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REGIME MILITAR
Órgãos de segurança receberam lista de uruguaios procurados
Documento sugere ação do Itamaraty na repressão
LUIZ ANTÔNIO RYFF
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Uma lista com pelo menos 1.154
uruguaios procurados pelo governo do seu país em 1976 indica
que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil contribuiu para
a ação conjunta que regimes militares do Cone Sul promoveram
contra oposicionistas.
Na informação confidencial nº
3062/76-A, distribuída pelo 1º
Exército em 30 de agosto de 1976,
registra-se que a origem da comunicação foi um órgão com as iniciais ""MRE", as do Ministério das
Relações Exteriores.
O 1º Exército repassou a relação
de procurados às sedes do Rio de
Janeiro de organismos repressivos: Polícia Federal, Departamento de Polícia Política e Social, DOI
(Destacamento de Operações de
Informações do próprio 1º Exército) e outros.
Antes, o informe havia sido recebido pelos outros comandos do
Exército no país, pela Agência
Central do SNI (Serviço Nacional
de Informações), Cenimar (Centro de Informações da Marinha),
Cisa (Centro de Informações da
Aeronáutica), CIE (Centro de Informações do Exército), DSI (Divisão de Segurança Interna, do
Ministério da Justiça) etc.
O ""assunto", item nº 1 nos cabeçalhos padrões dos documentos
do 1º Exército, do informe era ""relação de subversivos uruguaios".
O documento esclarece o significado das siglas das organizações
de esquerda citadas na lista anexa.
O MLN, por exemplo, era o Movimento de Libertação Nacional,
cujos militantes eram conhecidos
como tupamaros.
O informe 3062/76-A foi encontrado pela Folha no Arquivo Público do Estado do Rio. A lista de
procurados está incompleta. Vai
do número 992 ao 1.154. Não se
sabe se é o último.
A relação foi emitida em Montevidéu no dia 16 de abril de 1976,
está em espanhol e define nomes,
organização política e idade dos
""requeridos por atividades sediciosas". Há um carimbo de organismo uruguaio, uma ""sección",
que a qualidade da cópia não permite identificar.
É possível que o governo do
Uruguai tenha entregue em Montevidéu a lista à embaixada brasileira, que a teria enviado ao Itamaraty, de onde teriam partido as
cópias aos organismos de repressão política do Brasil.
Busca
A busca de oposicionistas, independentemente de estarem ou
não nos territórios dos seus países
de origem, era um dos objetivos
da Operação Condor -ação conjunta dos regimes militares do
Cone Sul nas décadas de 70 e 80.
O Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) costuma registrar historicamente sua trajetória
com distância em relação à política repressiva do regime militar
(1964-1985). A lista obtida pela
Folha sugere o contrário. Também os atuais dirigentes do MRE
admitem, em conversas reservadas, que pelo menos um grupo de
diplomatas colaborou, nas embaixadas do Cone Sul, com o sistema de repressão.
Foram ativos, sobretudo, no
Chile. A Folha apurou junto ao
Itamaraty que esse grupo de diplomatas concentrava-se em um
departamento chamado Cedoc
(Centro de Documentação) e
atuava quase que à revelia do ministro das Relações Exteriores.
Eram diplomatas que trabalhavam numa relação estreita com os
agentes dos serviços de informação (SNI e Forças Armadas) e os
adidos militares. Houve casos em
que os funcionários do Cedoc (extinto) denunciaram politicamente os próprios colegas, acusando-os por não simpatizarem com o
regime militar, ou promoveram
atos de perseguição moral. Por isso, eram conhecidos como funcionários do "Dedoc" (Centro dos
dedos-duros).
Logo depois do movimento militar de 1964, a embaixada do Brasil no Uruguai era alvo de espiões
brasileiros. Um relatório sobre as
atividades do presidente deposto
João Goulart, redigido provavelmente em 1965, foi recebido pela
Secretaria de Segurança Pública
do antigo Estado da Guanabara.
Há cópia no Arquivo do Rio.
Diz o agente do regime militar,
sem assinar o texto: ""A nossa embaixada em Montevidéu nada faz
(para fustigar Goulart, então lá
exilado). Começa por não ter nem
embaixador, mas apenas dois
funcionários de carreira".
""(...) O adido militar, Pamplona,
apesar de parecer solidário com a
Revolução, foi nomeado no governo anterior, enquanto o da
Marinha, inteiramente nosso, é
bisonho e novo no posto."
""A impressão que os diplomatas transmitem é de que têm pudor de defender a Revolução, talvez constrangidos com o que se
diz ser a tradição liberal e civilista
do povo uruguaio." O ""araponga" apresenta propostas de mudança na representação diplomática. Dois exemplos:
1) ""preencher a embaixada do
Brasil em Montevidéu com elementos mais experientes e adequados à função, que gozassem
de prestígio e de força no Uruguai
para neutralizar o ambiente favorável à dupla Jango-Brizola";
2) ""convidar para visitar o Brasil
o chefe do serviço de inteligência
do Uruguai, um coronel pró-Revolução, e aqui pô-lo em contato
com os nossos serviços especializados."
O regime militar no Uruguai
(1973-85) deixou 163 desaparecidos políticos. O do Brasil, pelo
menos 153.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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