São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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DOMINGUEIRA

"Au revoir"

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Encontro meu amigo tucano no aeroporto. Arrumadinho, cheirosinho, com sua sacolinha Louis Vuitton, acaba de concluir o check-in na business e vai-se dirigindo para o embarque.
Parece feliz da vida, com seu bico magnífico, como se o portão fosse a passagem para um reino de maravilhas.
Interrompo sua caminhada para saudá-lo -e decidimos, então, tomar um rápido café.
"Que droga, acabamos pegando esse dólar na alta", queixo-me diante da xícara, procurando um início de conversa solidário. Meu amigo tucano coça o bico, olha para o alto, volta a me encarar e diz em tom de deboche:
"Quem pegamos? Eu não peguei dólar alto nenhum".
"Como não pegou?", pergunto. "Você estava comprado?"
"Compradaço", responde, orgulhoso de sua esperteza.
"Mas como compradaço? Você estava apostando contra o real? Logo você, que sempre defendeu o Fernando (é assim que meu amigo tucano refere-se ao presidente) e dizia que o Fraga era um gênio?"
Estranhamente, meu amigo tucano não deu bola para a provocação. Em outros tempos teria feito um discurso contra a insolência dos jornalistas e o "petismo enrustido das redações". Mas desta vez fez apenas uma cara enigmática antes de informar:
"Estou picando a mula, mon ami".
"Como assim, picando a mula, mon ami?"
"Picando a mula, ué. Estou indo embora, mudando de país. Isso aqui definitivamente não é mais para mim".
"O quê?? Você enlouqueceu?!", retruquei pasmo.
E ele, subindo o tom de voz:
"Enlouqueci? Eu?! Quem enlouqueceu foi o Fernando, rapaz! Foi esse governo maluco que está aí, esquizofrênico, sem tônus, sem imaginação, sem nada!"
As coisas realmente estão mudando, pensei, enquanto ele continuava o discurso inflado, que decidi interromper com mais uma pequena provocação:
"Escuta, você está parecendo a Maria da Conceição Tavares"...
"Estou mesmo, e daí?", respondeu colérico, já falando com sotaque português. "É o que te disse: cansei desse peís (país), cansei desse peís!".
Dito isso, tomou o último gole de café, acalmou-se, deu-me um abraço e saiu apressado rumo ao portão de embarque. Parou, mostrou o bilhete e, antes de entrar, voltou-se para mim. Num gesto inesperado, mandou-me um beijo antes de despedir-se: "Au revoir, mon ami".
"Au revoir", respondi. "Au revoir".


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