São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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Prisão de médica sugere cooperação

DA AGÊNCIA FOLHA, EM ASSUNÇÃO

O caso da médica paraguaia Gladys Sannemann, 70, é um dos mais exemplares da Operação Condor. Presa na Argentina pela polícia local, ela foi entregue ao Paraguai, em uma situação típica do intercâmbio entre os países sul-americanos. Depois, foi devolvida para a Argentina.
Sannemann foi detida na invasão do sanatório onde trabalhava, em Candelaria (Província de Misiones), no dia 24 de março de 1976, dia do golpe que deu início ao regime militar argentino.
Quando esteve na prisão paraguaia, ela tratou dos presos torturados. No dia 21 de março de 1977, foi devolvida para a Argentina e ficou na Esma (Escola de Mecânica da Armada), em Buenos Aires.
Documentos sobre sua prisão constam nos arquivos do regime militar paraguaio. A Agência Folha a localizou em Assunção, em uma clínica médica localizada na rua Montevidéu. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Agência Folha - Como a sra., sendo paraguaia, foi devolvida à Argentina, que a havia capturado?
Gladys Sannemann -
Eu era paraguaia e vivia na Argentina, com a minha família. Meu marido e eu tínhamos atividade política no Movimento Popular Colorado. Então, fomos viver na Argentina. No dia 24 de março, veio o golpe militar. Então, em 28 de julho, voltei ao Paraguai. Eu tinha 48 anos, estava fraca. Fiquei totalmente incomunicável. Em setembro, fomos levados para um centro de presos políticos. Conhecia muita gente, tratei de muita gente. Nenhum médico teve essa oportunidade de atender aos torturados que iam e vinham...

Agência Folha - Foi esse conhecimento que as pessoas tinham da sra. e o fato de a sra. tratar os torturados que levou o governo paraguaio a devolvê-la?
Sannemann -
(Jorge Rafael) Videla já era presidente. Todos os dias, ele telefonava para o presidente paraguaio e para o embaixador argentino no Paraguai para que me enviassem. O motivo é simples: muitas pessoas lutaram por mim. Em primeiro lugar, o governo alemão, porque nós somos descendentes de alemães. Assim, não era uma pessoa desconhecida que foi presa, até médicos do exterior sabiam disso. Então, era evidente que haviam me passado da Argentina para o Paraguai. Para resolver o problema, a polícia me libertou no Paraguai e me capturou novamente para me levar à Argentina.

Agência Folha - Por que soltaram a sra. antes de devolvê-la?
Sannemann -
Para poder dizer que eu não estivera no Paraguai. Ninguém saberia disso, não havia nenhum documento. Vivia lá (na Argentina), me sequestraram, me trouxeram para cá. Então, não podia aparecer presa no Paraguai.

Agência Folha - O governo alemão já sabia da Operação Condor?
Sannemann
- Sim, sabia.

Agência Folha - A sra. pretende ajudar deputados brasileiros que vêm a Assunção para pesquisar os documentos dos arquivos abertos?
Sannemann
- Claro, como não iria ajudá-los? Vamos ver se fazem alguma coisa com (Alfredo) Stroessner (ex-ditador paraguaio), o que não creio.

Agência Folha - A sra. acha que não dá para julgar Stroessner?
Sannemann
- Não, e sabe por quê? Porque ele se formou aqui, e o Brasil sabia de todas as coisas que aqui ocorriam. Só, talvez, por pressão internacional ou do Brasil. Todos aqui respeitam o Brasil.

Agência Folha - Há um novo governo no Brasil...
Sannemann
- E aqui também, teoricamente. Aqui, está a mesma coisa que antes.

Agência Folha - A sra. acredita que os governos latino-americanos mudaram apenas teoricamente?
Sannemann
- Não estou dizendo isso. Há países que progrediram. No nosso, pelo menos as pessoas podem se organizar e se manifestar. Antes, nem isso. Os "stronistas", porém, não se foram.

Agência Folha - A sra. crê que os militares ainda têm poder na América Latina?
Sannemann -
Claro. Não estamos no final, estamos em um início novamente. Acredito que todos os países podem voltar a fazer o que já fizeram.

Agência Folha - Haveria novos golpes?
Sannemann -
Aqui não há possibilidade de um novo golpe. (A entrevista foi concedida poucas horas antes da tentativa de golpe ocorrida na noite de quinta-feira).
(LG)


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