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Prisão de médica sugere cooperação
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ASSUNÇÃO
O caso da médica paraguaia
Gladys Sannemann, 70, é um dos
mais exemplares da Operação
Condor. Presa na Argentina pela
polícia local, ela foi entregue ao
Paraguai, em uma situação típica
do intercâmbio entre os países
sul-americanos. Depois, foi devolvida para a Argentina.
Sannemann foi detida na invasão do sanatório onde trabalhava,
em Candelaria (Província de Misiones), no dia 24 de março de
1976, dia do golpe que deu início
ao regime militar argentino.
Quando esteve na prisão paraguaia, ela tratou dos presos torturados. No dia 21 de março de 1977,
foi devolvida para a Argentina e
ficou na Esma (Escola de Mecânica da Armada), em Buenos Aires.
Documentos sobre sua prisão
constam nos arquivos do regime
militar paraguaio. A Agência Folha a localizou em Assunção, em
uma clínica médica localizada na
rua Montevidéu. Leia, a seguir,
trechos da entrevista.
Agência Folha - Como a sra., sendo paraguaia, foi devolvida à Argentina, que a havia capturado?
Gladys Sannemann - Eu era paraguaia e vivia na Argentina, com a
minha família. Meu marido e eu
tínhamos atividade política no
Movimento Popular Colorado.
Então, fomos viver na Argentina.
No dia 24 de março, veio o golpe
militar. Então, em 28 de julho,
voltei ao Paraguai. Eu tinha 48
anos, estava fraca. Fiquei totalmente incomunicável. Em setembro, fomos levados para um centro de presos políticos. Conhecia
muita gente, tratei de muita gente.
Nenhum médico teve essa oportunidade de atender aos torturados que iam e vinham...
Agência Folha - Foi esse conhecimento que as pessoas tinham da
sra. e o fato de a sra. tratar os torturados que levou o governo paraguaio a devolvê-la?
Sannemann - (Jorge Rafael) Videla já era presidente. Todos os
dias, ele telefonava para o presidente paraguaio e para o embaixador argentino no Paraguai para
que me enviassem. O motivo é
simples: muitas pessoas lutaram
por mim. Em primeiro lugar, o
governo alemão, porque nós somos descendentes de alemães.
Assim, não era uma pessoa desconhecida que foi presa, até médicos
do exterior sabiam disso. Então,
era evidente que haviam me passado da Argentina para o Paraguai. Para resolver o problema, a
polícia me libertou no Paraguai e
me capturou novamente para me
levar à Argentina.
Agência Folha - Por que soltaram
a sra. antes de devolvê-la?
Sannemann - Para poder dizer
que eu não estivera no Paraguai.
Ninguém saberia disso, não havia
nenhum documento. Vivia lá (na
Argentina), me sequestraram, me
trouxeram para cá. Então, não
podia aparecer presa no Paraguai.
Agência Folha - O governo alemão já sabia da Operação Condor?
Sannemann - Sim, sabia.
Agência Folha - A sra. pretende
ajudar deputados brasileiros que
vêm a Assunção para pesquisar os
documentos dos arquivos abertos?
Sannemann - Claro, como não
iria ajudá-los? Vamos ver se fazem alguma coisa com (Alfredo)
Stroessner (ex-ditador paraguaio), o que não creio.
Agência Folha - A sra. acha que
não dá para julgar Stroessner?
Sannemann - Não, e sabe por
quê? Porque ele se formou aqui, e
o Brasil sabia de todas as coisas
que aqui ocorriam. Só, talvez, por
pressão internacional ou do Brasil. Todos aqui respeitam o Brasil.
Agência Folha - Há um novo governo no Brasil...
Sannemann- E aqui também,
teoricamente. Aqui, está a mesma
coisa que antes.
Agência Folha - A sra. acredita
que os governos latino-americanos
mudaram apenas teoricamente?
Sannemann - Não estou dizendo
isso. Há países que progrediram.
No nosso, pelo menos as pessoas
podem se organizar e se manifestar. Antes, nem isso. Os "stronistas", porém, não se foram.
Agência Folha - A sra. crê que os
militares ainda têm poder na América Latina?
Sannemann - Claro. Não estamos no final, estamos em um início novamente. Acredito que todos os países podem voltar a fazer
o que já fizeram.
Agência Folha - Haveria novos
golpes?
Sannemann - Aqui não há possibilidade de um novo golpe. (A entrevista foi concedida poucas horas antes da tentativa de golpe
ocorrida na noite de quinta-feira).
(LG)
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