São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESQUERDA NO DIVÃ

Do Fome Zero à rendição econômica, governo petista vai ocupar o centro das discussões em Porto Alegre

Dividido, Fórum Social critica e assimila Lula

RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO

Dois anos depois do início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Fórum Social Mundial volta ao Brasil polarizado pelo petista. De um lado, ONGs brasileiras e estrangeiras organizam eventos e palestras relacionados à sua principal bandeira social, o combate à fome. De outro, movimentos sociais e sindicais farão balanços críticos da gestão Lula.
Sob títulos como "Segurança e Soberania Alimentar x Acordos Comerciais", "Segurança Alimentar entre Indígenas e Quilombolas" e "Desenvolvimento da Agricultura Familiar: garantindo a Soberania Alimentar", o combate à fome ganha espaço na esquerda internacional e no fórum impulsionado por Lula, avalia Oded Grajew, integrante do Conselho Internacional do encontro e um de seus idealizadores.
"Essa é uma bandeira do governo Lula que ganhou o mundo e foi colocada na agenda mundial", declarou Grajew.
Ao mesmo tempo, a partir da quarta-feira que vem até a segunda seguinte, quando a reunião que nasceu como contraponto ao Fórum Econômico Mundial e à globalização acontece em Porto Alegre (RS), também serão debatidos temas como "As Reformas Neoliberais do Governo Lula", "O Governo Lula e o Rumo das Esquerdas" e "Dois Anos de Lula: onde estávamos, onde estamos e para onde vamos".
O tom das palestras e eventos promete ser claramente distinto do clima vivido em 2003 (em 2004, o Fórum aconteceu na Índia, e a política brasileira perdeu centralidade nas discussões), quando o encontro se deu menos de um mês após a posse. Embora já houvesse clareza sobre a linha ortodoxa da política econômica, uma parte maior da esquerda acreditava à época na possibilidade de mudança de rumos.
Para o economista Plínio de Arruda Sampaio Jr., que participará na capital gaúcha de um debate sobre a administração petista, "o fórum de 2003 foi muito influenciado pela vitória de Lula", o que gerou, ele diz, boa dose de esperança e também de "ilusão".
"Passados dois anos, esse é um fórum mais cindido. Esse é o fórum da desilusão", declara.
Essa cisão, ele diz, manifesta-se numa "versão" do fórum com uma pauta mais próxima ao governo e noutra, mais crítica.
"A organização sempre foi muito tensionada por essa disputa entre governo e crítica do governo", diz o economista.
Já Grajew afirma que a crítica e o balanço da administração petista são "fundamentais" e que o Comitê Organizador não interfere na seleção de palestras e debates, propostos independentemente pelas diferentes organizações e pelos movimentos sociais.
"A única seleção segue a nossa carta de princípios -não há evento de governo nem a presença de organizações de forças armadas", ele diz.
Mesmo entre os debates ligados à bandeira social de Lula, no entanto, alguma crítica é esperada. Vilmar Schneider, coordenador para a América do Sul da ONG Foodfirst Information & Action Network, que participará em Porto Alegre de encontros sobre segurança alimentar, elogia a iniciativa do Fome Zero, mas diz que Lula criou expectativas na esquerda mundial que ainda não foram concretizadas.
Para ele, não há dúvida de que existe um problema de fome no país, apesar da recente pesquisa do IBGE que mostrou apenas 4% de pessoas adultas abaixo do peso ideal no Brasil, e que só os programas assistenciais não serão suficientes para sanar a questão.
Schneider afirma que a política econômica tende a ampliar a fome no país. "O Fome Zero responde a um aspecto desse direito à alimentação para pessoas em situação de fome, mas o Estado não deveria se limitar a isso", diz.


Texto Anterior: Reforma sem fim: Ida de Ciro ao PMDB enfrenta resistências
Próximo Texto: Organização espera até 2 mil voluntários
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.