São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2004

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REGIME MILITAR

Para brasilianista, que está no país, a linha dura do segundo presidente do período durou ao menos dez anos

Costa e Silva simboliza ditadura, diz Skidmore

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

Se a ditadura militar brasileira tivesse um rosto, seria o do general e ex-presidente Arthur da Costa e Silva, segundo o historiador e brasilianista Thomas Skidmore, 71, professor de Estudos Brasileiros da Brown University (EUA).
De acordo com ele, Costa e Silva foi o símbolo da chamada linha dura, que derrotou os aliados do primeiro presidente do regime, Humberto Castello Branco, que pretendia devolver o país aos civis em 1965. Em seu governo, de 1967 a 1969, Costa e Silva decretou a principal peça do arcabouço institucional da ditadura, o AI-5 (Ato Institucional nš 5), e possibilitou que suas idéias alimentassem os militares golpistas por 21 anos.
Skidmore é autor de "Brasil: de Castello a Tancredo (1964-1985)", clássico da historiografia do período, e chegou ao Rio ontem para participar de seminário sobre o golpe de 64, no Centro Cultural Banco do Brasil. Ele falou à Folha, por telefone, de Providence.

Folha - Como o sr. avalia o golpe?
Thomas Skidmore -
A necessidade maior na época era fazer um plano de estabilização, e o governo Castello Branco [1964-1967] conseguiu isso. No governo de Costa e Silva, os militares também conseguiram um crescimento [econômico] muito grande, mas infelizmente parou por aí. Foi curioso Castello Branco ter sido eleito presidente naquela época de crise. Era um homem extremamente correto, mas ingênuo. Achava que poderia entregar o governo aos civis em 1965. Isso não foi possível porque havia a linha dura comandada por Costa e Silva. O grande problema do regime foi a luta entre castellistas e a linha dura, que começou já no governo de Castello, que tinha Costa e Silva como ministro da Guerra.

Folha - A marca da ditadura foi impressa por Costa e Silva?
Skidmore -
Castello perdeu em 65. A linha dura fez uma pressão muito grande sobre o governo e tomou conta do regime, com a eleição de Costa e Silva. Esse grupo ficou no poder até, pelo menos, 1977. Quem barrou os militares radicais foi o presidente [Ernesto] Geisel, assessor do Castello que se colocou contra a eleição de Costa e Silva. Geisel teve que usar a força para controlar a linha dura e iniciar o processo de abertura.

Folha - O historiador Celso Castro defende a tese de que, na época do golpe, os militares estavam desarticulados. O sr. concorda?
Skidmore -
Concordo. Na época, as Forças Armas estavam muito divididas. Castello sabia, por isso queria entregar logo o governo aos civis. A divisão nas Forças Armadas permaneceu com a tomada do poder, foi levada para dentro do regime e o minou. O problema é que esses generais perseguiam, desde o princípio, a unidade que só ocorreria no governo Geisel, com a derrota da linha dura. Geisel permeou todo o regime e continuou leal aos ideais de Castello Branco. Ele iniciou o processo de retomada da democracia.

Folha - Se havia divisão nas Forças Armadas, por que o presidente João Goulart caiu tão facilmente?
Skidmore -
Havia uma conspiração de caráter continental contra Jango. Após o levante em Juiz de Fora, houve certa coordenação de tropas militares em todo o país. Jango se recusou a pegar em armas para resistir. Acho que faltou a ele certo sentimento de bravura. Não quis lutar, ficou apático.

Folha - Quando o sr. fala em conspiração continental, está se referindo ao apoio dos EUA ao golpe?
Skidmore -
Estou mais ou menos de acordo com o Lincoln Gordon [embaixador americano no Brasil na época do golpe]. Houve uma sinalização muito clara dos EUA para os conspiradores. Havia uma pressão forte americana, mas não no sentido de uma intervenção.


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