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ESQUERDA NO DIVÃ
Para jornalista francês Ignácio Ramonet, Lula é influenciado pelos debates do evento, mas vai enfrentar críticas
PT no poder traduz e frustra ideais do fórum
SILVIO NAVARRO
DA AGÊNCIA FOLHA
Um dos mais esperados expositores da quinta edição do Fórum
Social Mundial, do qual foi um
dos idealizadores em 2001, o jornalista e escritor franco-espanhol
Ignácio Ramonet, 62, prevê que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará duras críticas neste
ano, em Porto Alegre (RS).
"Indiscutivelmente haverá análises críticas sobre o que se tem
conseguido no Brasil. E o próprio
presidente vai ao fórum e deverá
responder", afirma.
Na capital gaúcha, o diretor do
jornal francês "Le Monde Diplomatique" participará de debates
sobre a crise financeira que atinge
a imprensa mundial.
Antes de embarcar para o Brasil, Ramonet falou à Folha, por telefone, de seu escritório, em Paris.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Desde 2003 o sr. vem dizendo que o Fórum Social Mundial
vive um momento especial, após a
eleição de partidos de esquerda. É
possível notar a influência dos debates promovidos pelo fórum nesses governos?
Ignácio Ramonet - Temos visto
em alguns governos, particularmente no de Lula e Chávez [Hugo, presidente da Venezuela], talvez três, no de Kirchner [Néstor,
presidente da Argentina], que eles
utilizam idéias debatidas no Fórum Social Mundial, e proporcionado avanços. Talvez avanços limitados, insuficientes, mas em
boa direção, especialmente nos
âmbitos econômico, financeiro e
social. Em conseqüência, vimos
que é possível fazer uma política
diferente, no auge da globalização. Não é fácil, mas é possível.
Folha - O sr. pode dar um exemplo de um projeto que nasceu do
fórum?
Ramonet - Por exemplo, a iniciativa do presidente Lula de criar
uma taxa internacional [imposto
internacional para ajudar no
combate contra a fome]. É uma
iniciativa que traduz as idéias do
fórum e que tem alcance internacional. Recebeu apoio do presidente Lagos [Ricardo, do Chile],
Chirac [Jacques, da França] e Zapatero [José Luís, primeiro-ministro espanhol] e hoje tem o respaldo de mais de cem países. Mais
da metade da humanidade apóia
a iniciativa de Lula.
Folha - Ao completar dois anos, o
governo de Lula é criticado por alguns setores da esquerda e segmentos dentro do seu próprio partido em relação às políticas sociais.
O sr. acha que haverá críticas mais
duras neste ano?
Ramonet - No fórum há de tudo.
E em conseqüência haverá críticas mais severas sobre as políticas
de Lula. Mas também haverá intervenções que expliquem que
uma coisa é sonhar e outra é poder realizar. No entanto, indiscutivelmente, haverá análises críticas sobre o que se tem conseguido
no Brasil. E o próprio presidente
vai ao fórum e deverá responder.
Folha - Como o sr. vê a relação do
governo Lula com a imprensa brasileira e a discussão sobre a criação
do Conselho Federal de Jornalismo,
que não passou no Congresso?
Ramonet - Em vários países, como França e Suécia, há leis que limitam o uso dos meios de comunicação. Qualquer que seja o país,
sempre soa preocupante que um
governo insira algo em matéria de
limitação dos direitos de expressão. Em conseqüência, sempre
que um governo cria uma lei, que
seja com as melhores intenções,
gera protestos por parte da profissão e, segundo, por parte da opinião pública que teme que seja
uma forma de censura. Mas repito que países indiscutivelmente
democráticos, como França e Espanha, têm leis que pontuam um
pouco as possibilidades de se expressar. Nem tudo é permitido.
Folha - O governo se desgastou
com o episódio da expulsão do jornalista do "New York Times" Larry
Rohter?
Ramonet - É um caso particular
e não se pode fazer uma leitura
política, se tratando de um jornal
influente em questões políticas.
Não se pode descartar a possibilidade de tentar desacreditar o presidente brasileiro. Trata-se de um
presidente de esquerda, com um
projeto de transformação pacífica
e democrática da sociedade, e isso
poderia desencadear preocupações aos EUA. Creio que a imprensa brasileira, sempre tão crítica, nunca falou sobre o gosto do
presidente pela bebida. Por isso
não creio que seja verdade. Foi
uma situação que, por um lado, se
pode interpretar como manipulação. Por outro, também notamos
o fato de que os jornalistas, hoje,
às vezes amparados no direito à liberdade de expressão, podem dizer qualquer coisa.
Folha - Como o sr. avalia a cobertura jornalística da Guerra do Iraque e algumas críticas à ação do
presidente George W. Bush?
Ramonet - Durante a Guerra do
Iraque o próprio "NYT" difundia
a idéia, repetida pelo governo
americano, de que havia armas de
destruição em massa lá e isso não
houve jamais. No Iraque, havia
milhares de jornalistas e nenhum
conseguiu revelar a situação vergonhosa das torturas e maus-tratos aos prisioneiros. O fato foi divulgado somente porque os próprios soldados difundiram as fotografias. Estamos num sistema
em que, às vezes, os próprios fanáticos têm mais impacto pela informação que procuram que os
próprios profissionais.
Folha - Neste ano, o presidente
Hugo Chávez vem ao fórum em
meio a uma polêmica com o colega
colombiano Álvaro Uribe. A desavença entre os dois chefes de Estado terá repercussão no fórum?
Ramonet - O que aconteceu com
Granda [Rodrigo, "chanceler"
das Farc] foi extremamente grave,
um fato que quase faz lembrar a
Operação Condor. Todos sabem
que ele pertence às Farc, mas é, digamos, um diplomático. É fato
que foi raptado na Venezuela e
forças oficiais colombianas pagaram pelo rapto. Não acho que seja
uma boa maneira de manter relações construtivas.
Folha - O sr. aprova a mediação
de Lula nessa discussão?
Ramonet - É positivo que o presidente Lula tenha se oferecido
como mediador.
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