegou?", pergunto. "Você estava comprado?"
"Compradaço", responde, orgulhoso de sua esperteza.
"Mas como compradaço? Você estava apostando contra o
real? Logo você, que sempre defendeu o Fernando (é assim que
meu amigo tucano refere-se ao
presidente) e dizia que o Fraga
era um gênio?"
Estranhamente, meu amigo
tucano não deu bola para a provocação. Em outros tempos teria feito um discurso contra a
insolência dos jornalistas e o
"petismo enrustido das redações". Mas desta vez fez apenas
uma cara enigmática antes de
informar:
"Estou picando a mula, mon
ami".
"Como assim, picando a mula, mon ami?"
"Picando a mula, ué. Estou indo embora, mudando de país.
Isso aqui definitivamente não é
mais para mim".
"O quê?? Você enlouqueceu?!", retruquei pasmo.
E ele, subindo o tom de voz:
"Enlouqueci? Eu?! Quem
enlouqueceu foi o Fernando, rapaz! Foi esse governo maluco
que está aí, esquizofrênico, sem
tônus, sem imaginação, sem nada!"
As coisas realmente estão mudando, pensei, enquanto ele
continuava o discurso inflado,
que decidi interromper com
mais uma pequena provocação:
"Escuta, você está parecendo a
Maria da Conceição Tavares"...
"Estou mesmo, e daí?", respondeu colérico, já falando com
sotaque português. "É o que te
disse: cansei desse peís (país),
cansei desse peís!".
Dito isso, tomou o último gole
de café, acalmou-se, deu-me um
abraço e saiu apressado rumo
ao portão de embarque. Parou,
mostrou o bilhete e, antes de entrar, voltou-se para mim. Num
gesto inesperado, mandou-me
um beijo antes de despedir-se:
"Au revoir, mon ami".
"Au revoir", respondi. "Au revoir".
Texto Anterior: Jogos: Servidores acusam Greca de concessão irregular Próximo Texto: Judiciário: CPI centra foco em fórum de São Paulo Índice
|