São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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ARTIGO

Relações são mais promissoras para a China

EDUARDO TONOOKA
CHAU KUO HUE

ESPECIAL PARA A FOLHA

No exercício de sua função de caixeiro-viajante, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca na China com o objetivo de ampliar a presença dos produtos brasileiros no mercado que mais cresce no mundo. Entre 1999 e 2003, as importações totais da China cresceram em média 22% ao ano, ao passo que aquelas provenientes do Brasil cresceram à taxa média anual de 61%.
Com isso, a China tornou-se o terceiro maior importador individual de produtos brasileiros em 2003 (atrás apenas dos Estados Unidos e da Argentina). No ano passado, as exportações à China representaram 6,2% do total das exportações brasileiras (US$ 4,5 bilhões), ante 2,6% em 1995 (US$ 1,2 bilhão).
As importações totais da China cresceram impressionantes 40% e mantiveram-se muito dinâmicas no início de 2004, com destaque para as aquisições de matérias-primas e semimanufaturados, fato que ajuda a explicar a alta dos preços internacionais das commodities.
Embora as exportações do Brasil à China tenham se beneficiado desse movimento dos preços, foi a expansão das quantidades exportadas de commodities a principal responsável pelo superávit comercial bilateral obtido pelo Brasil de US$ 2,4 bilhões em 2003.
De fato, conforme mostra o gráfico nesta pág., a pauta de exportações brasileiras à China concentra-se em commodities (soja, minério de ferro e celulose), que têm respondido pela metade das exportações totais nos últimos cinco anos, e em produtos siderúrgicos muitos deles também considerados commodities, tais como ferro-gusa e laminados planos a frio.
Já as exportações brasileiras dos setores de maior dinamismo no comércio internacional -dentre os quais incluímos as indústrias de máquinas e equipamentos e de materiais elétricos, eletrônicos, de comunicações e de transportes- têm apresentado dificuldade para ultrapassar o patamar de 10% do total, muito embora tenha havido uma expansão significativa das exportações de veículos e máquinas agrícolas, incluindo suas partes e componentes, nos últimos três anos.
Do outro lado, o gráfico revela que os produtos manufaturados dos chamados setores dinâmicos já respondem por mais da metade das importações brasileiras da China. Mesmo nos demais setores industriais, percebe-se um movimento de adensamento tecnológico das importações -por exemplo, têm crescido as importações de produtos têxteis elaborados a partir de fibras sintéticas, em detrimento daqueles fabricados com fibras naturais.
Vai-se conformando, portanto, uma certa relação de complementaridade a longo prazo, mais promissora para a China do que para o Brasil, nas relações comerciais entre os dois países.
O Brasil tem aproveitado o momento circunstancialmente favorável para ampliar as exportações e o saldo comercial com a China. Contudo, dadas as tendências do comércio bilateral, levantamos duas questões: primeira, até quando o Brasil poderá sustentar uma posição superavitária no comércio bilateral, e, segunda, quais serão as conseqüências da consolidação dos investimentos industriais na China sobre as exportações do Brasil no futuro?
A demanda da China por commodities está condicionada ao ritmo de crescimento de sua economia, que tende a diminuir. Ainda há bastante espaço para a expansão das exportações desse tipo de produto para a China, porém os preços tenderão a se tornar menos favoráveis do que os atuais. A elevação dos juros norte-americanos e o arrefecimento do crescimento mundial sinalizam uma tendência de queda dos preços das commodities.
Já as exportações brasileiras de produtos manufaturados tenderão a sofrer conforme a China consolide seu parque industrial e institua políticas de favorecimento à produção local, conforme já vem divulgando. Por exemplo, o recente "boom" de exportações de veículos, partes e componentes é resultado imediato da redução das tarifas de importação, da existência de uma forte demanda reprimida por automóveis e da não-consolidação de uma indústria de autopeças na China. Mas, à medida que a indústria chinesa reforçar sua capacidade de produzir tais bens, as oportunidades de exportação deverão minguar.
Por outro lado, as importações brasileiras de manufaturados "dinâmicos" -tais como equipamentos, partes e componentes da indústria eletrônica, de informática e de telecomunicações já representam 60% do total importado da China.
A evolução da economia chinesa tem seguido uma trajetória já conhecida e observada ao longo do processo de desenvolvimento das economias asiáticas mais avançadas, notadamente a Japão e a Coréia do Sul. Por isso, é de se esperar que a China progressivamente deixe de destacar-se especialmente como grande exportadora de produtos com pouco conteúdo tecnológico e baratos devido ao baixo custo da mão-de-obra e passe a ser reconhecida como gigante exportador por contar com uma base industrial e tecnológica moderna e competitiva, resultante dos pesados investimentos que hoje estão sendo realizados no país.
Quando este momento chegar, iremos nos deparar com um grande concorrente nos mercados de produtos manufaturados nos quais temos interesse em consolidar nossa posição internacional, incluindo papel, produtos siderúrgicos, material elétrico, veículos, suas partes e componentes, dentre outros.
Logo, podemos vislumbrar duas tendências: (a) uma perda de dinamismo das vendas para a China de produtos básicos e de produtos que atualmente atendem a uma demanda reprimida que a indústria chinesa está em vias de habilitar-se a suprir; e (b) um aumento nas importações brasileiras de produtos chineses dos setores mais dinâmicos e um acirramento da concorrência entre os manufaturados brasileiros e chineses no mercado internacional, à medida que a base industrial da China se consolide e seja capaz de atender não apenas ao mercado doméstico, mas também aos mercados internacionais.
A China já definiu sua estratégia de desenvolvimento, que norteia inclusive suas ações comerciais com o Brasil. Já o Brasil prossegue muito carente dessa definição.


EDUARDO TONOOKA é professor de economia asiática na Fipe/USP e economista da LCA Consultores.
CHAU KUO HUE é economista da LCA Consultores.




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