São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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CELSO PINTO
O custo social da crise


Washington - O pior da crise deve ter passado, mas os custos sociais foram e continuam altos. Para cada 1% a menos de crescimento do PIB, no Brasil, de 600 mil a 1 milhão de pessoas são jogadas abaixo da linha da pobreza, disse à coluna o vice-presidente do Bird (Banco Mundial), Javed Burki.
O Bird tem procurado fixar um espaço próprio na discussão sobre a crise mundial, olhando o lado dos custos sociais gerados por ela e como atenuá-los. Como disse o presidente do banco, James Wolfensohn, numa entrevista ontem à imprensa, "existe uma enorme pressão sobre os gastos sociais" no Brasil, em função da crise, sobre "educação, saúde, sobre os Estados, sobre gastos sociais gerais e sobre o desemprego".
Ele ressalvou que o presidente Fernando Henrique está fazendo um esforço para preservar estes gastos e se disse "esperançoso" em relação a uma retomada do crescimento no Brasil. A situação, hoje, "embora frágil, parece boa".
Burki acha que houve uma "notável melhora na confiança no Brasil". Uma questão crítica a superar será, a seu ver, o valor do reajuste do salário mínimo. Se for razoável, a mensagem será clara sobre a preocupação do governo com o ajuste econômico.
Ele admite que existe uma certa dúvida, no mercado, que ele não compartilha, sobre o comprometimento do presidente em relação à continuidade do ajuste fiscal. Burki não espera problemas, inclusive dos Estados -exceto Minas Gerais.
A moratória de Itamar Franco foi, claramente, o fator que precipitou a crise, diz ele. O Bird acabou de renovar, por mais 60 dias, a suspensão dos empréstimos a Minas Gerais e ela será mantida até que o Estado volte a pagar seus débitos.
No caso do Rio Grande do Sul, o Bird desbloqueou os empréstimos e Burki não espera mais problemas. O Bird tem um programa de US$ 4,5 bilhões de empréstimos ao Brasil este ano, dos quais US$ 1 bilhão já foi desembolsado. Está dividido entre apoio à reforma administrativa, à reforma previdenciária e à "proteção social".
O Bird anunciou em outubro do ano passado uma nova "abordagem abrangente para o desenvolvimento". Um programa-piloto está sendo montado com a Bolívia.
A idéia é discutir um conjunto de metas e programas sociais, junto com o governo, em vez de projetos específicos, para um período amplo, que pode ir de 10 a 20 anos. O governo terá mais flexibilidade para aplicar o dinheiro.
O sucesso será medido por indicadores gerais (no caso da Bolívia, inclui, por exemplo, melhora na mortalidade infantil e na pobreza). É uma abordagem que tem levantado controvérsias dentro do Bird, mas que pode, em princípio, servir como base para programas com qualquer país no futuro, inclusive o Brasil.
Burki está se aposentando em junho. Seu substituto será o americano David de Ferranti.

Fundo para dívida privada
A idéia de se criar um fundo para reestruturar a dívida externa de empresas brasileiras, por meio da Corporação Financeira Internacional, o braço do Banco Mundial para o setor privado, deve avançar nesta reunião do banco e do FMI, em Washington.
A proposta original era criar o Brazil Corporate Trust, com capital de até US$ 500 milhões da CFI e do BNDES, para ajudar a reestruturar a dívida externa de empresas brasileiras, afetadas pela desvalorização cambial. Existe um fundo semelhante para os países asiáticos afetados pela crise, que já envolveu US$ 1,6 bilhão.
A intenção original era que o Bird desse garantias de até US$ 1 bilhão contra o risco de interrupção de qualquer problema de pagamento gerado por restrições a remessas pelo governo brasileiro. Com estas garantias e o fato de o risco deixar de ser o "risco Brasil", esperava-se conseguir levantar até US$ 4 bilhões em empréstimos que seriam repassados às empresas.
Desde que a idéia foi levantada pela primeira vez, há um mês, houve fortes discussões dentro do governo brasileiro sobre a conveniência de levar adiante a proposta. O receio era que um fundo como este pudesse ser entendido pelo mercado como um sinal de dificuldade do Brasil em levantar recursos sem a ajuda do Bird.
Uma fonte qualificada disse à coluna que estas resistências foram superadas e que haverá discussões sobre o novo fundo, nos próximos dias, em Washington. Um fato novo, contudo, terá que ser considerado: o bem-sucedido lançamento dos bônus brasileiros no mercado internacional.
O Brasil ofereceu US$ 1 bilhão e, dada a demanda para até US$ 4,5 bilhões, colocou, ontem, US$ 2 bilhões. Hoje anunciará o total para outra parcela da mesma emissão destinada a trocas por antigos títulos da dívida brasileira ("bradies"), que alguns estimam entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão. Não só o volume foi maior do que o esperado, como os juros foram razoáveis, com um prêmio de 675 pontos de porcentagem acima do rendimento dos títulos do Tesouro americano.
Dado o sucesso do lançamento e a reviravolta do sentimento do mercado em relação ao Brasil, talvez o valor do fundo de reestruturação, ou mesmo a necessidade de lançá-lo, sejam rediscutidas.


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