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REGIME MILITAR
Discurso de deputado, há 32 anos, motivou a edição do AI-5, que apertou a repressão aos opositores de 64
Câmara recupera ata de sessão histórica
LUIZA DAMÉ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Quase 32 anos depois, a Câmara
recuperou o único documento
com os discursos da sessão em
que foi negado o pedido das Forças Armadas para processar o então deputado Márcio Moreira Alves. A decisão foi o estopim do AI-5, o ato institucional que fechou o
Congresso e cassou mandatos de
parlamentares em 1968.
As notas taquigráficas da sessão
estavam em poder da jornalista e
pesquisadora Anna Lúcia Brandão desde 1984 e foram recuperadas por acaso. A própria historiadora devolveu o documento à Câmara no último dia 12.
Até esse dia, a Câmara não sabia
que as notas não estavam nos arquivos da Casa, porque a documentação foi retirada por intermédio do ex-deputado José Bonifácio Andrada (eleito pela Arena
de Minas Gerais), que era presidente da Câmara em 1968. "Ninguém sabia que as notas estavam
com a pesquisadora", disse a
coordenadora do Arquivo da Câmara, Gracinda de Vasconcellos.
De acordo com a Secretaria Geral da Mesa da Câmara, essas notas são o único documento daquela sessão.
A Câmara deverá publicar as
notas taquigráficas da sessão e incluí-las nos anais da Casa. O único
registro da sessão na Câmara é a
ata resumida, na qual aparece
apenas a decisão final, que negou
o pedido para processar o ex-deputado, sem os discursos.
O resultado da sessão foi: 141
votos sim, 216 não e 12 abstenções. O pedido para processar
Moreira Alves foi feito pelo STF
(Supremo Tribunal Federal), por
solicitação do governo Costa e Silva, com base em discursos do ex-deputado nas sessões dos dias 2 e
3 de setembro de 1968.
Os discursos foram considerados ofensivos às Forças Armadas.
Moreira Alves defendeu o boicote
às comemorações de 7 de Setembro e disse que as jovens deveriam
se recusar a namorar e dançar
com cadetes e oficiais das Forças.
"Seria necessário que cada pai,
cada mãe se compenetrasse de
que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e metralham
nas ruas", discursou o deputado.
O governo militar pretendia
processar Moreira Alves, eleito
deputado pelo MDB do Estado da
Guanabara, com base no artigo
151 da Constituição de 1967, por
atentado contra a ordem democrática. A punição era cassação do
mandato e suspensão dos direitos
políticos por dez anos.
Na sessão, um dos políticos que
defenderam Moreira Alves foi o
atual governador de São Paulo,
Mário Covas (PSDB), então líder
do MDB na Câmara. Havia apenas dois partidos: o MDB, de oposição, e a Arena, governista.
O pedido de cassação foi negado até mesmo por membros da
Arena, sob alegação de que feria a
independência do Legislativo.
"Hoje, esta Casa está sendo submetida a julgamento. Recolhida
ao banco dos réus, aguarda o veredicto que será exarado pelos
próprios ocupantes. Discute-se a
validade de uma das mais caras
prerrogativas, instrumento essencial de seu funcionamento como
Poder, que é a inviolabilidade",
discursou Covas.
Assessores da presidência da
Câmara avaliam que as notas não
foram publicadas como forma de
proteger os deputados que votaram contra a licença para processar Moreira Alves.
O ex-deputado afirmou que as
notas não foram incluídas nos
anais por decisão de Andrada.
"Ele proibiu a publicação das notas a pedido dos militares", afirmou Moreira Alves ontem.
Colaborou Denise Madueño, da Sucursal de Brasília
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