São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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REGIME MILITAR
Órgãos de segurança receberam lista de uruguaios procurados
Documento sugere ação do Itamaraty na repressão

LUIZ ANTÔNIO RYFF
MÁRIO MAGALHÃES


DA SUCURSAL DO RIO

Uma lista com pelo menos 1.154 uruguaios procurados pelo governo do seu país em 1976 indica que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil contribuiu para a ação conjunta que regimes militares do Cone Sul promoveram contra oposicionistas.
Na informação confidencial nº 3062/76-A, distribuída pelo 1º Exército em 30 de agosto de 1976, registra-se que a origem da comunicação foi um órgão com as iniciais ""MRE", as do Ministério das Relações Exteriores.
O 1º Exército repassou a relação de procurados às sedes do Rio de Janeiro de organismos repressivos: Polícia Federal, Departamento de Polícia Política e Social, DOI (Destacamento de Operações de Informações do próprio 1º Exército) e outros.
Antes, o informe havia sido recebido pelos outros comandos do Exército no país, pela Agência Central do SNI (Serviço Nacional de Informações), Cenimar (Centro de Informações da Marinha), Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica), CIE (Centro de Informações do Exército), DSI (Divisão de Segurança Interna, do Ministério da Justiça) etc.
O ""assunto", item nº 1 nos cabeçalhos padrões dos documentos do 1º Exército, do informe era ""relação de subversivos uruguaios".
O documento esclarece o significado das siglas das organizações de esquerda citadas na lista anexa. O MLN, por exemplo, era o Movimento de Libertação Nacional, cujos militantes eram conhecidos como tupamaros.
O informe 3062/76-A foi encontrado pela Folha no Arquivo Público do Estado do Rio. A lista de procurados está incompleta. Vai do número 992 ao 1.154. Não se sabe se é o último.
A relação foi emitida em Montevidéu no dia 16 de abril de 1976, está em espanhol e define nomes, organização política e idade dos ""requeridos por atividades sediciosas". Há um carimbo de organismo uruguaio, uma ""sección", que a qualidade da cópia não permite identificar.
É possível que o governo do Uruguai tenha entregue em Montevidéu a lista à embaixada brasileira, que a teria enviado ao Itamaraty, de onde teriam partido as cópias aos organismos de repressão política do Brasil.

Busca
A busca de oposicionistas, independentemente de estarem ou não nos territórios dos seus países de origem, era um dos objetivos da Operação Condor -ação conjunta dos regimes militares do Cone Sul nas décadas de 70 e 80.
O Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) costuma registrar historicamente sua trajetória com distância em relação à política repressiva do regime militar (1964-1985). A lista obtida pela Folha sugere o contrário. Também os atuais dirigentes do MRE admitem, em conversas reservadas, que pelo menos um grupo de diplomatas colaborou, nas embaixadas do Cone Sul, com o sistema de repressão.
Foram ativos, sobretudo, no Chile. A Folha apurou junto ao Itamaraty que esse grupo de diplomatas concentrava-se em um departamento chamado Cedoc (Centro de Documentação) e atuava quase que à revelia do ministro das Relações Exteriores.
Eram diplomatas que trabalhavam numa relação estreita com os agentes dos serviços de informação (SNI e Forças Armadas) e os adidos militares. Houve casos em que os funcionários do Cedoc (extinto) denunciaram politicamente os próprios colegas, acusando-os por não simpatizarem com o regime militar, ou promoveram atos de perseguição moral. Por isso, eram conhecidos como funcionários do "Dedoc" (Centro dos dedos-duros).
Logo depois do movimento militar de 1964, a embaixada do Brasil no Uruguai era alvo de espiões brasileiros. Um relatório sobre as atividades do presidente deposto João Goulart, redigido provavelmente em 1965, foi recebido pela Secretaria de Segurança Pública do antigo Estado da Guanabara. Há cópia no Arquivo do Rio.
Diz o agente do regime militar, sem assinar o texto: ""A nossa embaixada em Montevidéu nada faz (para fustigar Goulart, então lá exilado). Começa por não ter nem embaixador, mas apenas dois funcionários de carreira".
""(...) O adido militar, Pamplona, apesar de parecer solidário com a Revolução, foi nomeado no governo anterior, enquanto o da Marinha, inteiramente nosso, é bisonho e novo no posto."
""A impressão que os diplomatas transmitem é de que têm pudor de defender a Revolução, talvez constrangidos com o que se diz ser a tradição liberal e civilista do povo uruguaio." O ""araponga" apresenta propostas de mudança na representação diplomática. Dois exemplos:
1) ""preencher a embaixada do Brasil em Montevidéu com elementos mais experientes e adequados à função, que gozassem de prestígio e de força no Uruguai para neutralizar o ambiente favorável à dupla Jango-Brizola";
2) ""convidar para visitar o Brasil o chefe do serviço de inteligência do Uruguai, um coronel pró-Revolução, e aqui pô-lo em contato com os nossos serviços especializados."
O regime militar no Uruguai (1973-85) deixou 163 desaparecidos políticos. O do Brasil, pelo menos 153.


Colaborou a Sucursal de Brasília

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