São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2005

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JANIO DE FREITAS

O lucro inesperado

A longa rotina dos depoimentos que nada esclarecem foi afinal quebrada, e de maneira surpreendente. Primeiro, no interrogatório ao doleiro Antonio de Oliveira Claramunt, de quem era esperado que só fizesse a demolição de umas quantas reputações. A outra, o interrogatório ao polêmico Daniel Dantas, controlador do grupo Opportunity, que os petistas esperavam corroer até o último osso.
A CPI dos Bingos marcou um grande tento em relação à dos Correios e à do Mensalão, ao convocar Claramunt, mais conhecido como Toninho da Barcelona (da Barcelona Turismo, sua empresa). Foi o mais valioso depoimento desde as revelações iniciais e, dadas as suas circunstâncias pessoais, o mais corajoso. O que explica e comprova o persistente e suado empenho dos deputados e dos senadores do PT para impedir a convocação de Claramunt nas duas outras CPIs.
Esse depoimento teve duas partes, das quais a de maior relevância foi em sessão reservada, cujo teor os parlamentares estão teoricamente impedidos de divulgar. Mesmo a parte aberta, porém, foi suficiente para estabelecer em definitivo uma certeza e, a ela conexa, uma estranheza. Os tais empréstimos tomados ao Banco Rural, para Marcos Valério abastecer as distribuições financeiras do PT, não são a fonte real e completa da fortuna partilhada por Delúbio Soares.
Pelas operações que Claramunt revelou, já na parte pública do depoimento, não há dúvida de que operações ilegais em dólares foram feitas desde o decorrer da campanha presidencial em 2002. De duas maneiras. Pela troca de grandes quantidades de dólares por reais, em São Paulo, e por uma operação triangular: dólares de uma conta no exterior eram transferidos para a conta, lá também, de um doleiro, que aqui os pagava em reais. Operações assim são comuns, mas Claramunt fez, às vezes até definindo a época, a ligação com os condutos de dinheiro político ilegal. Mais uma razão, nisso tudo, para estranhar-se que até hoje as CPIs não tenham esmiuçado as contas do Real para verificar a saída, ou não, dos R$ 55 milhões reconhecidos nas operações Valério-Delúbio.
Já Daniel Dantas, que tem a peculiaridade de reunir a maior coleção nacional de inimigos, inclusive na mídia, confirmou essa especialidade mas, desta vez, de maneira original: calado e quieto como simples espectador, deu motivo a uma brigalhada que deveria terminar, se houvesse alguma preocupação com a compostura na Câmara, pela entrega imediata de um punhado de congressistas à Comissão de Ética. Para rápida expulsão do Congresso por falta de decoro parlamentar e de respeitabilidade pessoal - medida prevista, para tais casos de desordeiros, nos regimentos do Senado e da Câmara.
Entre as importantes explanações que começou sem jamais desenvolver, porque interrompido pelos parlamentares interessados em politicagem e não em informações, ainda assim Daniel Dantas proporcionou um rascunho desse mundo desconhecido, de métodos pesadamente próprios, que é dos negócios bilionários. E deu os elementos de uma certeza que tantos se esforçam por negar: a interferência do governo, em particular de Luiz Gushiken, nas transações dos fundos de pensão das estatais com seus tantos bilhões.
O material proporcionado pelos depoimentos de Antonio Claramunt e Daniel Dantas poderia resultar, por si só, em escândalo de proporções ainda maiores que o atual. E, de quebra, ainda se teve o retorno à inacabada CPI do Banestado, com a admirável iniciativa do senador Pedro Simon de que se retomem as suas conclusões que o PT e o PSDB enfurnaram, para proteger gente sua.


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