São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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ESQUERDA NO DIVÃ

Para jornalista francês Ignácio Ramonet, Lula é influenciado pelos debates do evento, mas vai enfrentar críticas

PT no poder traduz e frustra ideais do fórum

SILVIO NAVARRO
DA AGÊNCIA FOLHA

Um dos mais esperados expositores da quinta edição do Fórum Social Mundial, do qual foi um dos idealizadores em 2001, o jornalista e escritor franco-espanhol Ignácio Ramonet, 62, prevê que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará duras críticas neste ano, em Porto Alegre (RS).
"Indiscutivelmente haverá análises críticas sobre o que se tem conseguido no Brasil. E o próprio presidente vai ao fórum e deverá responder", afirma.
Na capital gaúcha, o diretor do jornal francês "Le Monde Diplomatique" participará de debates sobre a crise financeira que atinge a imprensa mundial.
Antes de embarcar para o Brasil, Ramonet falou à Folha, por telefone, de seu escritório, em Paris. Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - Desde 2003 o sr. vem dizendo que o Fórum Social Mundial vive um momento especial, após a eleição de partidos de esquerda. É possível notar a influência dos debates promovidos pelo fórum nesses governos?
Ignácio Ramonet
- Temos visto em alguns governos, particularmente no de Lula e Chávez [Hugo, presidente da Venezuela], talvez três, no de Kirchner [Néstor, presidente da Argentina], que eles utilizam idéias debatidas no Fórum Social Mundial, e proporcionado avanços. Talvez avanços limitados, insuficientes, mas em boa direção, especialmente nos âmbitos econômico, financeiro e social. Em conseqüência, vimos que é possível fazer uma política diferente, no auge da globalização. Não é fácil, mas é possível.

Folha - O sr. pode dar um exemplo de um projeto que nasceu do fórum?
Ramonet
- Por exemplo, a iniciativa do presidente Lula de criar uma taxa internacional [imposto internacional para ajudar no combate contra a fome]. É uma iniciativa que traduz as idéias do fórum e que tem alcance internacional. Recebeu apoio do presidente Lagos [Ricardo, do Chile], Chirac [Jacques, da França] e Zapatero [José Luís, primeiro-ministro espanhol] e hoje tem o respaldo de mais de cem países. Mais da metade da humanidade apóia a iniciativa de Lula.

Folha - Ao completar dois anos, o governo de Lula é criticado por alguns setores da esquerda e segmentos dentro do seu próprio partido em relação às políticas sociais. O sr. acha que haverá críticas mais duras neste ano?
Ramonet
- No fórum há de tudo. E em conseqüência haverá críticas mais severas sobre as políticas de Lula. Mas também haverá intervenções que expliquem que uma coisa é sonhar e outra é poder realizar. No entanto, indiscutivelmente, haverá análises críticas sobre o que se tem conseguido no Brasil. E o próprio presidente vai ao fórum e deverá responder.

Folha - Como o sr. vê a relação do governo Lula com a imprensa brasileira e a discussão sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo, que não passou no Congresso?
Ramonet
- Em vários países, como França e Suécia, há leis que limitam o uso dos meios de comunicação. Qualquer que seja o país, sempre soa preocupante que um governo insira algo em matéria de limitação dos direitos de expressão. Em conseqüência, sempre que um governo cria uma lei, que seja com as melhores intenções, gera protestos por parte da profissão e, segundo, por parte da opinião pública que teme que seja uma forma de censura. Mas repito que países indiscutivelmente democráticos, como França e Espanha, têm leis que pontuam um pouco as possibilidades de se expressar. Nem tudo é permitido.

Folha - O governo se desgastou com o episódio da expulsão do jornalista do "New York Times" Larry Rohter?
Ramonet
- É um caso particular e não se pode fazer uma leitura política, se tratando de um jornal influente em questões políticas. Não se pode descartar a possibilidade de tentar desacreditar o presidente brasileiro. Trata-se de um presidente de esquerda, com um projeto de transformação pacífica e democrática da sociedade, e isso poderia desencadear preocupações aos EUA. Creio que a imprensa brasileira, sempre tão crítica, nunca falou sobre o gosto do presidente pela bebida. Por isso não creio que seja verdade. Foi uma situação que, por um lado, se pode interpretar como manipulação. Por outro, também notamos o fato de que os jornalistas, hoje, às vezes amparados no direito à liberdade de expressão, podem dizer qualquer coisa.

Folha - Como o sr. avalia a cobertura jornalística da Guerra do Iraque e algumas críticas à ação do presidente George W. Bush?
Ramonet
- Durante a Guerra do Iraque o próprio "NYT" difundia a idéia, repetida pelo governo americano, de que havia armas de destruição em massa lá e isso não houve jamais. No Iraque, havia milhares de jornalistas e nenhum conseguiu revelar a situação vergonhosa das torturas e maus-tratos aos prisioneiros. O fato foi divulgado somente porque os próprios soldados difundiram as fotografias. Estamos num sistema em que, às vezes, os próprios fanáticos têm mais impacto pela informação que procuram que os próprios profissionais.

Folha - Neste ano, o presidente Hugo Chávez vem ao fórum em meio a uma polêmica com o colega colombiano Álvaro Uribe. A desavença entre os dois chefes de Estado terá repercussão no fórum?
Ramonet
- O que aconteceu com Granda [Rodrigo, "chanceler" das Farc] foi extremamente grave, um fato que quase faz lembrar a Operação Condor. Todos sabem que ele pertence às Farc, mas é, digamos, um diplomático. É fato que foi raptado na Venezuela e forças oficiais colombianas pagaram pelo rapto. Não acho que seja uma boa maneira de manter relações construtivas.

Folha - O sr. aprova a mediação de Lula nessa discussão?
Ramonet
- É positivo que o presidente Lula tenha se oferecido como mediador.


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