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SABATINA FOLHA
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
"Jornalistas são arrogantes e não querem ser melhorados"
Ombudsman da Folha atribui erros do jornal a pressa, preguiça e ignorância
NONO OMBUDSMAN da Folha e há 18
meses no cargo, Carlos Eduardo Lins
da Silva, 56, afirma que os jornais e
jornalistas são arrogantes, prepotentes e não aceitam contestações. "Não gostam de
ouvir críticas, em nenhuma hipótese, e não querem ser melhorados", disse o jornalista, sabatinado ontem durante duas horas em São Paulo por quatro entrevistadores: o colunista da Folha
Marcelo Coelho, as jornalistas Eleonora Gosman,
correspondente do jornal argentino "Clarín", e
Verónica Goyzueta, correspondente do espanhol
"ABC", e Eugênio Bucci, professor da ECA-USP e
colaborador de "O Estado de S. Paulo".
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante o evento, realizado
para lembrar os 20 anos da
criação desse cargo no jornal,
Lins da Silva falou sobre o dia a
dia da atividade, sua independência em relação à Direção do
jornal e à Redação, apontou erros da Folha e defendeu a criação de mecanismos de autorregulamentação pelos veículos
de comunicação. "Ou os jornais
se autorregulam para melhorar
ou eles vão ser regulados por
alguém, e vai ser muito pior para todo mundo."
Cerca de 90 pessoas acompanharam a sabatina no Teatro
Folha, em São Paulo.
FHC x Lula
"Muitos leitores acham que a
Folha foi mais condescendente
com o governo Fernando Henrique Cardoso do que com o governo Lula. Essa é uma resposta que só pode ser dada por
meio de um trabalho acadêmico, científico, metodologicamente e comprovadamente
constatado. Fica-se muito no
terreno das impressões. [...] Na
minha impressão, a Folha era
muito dura com o presidente
Fernando Henrique também.
Ele tinha sido colunista da Folha durante muitos anos antes
de se tornar presidente. [...]
Quando deixou a Presidência,
tinha tanto ressentimento em
relação à Folha que foi ser colunista do "O Estado de S. Paulo"."
Credibilidade
"O que mais fere a credibilidade do jornal não é o tipo de
crítica que ele recebe, mas o tipo de erro que comete. Se o jornal comete erros graves, a sua
credibilidade paga. As críticas
não são tão importantes quando são dirigidas por questões
ideológicas ou por condicionamentos partidários. Parece-me
que é muito pequeno o impacto
desse tipo de crítica sobre a credibilidade do jornal no conjunto da sociedade. Mas quando o
jornal comete erros graves, que
podem ser imputados a posicionamentos ideológicos, acho
que a credibilidade se fere."
Dilma
No caso do dossiê [da ministra] Dilma [Rousseff] fiz sugestões muitos concretas. Foi um
caso polêmico, muito controvertido e nenhuma delas foi
atendida. [Foi a situação] da reprodução de uma suposta ficha
da ministra Dilma do período
em que ela era militante de um
movimento revolucionário no
regime militar. Essa foto foi publicada na primeira página da
Folha como se fosse verdadeira. Depois a Folha disse que não
tinha como provar que era verdadeira, mas também não tinha
como provar que era falsa. [...]
Na minha opinião, é um dos
dois erros mais graves que a
Folha cometeu ao longo desses
18 meses.
Gripe
O outro [erro], mais grave
ainda, é o da gripe A (H1N1). Há
exatamente dois meses, a Folha, em chamada de primeira
página, disse: "Em dois meses,
trinta e tantos milhões de brasileiros devem estar infectados
e 4,4 milhões devem estar internados". Isso baseado em um
modelo matemático que não
era alimentado por dados a respeito dessa gripe, mas sim de
outras gripes do passado. Esse
acho que esse foi o erro mais
grave que a Folha cometeu
nesse meu período [como ombudsman]".
Pressa e preguiça
"80% dos erros que saem no
jornal podem ser atribuídos a
três fatores: pressa, preguiça e
ignorância. E acho que isso não
tem muito como mudar, a não
ser com um controle firme do
comando da Redação."
Autorregulamentação
"Os jornais, a imprensa, os
jornalistas são arrogantes, prepotentes, não gostam de ouvir
críticas em nenhuma hipótese
e não querem ser melhorados.
Se a imprensa não se autorregular, ela vai ser regulada por
alguém e será pior para ela.
Por que o ombudsman, que é
uma forma modesta de autorregulação, não se dissemina no
país e no mundo? Porque os
jornais e a imprensa não gostam de ser reguladas nem por si
próprias. A autorregulação é
uma premência para a liberdade de imprensa.
Futuro do impresso
"Não tenho dúvida de que
sim [que o jornal impresso sobreviverá na era on-line]. Acho
que todos esses apocalípticos
que já marcaram a data de
quando o último jornal impresso irá circular estão errados, assim como todos os que diziam
que o rádio ia acabar quando a
TV chegasse estavam errados,
assim como os que diziam que a
TV ia acabar quando a internet
chegasse estavam errados.
Os meios vão se adaptando,
mudam de papel e de nicho no
mercado. É claro que o rádio
hoje não é o mesmo da Rádio
Nacional, quando todo mundo
se sentava ao lado do aparelho
para ouvir o Francisco Alves.
Mas o rádio hoje vive seus melhores momentos, encontrou
seu nicho, que é o rádio no carro, o rádio em casa, de manhã.
O jornal impresso também
vai encontrar o seu nicho. [...] O
importante é que o jornal sobreviva. Porque a gente corre o
risco de viver numa sociedade
em que os fatos não têm mais
importância, só as opiniões têm
importância."
Novo projeto
"O modelo que a Folha adotou em 1984 não é mais o de
hoje. O papel do jornal impresso mudou completamente nesses anos. O que a Folha precisa
é de um novo projeto para o século 21, que priorize a profundidade, a complexidade do tema, que concorra com a mídia
eletrônica, com análise, profundidade e autonomia na investigação.
Não vejo mais nenhum sentido em o jornal sair com manchetes, 23 horas depois de o fato ter acontecido, para "informar" ao leitor que o avião da Air France caiu. [...] Teve o caso da
morte do Michael Jackson. A
morte dele não deveria ter sido
manchete para um jornal como
a Folha. Foi um erro. [...] Acho
que o jornal está num momento de indefinição e de incerteza
em relação a seu futuro e titubeia às vezes naquilo que ele é."
Ombudsman
"Muita gente não entende,
de fato, qual é a função do ombudsman. Muitas vezes recebo
mensagem de leitor, com críticas à Folha, que termina assim: "Com a palavra, o representante da Folha". Não sou representante da Folha, sou representante do leitor. Eu nunca falo em nome do jornal, não
posso. Mas ser representante
do leitor não significa que eu
tenha de ser adversário do jornal, como muitos me cobram,
porque o leitor não é inimigo
do jornal."
Distância
"Minha relação com a Redação é muito distante. Eu não
trabalho na Redação, e esse é
um dos pontos importantes da
condição de ombudsman, para
não ser objeto da pressão diária
dos colegas. Trabalho, a maior
parte do tempo, na minha casa.
Vou à Folha duas vezes por semana para atender leitores ou
fontes que querem falar comigo. Portanto, a pressão que eu
sinto da Redação é pequena."
Independência financeira
"Também concordo que, em
princípio, pelo menos, os governos não deveriam anunciar,
pagando. Acho que eles podem
pedir a colaboração dos veículos, em situações como campanhas de vacinação, de calamidade pública e assim por diante. Esse é um problema concreto, que ameaça menos as grandes empresas do que as pequenas. Mas acho que a mesma situação ocorre quando um veículo fica dependente de poucos
anunciantes particulares, porque os particulares também
podem exercer o mesmo tipo
de pressão. A situação ideal é
ter uma diversificação de fontes de receita bastante grande,
de modo que não dependa de
um ou dois anunciantes, sejam
eles públicos ou privados."
Diploma
"O diploma eu sempre achei
que é uma falsa questão. Não há
necessidade de uma formação
de quatro anos em escola superior para alguém ser jornalista,
é totalmente irrelevante."
Assista ao vídeo da
sabatina
www.folha.com.br/092591
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