São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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ELIO GASPARI

Se o PT morrer, viva o pt

O massacre da diretoria da Embrapa mostra que o mandato de Lula entrou na sua segunda metade. Na primeira o companheiro aparelhou a máquina do Estado, travando-a. Na segunda, prossegue o expurgo iniciado no último trimestre de 2004. Antes do remanejamento da Embrapa foram para o espaço o presidente do BNDES, Carlos Lessa (um lulista de coração), o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Gastão Wagner, e sua similar da Fome, Ana Fonseca.
É significativa a ênfase com que se informa que Silvio Crestana, o sucessor de Clayton Campanhola na Embrapa, não é do PT. O que era condição passou a ser estorvo. Da mesma forma, é significativo o esperneio do PT maranhense contra a ascensão de Roseana Sarney ao ministério.
Há um PT sobrando e outro, novo (nem por isso melhor), mostrando vigor e determinação. Ele pode ser percebido na vitalidade da candidatura do deputado Virgílio Guimarães à presidência da Câmara. É um PT que conhece também as minúcias da Comissão de Orçamento e as relações com fornecedores do governo. Seria injusto dizer que esse PT encanta as empreiteiras. Graças às PPPs elas se aninharam junto ao altíssimo clero do governo.
É possível que a mudança da Embrapa tenha ocorrido para o bem de todos e felicidade geral da agricultura brasileira. Nesse caso, o erro teria sido aparelhá-la.
Ana Fonseca e Gastão Wagner deixaram os ministérios da Fome e da Saúde, mas não há notícia de melhora do desempenho dos companheiros Patrus Ananias e Humberto Costa. Continuam desastrosos.

Boca livre
Dificuldades para planejar suas férias? Procure a PhArma, entidade que congrega os grandes laboratórios americanos. Ela está arrebanhando um grupo de parlamentares brasileiros para um seminário sobre patentes na Universidade de Georgetown. O roteiro levará o grupo a diversas cidades, inclusive Nova York. Entre os patrocinadores do programa estão os laboratórios Merck, Pfizer e Johnson. Inicialmente, só estão incluídos nessa boca-livre oito ou dez parlamentares. Nenhum deles está convidado para falar no seminário de Georgetown. CPI vai, CPI vem, os laboratórios não aprendem a defender seus interesses sem se meter nesse tipo de romance. Como Deus é global, o Merck, o Pfizer e o Johnson deveriam oferecer a pelo menos dez eleitores (e clientes) brasileiros uma boca-livre semelhante à que dão aos eleitos.

Cadeado
A liderança do PT na Câmara fez saber aos comissários do Planalto que, no quadro de hoje, a medida provisória 232 não passa. Ela aumenta de 32% para 40% a carga tributária de milhares de empresas de serviços.

A vez dos EUA
A ekipekonômica obteve de Lula uma atitude de distância no caso da renegociação da dívida argentina. O companheiro negou a Kirchner até mesmo um apoio condicional, como o que o presidente francês Jacques Chirac ofereceu na semana passada. Tudo bem, porque o Brasil agradou ao FMI e aos americanos. A banca gostaria muito que Lula condenasse a proposta argentina durante a reunião de Davos. Os aprendizes de feiticeiro correm o risco de ver os americanos atraindo o governo de Néstor Kirchner para a negociação da Alca, isolando o Brasil. Como dizia o presidente Calvin Coolidge (1923-1929): "O negócio dos Estados Unidos são os negócios".

Um ou três
O comissário José Genoino tem sido leal ao deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, candidato do PT à presidência da Câmara, mas na semana passada disse o seguinte: "O PT não terá dois candidatos e não existe possibilidade de recuo da decisão da bancada. Vamos manter o apoio a Greenhalgh para o que der e vier". De duas, uma: 1) Genoino não quis dizer nada; 2) Genoino ainda acredita que Virgílio Guimarães retire sua candidatura; 3) Genoino insinua que Virgílio poderá ser desligado do PT. Fora isso, só se no dia da votação o candidato do PT for só um, mas nenhum dos dois.

Grande doido
Hugo Chávez pode ser doido, mas o Brasil já precisou de um maluco como ele. Os colombianos seqüestraram um cidadão em território venezuelano e Chávez chutou o pau da barraca. Pois em 1978, durante o governo do general Ernesto Geisel, uma patrulha da polícia uruguaia invadiu e ocupou o apartamento de um casal de militantes de um pequeno partido esquerdista, em Porto Alegre. Manteve os dois (e duas crianças) presos no apartamento, como iscas, esperando que outros militantes os procurassem. Os uruguaios trabalharam com apoio material e pessoal do Dops gaúcho e da Polícia Federal. O casal (Lilian Celiberti e Universindo Diaz) foi levado para Montevidéu. Gramaram cinco anos de prisão, e ela ficou incomunicável por quatro meses. O governo brasileiro fingiu que não viu. Se não fosse a gritaria de Raymundo Faoro, presidente da OAB, o caso teria passado despercebido. Geisel foi substituído pelo general João Figueiredo e jamais se admitiu que a polícia uruguaia invadiu o território brasileiro para praticar um seqüestro. Hoje, Celiberti é uma destacada militante feminista no Uruguai.

Internet cara é coisa de pobre

Quando a competição funciona, o capitalismo vive melhor. Dentro de poucos anos (dois, no máximo) algumas cidades americanas e européias terão custos de acesso à internet menores que as brasileiras. Filadélfia (5 milhões de habitantes) promete cobrir toda sua área pública urbana com uma rede de acesso grátis, veloz e sem fio. O sujeito senta na praça em frente ao sino que em 1776 chamou o povo para ouvir a Declaração da Independência, liga seu computador e acha esta coluna na rede, sem desembolsar um ceitil. Os escritórios e residências continuarão pagando a tarifa da banda larga, e a prefeitura promete um serviço a custo zero para quem precisa de ajuda.
As redes de internet sem fio já funcionam em cerca de 20 cidades americanas. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, quer cobrir toda a cidade. São Francisco também. Do outro lado do Atlântico, Bruxelas deverá ser a primeira capital européia a oferecer a mesma facilidade. Na Califórnia, a empresa SBC cobrará dos seus clientes US$ 2 adicionais por mês pelas conexões de rua, sem limite de tempo. Atenderá até nas barracas de camping dos 85 parques públicos do Estado.
Em Filadélfia a rede custará entre US$ 7 milhões e US$ 10 milhões, cerca de US$ 30 mil por quilômetro quadrado. De onde virá esse dinheiro? De uma Parceria Público-Privada. Em vez de sair por aí vendendo concessões de serviços velhos, a PPP dos capitalistas de verdade estabelece-se em cima de um serviço inovador, que contraria os interesses estabelecidos dos concessionários. É a tal "destruição criativa". A Verizon, que opera em Filadélfia, aderiu ao projeto.
Uma cidade coberta pela internet sem fio poderá arquivar boa parte da sua infra-estrutura telefônica. Isso porque a comunicação de voz pela rede fará brutal concorrência aos sistemas conhecidos hoje. É a tal "voz sobre IP", do qual os concessionários de telefonia brasileiros não gostam nem de ouvir falar.
O governo de Lula conseguiu um avanço ao negociar uma tarifa para microempresas e famílias sem recursos. As operadoras cobrarão R$ 5 por 15 horas mensais de conexão. É pouco tempo, mas é muita coisa. Indica a vontade de tirar o pé do Brasil da lama.


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