São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

MARINA SILVA

Alvo de críticas pela devastação recorde, titular do Meio Ambiente afasta a imagem de derrotada

Desmatamento está sendo freado, reafirma ministra

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vive provavelmente seu momento mais difícil no governo. Ela amargou na semana passada a divulgação da segunda maior taxa de desmatamento da história na Amazônia. Foram perdidos 26,1 mil quilômetros quadrados de floresta, uma área equivalente à de Alagoas. O número está próximo daquilo que era considerado exceção -os 29 mil quilômetros quadrados de 1994-1995- e se soma a outra grande derrota do ministério, na questão dos alimentos transgênicos.
Ícone do movimento ambientalista brasileiro, Marina, 47, virou alvo de críticas de ONGs, que avaliam que o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento lançado em 2004 não funcionou e que a estratégia de colocar a questão ambiental no núcleo das ações do governo está fazendo água.
A ministra nega a imagem de perdedora, citando vários trunfos de sua gestão: a criação de 8 milhões de hectares de áreas de conservação em zonas de conflito no Pará, uma parceria com o Ministério das Minas e Energia para exigir o licenciamento ambiental de hidrelétricas e a interdição de 10 mil propriedades rurais na Amazônia pelo Incra devido a problemas fundiários.
Fragilizada por uma infecção que a deixou quase um mês internada, andando com a ajuda de uma bengala ("para resolver divergências", brinca, brandindo-a para o secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco), Marina diz que não tem a intenção de deixar o cargo. "Quando você entrega sua vida a uma causa, não se importa mais com o que a causa está fazendo com você." Leia a seguir a entrevista concedida à Folha anteontem.
 

Folha - No começo do mês, seu secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, comemorou a expectativa de 24 mil km2 de desmatamento como uma vitória. O que vimos foi que essa cifra foi 26 mil km2, um crescimento de 6% em relação ao consolidado do ano anterior. A sra. ainda avalia isso como uma vitória?
Marina Silva -
Primeiro, acho que dificilmente o João Paulo deve ter dito que estabilizar nos 23 mil, 24 mil quilômetros quadrados seria uma vitória. O fato que nós estávamos destacando foi que, quando chegamos em 2003, nós tínhamos um ritmo de desmatamento que tinha tido um incremento na sua taxa de 27% de 2001 para 2002, num crescimento econômico de 1%. E, no nosso governo, 2003/2004, nós tivemos um crescimento de mais de 5%. Isso não pode ser desprezado. No início do governo, nós jogamos todos os nossos esforços para que houvesse uma desaceleração nesse ritmo. Trabalhamos o plano de combate ao desmatamento e em março de 2004 o plano começou a ser implementado. Do ponto de vista das ações de comando e controle, destinamos um orçamento específico para essas questões. São R$ 390 milhões até 2007. O que está aferido pelo Inpe neste momento pega apenas cinco meses de implementação do plano.

Folha - Quanto já foi liberado?
Marina -
Só para comando e controle, somando o ano passado com este ano, são R$ 100 milhões. Claro, temos falhas, e essas falhas estão sendo corrigidas...

Folha - Quais foram elas?
Marina -
Talvez o fato de que ainda não foi possível uma total parceria com os governos de alguns Estados. Onde isso aconteceu mais eficazmente, como no Amazonas, tivemos uma queda. No Estado de Mato Grosso, mesmo tendo aumentado as nossas operações, ainda não foi o suficiente. Esse é um problema que precisa ser corrigido do ponto de vista dos instrumentos e da dinâmica do desenvolvimento, inclusive com um plano de agricultura sustentável para a Amazônia.

Folha - Mas a dinâmica do agronegócio permite hoje que isso aconteça em Mato Grosso?
Marina -
Em Mato Grosso nós temos de fato uma situação diferente da dos outros Estados. A maioria das terras é privada, e as pessoas têm direito por lei aos seus 20% para o uso de acordo com o que lhes aprove.

Folha - Mas nem os 20% são assegurados. O governador Blairo Maggi diz que há uma discussão sobre se a mata de transição é floresta ou cerrado. O Estado considera a reserva legal de só 50% nessas áreas.
Marina -
Essa discussão nós já superamos. [Capobianco intervém e diz que os dados do IBGE mostram que a mata de transição é considerada floresta]. A lei federal tem de prevalecer e está funcionando assim. Onde é considerado Amazônia, é 80%.

Folha - O governador então será multado se desmatar 50% ali?
Marina -
Se for derrubada ilegal e se for em área de transição, não tem por que entre o governador e qualquer cidadão você fazer exceção em relação à lei.

Folha - Existe uma percepção geral de que o Ministério do Meio Ambiente perde todas as brigas com o chamado setor produtivo. Foi assim com os transgênicos e está sendo assim na questão amazônica.
Marina -
Na questão dos transgênicos de fato nós tivemos uma perda grave para a Constituição brasileira. Em relação às outras derrotas, eu gostaria de dialogar. Quando nós chegamos, nós dissemos ao governo que não era possível combater o desmatamento da Amazônia só o Ministério do Meio Ambiente. O governo aquiesceu. Que nós tínhamos de ter o suporte da PF, do Exército e do Ministério do Trabalho. O governo aquiesceu. Que nós deveríamos rever as ações de infra-estrutura na Amazônia. O governo aquiesceu. O ministro dos Transportes do governo anterior estava com um processo em curso para o asfaltamento da BR-163 e nós dissemos que não era possível fazer essa estrada sem medidas de sustentabilidade. O governo parou. Eu pergunto: o que nós dissemos e o que propusemos que não foi da compreensão e do esforço do governo?

Folha - Isso não muda o fato de que a soja salvou a pauta de exportações brasileira e que quando há confronto entre os interesses do agronegócio e os interesses ambientais, os ambientais ficam em segundo plano.
Marina -
É claro que o Brasil tem na sua agricultura um ponto forte da base econômica, mas é fato que interditar 10 mil propriedades na Amazônia, como fez o ministro Miguel Rosseto, inibindo crédito comercial, é um esforço que nenhum governo fez.

Folha - Mas isso não pegou o coração da produção de soja no Estado de Mato Grosso.
Marina -
Mas nós não temos de ser contra a soja pela soja. Nós temos de defender que as atividades produtivas, seja de soja, de algodão ou de madeira, sejam feitas em bases sustentáveis.

Folha - Em que pé está a implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento? O Greenpeace diz que só três das 19 bases planejadas estão de fato implementadas.
Marina -
No ano passado, os recursos para as operações foram viabilizados. O que nós estávamos fazendo era implantar as bases operativas. Até março de 2004, nós trabalhamos com nosso esforço endógeno. Nós trabalhamos com as nossas bases provisórias. Inclusive uma das que foram mostradas pelo Greenpeace [à imprensa na semana passada] foi alugada no ano de 2003. Alugamos 11 bases operativas provisórias. Nós identificamos que 19 precisavam ser montadas na Amazônia. Depois chegamos à conclusão de que deveriam ser 17 bases. Dessas 17, seis já estão instaladas e neste ano todas as 17 serão instaladas.

Folha - Se o plano foi anunciado em março, por que as bases só começaram a operar depois que o estrago já estava feito?
Marina -
As bases têm de ser montadas. Se nós tivéssemos chegado em 2003 e existisse o plano, eles tivessem continuidade, os recursos estivessem alocados e os equipamentos comprados e não tivesse havido a necessidade de fazer licitação, nós já teríamos começado a trabalhar. E não teríamos tido esse hiato.

Folha - A sra. se sente à vontade hoje para continuar ministra do Meio Ambiente?
Marina -
Dizer que é vontade de continuar ministra do Meio Ambiente parece que é o cargo pelo cargo. Não. Continuar fazendo o trabalho que eu acredito que está sendo feito dentro do governo. Criar 8 milhões de hectares de unidades de conservação em áreas de conflito na Amazônia quando era quase inimaginável que eles pudessem ter sido criados, isso é um trabalho que eu considero um trabalho importante. Ter um plano de desenvolvimento sustentável para a área da BR-163, que representa 25% da Amazônia, é um trabalho que eu considero importante. E não é da ministra Marina, é do governo do presidente Lula.

Folha - A impressão do público é que a sra. tem sido freqüentemente sacrificada no altar do desenvolvimento, como um escudo para um governo que tem políticas ambientais que não são das melhores.
Marina -
Vamos desdobrar isso. Onde é que se fazia avaliação ambiental de hidrelétrica? Onde é que se excluía bloco de petróleo por questão ambiental? Onde é que se parava a construção de uma rodovia no coração da Amazônia, com interesses mais que latentes do agronegócio, para fazer plano de ocupação sustentável? Vamos decupar essas coisas, porque senão nós, os ambientalistas, vamos ser os eternos derrotados.

Folha - A sra. já em algum momento pensou que o preço era alto demais?
Marina -
Eu não estou olhando o que vai me render louros, elogios ou reconhecimento pessoal. Eu estou olhando o que vai ficar como política para o setor ambiental brasileiro. Não tem sentido estar aqui se não for para isso. Então a minha opção seria ficar no Senado. Só que seria muito difícil ficar no Senado depois que o Lula me convidou. Quando você entrega sua vida a uma causa, você não se importa mais com o que a causa está fazendo com você. Você só consegue se focar na causa e medir de que forma está sendo usado em benefício dela.

Folha - Incomoda pensar que a sua gestão pode terminar como aquela que viu o que era exceção na taxa de desmatamento da Amazônia virar regra?
Marina -
Claro que isso não deve ser um incômodo só para mim. Isso deve ser um incômodo para todo o governo, para o Estado brasileiro e deve ser um incômodo para a sociedade brasileira. Nada que acontece como ação de Estado é fruto só de quem está no aparato do Estado. É fruto também do empenho da sociedade. Eu tenho que honrar o que a sociedade brasileira quer que se faça com esse diálogo entre desenvolvimento e o uso sustentável dos recursos naturais.

Folha - Esse diálogo existe?
Marina -
Se eu te disser que com a sociedade e com as empresas ele está pronto isso não tem parâmetro de aferição. Se eu disser que temos um setor de vanguarda em todos os setores que compreendem esse pensamento estratégico, isso existe.

Como é a sua relação com o presidente Lula? A sra. já teve algum pedido rejeitado por ele?
Marina -
Eu não faço pedidos ao presidente, eu levo propostas e projetos que são debatidos no âmbito de governo e são mediados e posso te dizer que mesmo na questão dos transgênicos, em que o governo estava dividido, o projeto que foi enviado pelo presidente Lula para o Congresso Nacional me contemplou integralmente. Se você disser, "mas foi feito um esforço extra para aprovar do jeito que a sra. queria?", de fato, isso não se configurou. Mas eu não posso dizer que isso é apenas responsabilidade do presidente Lula, porque ele lida com a dinâmica do governo como um todo.

Folha - O Estado campeão de desmatamento tem um governador que é o maior produtor de soja do mundo. Concretamente, o que o Ministério do Meio Ambiente vai fazer em relação ao caso de Mato Grosso?
Marina -
O Estado de Mato Grosso recebeu do governo federal o maior aporte de recursos desde 1999 para estruturar o setor ambiental. O Estado de Mato Grosso tem um pacto federativo com o governo federal para fazer licenciamento ambiental em propriedades acima de 300 hectares e o Estado de Mato Grosso neste momento deve estar tão preocupado quanto o governo do presidente Lula com aquilo que vai fazer no que são as suas responsabilidades e competências.

Folha - Mato Grosso tem implantado um sistema de licenciamento rural que deu certo no primeiro ano, reduziu quase 30% do desmatamento, mas aparentemente parou de funcionar. O que houve?
Marina -
Nós vamos ter de renovar o pacto federativo e isso faz parte da avaliação que está sendo feita para a renovação do pacto, feito no governo anterior e cujo prazo está se esgotando. Vamos avaliar o que acontece. Se tem o maior sistema, o melhor sistema, se foi aportada a maior quantidade de recursos, e tem ainda problemas dessa magnitude... é claro que nós temos responsabilidades que são conjuntas.

Folha - Rever o pacto federativo significa tirar as atribuições de licenciamento do Estado?
Marina -
Rever as bases nas quais ele foi feito. Você tinha um pacto feito no governo anterior em base x, com tal expectativa, aportando dinheiro, que era inclusive para ser um paradigma para os outros Estados da Amazônia. Agora, nós chegamos ao final do pacto e na prática não se configuraram os resultados que se esperava.

Folha - Existe a perspectiva de o Ibama recuperar essas funções?
Marina -
É uma discussão que tem de ser feita, Ibama, ministério e o governo de Mato Grosso. É uma situação grave, que precisa ser avaliada. Nós não queremos em hipótese alguma vilanizar o governador, o governo, o Estado de Mato Grosso. O que nós queremos é que aconteça em Mato Grosso o que está acontecendo no Pará, no Amazonas, no Tocantins, no Acre e no Maranhão.


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