São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

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IMPRENSA

Governador do Paraná, que dissera "nunca" ter adotado prática de antecessor, Lerner, fez o mesmo no 1º mandato

Requião pagou por "reportagens" no Paraná

MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

O governo do Paraná pagou pela publicação de "reportagens" em seis dos principais jornais do Estado em 1991, no primeiro mandato do atual governador, Roberto Requião (PMDB), de acordo com cópias de documentos que tiveram a autenticidade conferida pela Agência Folha.
Foram notícias relacionadas ao governo, com viés positivo, sem que o leitor fosse informado de que se tratavam de "reportagens" pagas. Tal prática não é ilegal, mas os jornais são proibidos de agir assim de acordo com o código de ética da ANJ (Associação Nacional dos Jornais).
Em 2 de setembro do ano passado, a Folha publicou reportagem relatando que, em 2002, na gestão de Jaime Lerner (então no PFL, hoje no PSB), o governo do Paraná gastou R$ 6,418 milhões com a compra de "reportagens" em 76 veículos de comunicação (68 jornais, 6 revistas e 2 colunas).
A reportagem provocou a abertura de dois procedimentos no Ministério Público do Paraná, para investigação do assunto.
Indagado na época sobre o assunto, o governador Requião negou usar "matérias" pagas em seus dois mandatos no Paraná. "Eu nunca fiz isso", disse. A reportagem solicitou entrevistas com o governador sobre a publicidade no seu primeiro mandato, mas sua assessoria não viabilizou nenhum contato.

Auditoria
As cópias de documentos a que a Agência Folha teve acesso foram destacadas de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado em 1993, sobre os gastos com publicidade no ano de estréia de Requião como governador.
Em meio aos comprovantes de gastos apresentados aos auditores pela Comunicação Social de Requião, há textos de aparente cunho jornalístico veiculados nos jornais "Gazeta do Povo", "Diário Popular", "Correio de Notícias", "Jornal do Estado", "O Estado do Paraná" e "Folha de Londrina".
No caso da "Gazeta do Povo", a auditoria aponta que o governo pagou à empresa do principal colunista do jornal, Dino Almeida, morto em abril de 2001.
Vários jornais com sede no interior do Estado, além da "Folha de Londrina", também receberam recursos dessa forma do primeiro governo de Requião, segundo notas fiscais e comprovantes de empenho anexados ao relatório final da auditoria do TCE.
O material fez parte de uma lista de dezenas de irregularidades na publicidade atribuídas à administração de Requião usadas em uma ação iniciada em 1995 na Justiça Eleitoral com o objetivo de cassar o mandato de senador -Requião ocupou o cargo de 1995 a 2002.
De acordo com a acusação -feita por um adversário político de Requião na disputa por uma vaga no Senado em 1994, o ex-deputado Hélio Duque (PSDB)-, Requião se valeu do cargo de governador para bancar propaganda em jornais contra o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia (PMDB), numa disputa pelo comando do PMDB nacional.
O processo acabou em maio do ano passado. O Tribunal Superior Eleitoral determinou ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná seu arquivamento "por perda de objeto". Requião cumpriu o mandato de senador e já não haveria razão para o caso prosseguir, segundo concluiu o TSE.
O empenho nº 343 da Secretaria de Comunicação Social de Requião, analisado pelos auditores do TCE, indica que o jornal "Correio de Notícias" recebeu, em julho de 1991, Cr$ 8 milhões (a moeda da época era o cruzeiro), o equivalente hoje a R$ 75 mil, por seis matérias pagas publicadas no mês anterior.
Uma consulta da Agência Folha aos arquivos da Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, constatou que cinco, dos seis títulos relacionados, foram as manchetes (principal destaque da capa) das edições da primeira semana de junho do jornal. O sexto título teve um destaque menor na primeira página da publicação.
Parte das "reportagens" pagas chegou aos jornais por intermédio de agências de publicidade, que receberam a comissão de praxe pela intermediação, mesmo sem produzir os textos e ilustrações. Naquele ano, as agências contratadas prestaram serviço sem passar por licitação. A ausência dessa formalidade legal foi destacada na auditoria do TCE, mas o tribunal não estimulou a desaprovação das contas daquele ano pela Assembléia Legislativa.
Nos casos analisados, há notas fiscais de pagamentos atribuídos ao final da gestão do antecessor de Requião, Alvaro Dias (que governou pelo PMDB e hoje está no PSDB). Requião era o candidato de Dias, que lhe deu posse em março de 1991.

Incêndio
A Agência Folha não conseguiu apurar quanto o primeiro governo de Roberto Requião gastou com a publicidade oficial. A Inspetoria Geral de Controle do TCE informou que não seria possível fornecer o dado.
O presidente do TCE, Henrique Naigeboren, foi procurado para entrevistas por duas vezes, mas não atendeu à Agência Folha. Naigeboren é cunhado de Jaime Lerner e foi indicado pelo ex-governador para o cargo de conselheiro, que é vitalício.
A Assembléia Legislativa também não forneceu o dado. O diretor legislativo Severo Sotto Maior disse que o incêndio de setembro de 1994, que consumiu o quarto e o quinto andares do prédio, queimou a biblioteca e os arquivos da Casa. O secretário da Comunicação Social do governo, Airton Pissetti, disse que os documentos estariam no TCE.


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