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ENTREVISTA DA 2ª
MARINA SILVA
Alvo de críticas pela devastação recorde, titular do Meio Ambiente afasta a imagem de derrotada
Desmatamento está sendo freado, reafirma ministra
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, vive provavelmente
seu momento mais difícil no governo. Ela amargou na semana
passada a divulgação da segunda
maior taxa de desmatamento da
história na Amazônia. Foram perdidos 26,1 mil quilômetros quadrados de floresta, uma área equivalente à de Alagoas. O número
está próximo daquilo que era
considerado exceção -os 29 mil
quilômetros quadrados de 1994-1995- e se soma a outra grande
derrota do ministério, na questão
dos alimentos transgênicos.
Ícone do movimento ambientalista brasileiro, Marina, 47, virou
alvo de críticas de ONGs, que avaliam que o Plano de Prevenção e
Combate ao Desmatamento lançado em 2004 não funcionou e
que a estratégia de colocar a questão ambiental no núcleo das ações
do governo está fazendo água.
A ministra nega a imagem de
perdedora, citando vários trunfos
de sua gestão: a criação de 8 milhões de hectares de áreas de conservação em zonas de conflito no
Pará, uma parceria com o Ministério das Minas e Energia para
exigir o licenciamento ambiental
de hidrelétricas e a interdição de
10 mil propriedades rurais na
Amazônia pelo Incra devido a
problemas fundiários.
Fragilizada por uma infecção
que a deixou quase um mês internada, andando
com a ajuda de
uma bengala ("para resolver divergências", brinca,
brandindo-a para
o secretário de
Biodiversidade e
Florestas, João
Paulo Capobianco), Marina diz
que não tem a intenção de deixar o
cargo. "Quando
você entrega sua
vida a uma causa,
não se importa
mais com o que a
causa está fazendo
com você." Leia a
seguir a entrevista
concedida à Folha
anteontem.
Folha - No começo do mês, seu secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, comemorou a expectativa de 24 mil km2
de desmatamento como uma vitória. O que vimos foi que essa cifra
foi 26 mil km2, um crescimento de
6% em relação ao consolidado do
ano anterior. A sra. ainda avalia isso como uma vitória?
Marina Silva - Primeiro, acho
que dificilmente o João Paulo deve ter dito que estabilizar nos 23
mil, 24 mil quilômetros quadrados seria uma vitória. O fato que
nós estávamos destacando foi
que, quando chegamos em 2003,
nós tínhamos um ritmo de desmatamento que tinha tido um incremento na sua taxa de 27% de
2001 para 2002, num crescimento
econômico de 1%. E, no nosso governo, 2003/2004, nós tivemos
um crescimento de mais de 5%.
Isso não pode ser desprezado. No
início do governo, nós jogamos
todos os nossos esforços para que
houvesse uma desaceleração nesse ritmo. Trabalhamos o plano de
combate ao desmatamento e em
março de 2004 o plano começou a
ser implementado. Do ponto de
vista das ações de comando e controle, destinamos um orçamento
específico para essas questões.
São R$ 390 milhões até 2007. O
que está aferido pelo Inpe neste
momento pega apenas cinco meses de implementação do plano.
Folha - Quanto já foi liberado?
Marina - Só para comando e
controle, somando o ano passado
com este ano, são R$ 100 milhões.
Claro, temos falhas, e essas falhas
estão sendo corrigidas...
Folha - Quais foram elas?
Marina - Talvez o fato de que
ainda não foi possível uma total
parceria com os governos de alguns Estados. Onde isso aconteceu mais eficazmente, como no
Amazonas, tivemos uma queda.
No Estado de Mato Grosso, mesmo tendo aumentado as nossas
operações, ainda não foi o suficiente. Esse é um problema que
precisa ser corrigido do ponto de
vista dos instrumentos e da dinâmica do desenvolvimento, inclusive com um plano de agricultura
sustentável para a Amazônia.
Folha - Mas a dinâmica do agronegócio permite hoje que isso
aconteça em Mato Grosso?
Marina - Em Mato Grosso nós
temos de fato uma situação diferente da dos outros Estados. A
maioria das terras é privada, e as
pessoas têm direito por lei aos
seus 20% para o uso de acordo
com o que lhes aprove.
Folha - Mas nem os 20% são assegurados. O governador Blairo Maggi diz que há uma discussão sobre
se a mata de transição é floresta ou
cerrado. O Estado considera a reserva legal de só 50% nessas áreas.
Marina - Essa discussão nós já
superamos. [Capobianco intervém e diz que os dados do IBGE
mostram que a mata de transição
é considerada floresta]. A lei federal tem de prevalecer e está funcionando assim. Onde é considerado Amazônia, é 80%.
Folha - O governador então será
multado se desmatar 50% ali?
Marina - Se for
derrubada ilegal e
se for em área de
transição, não
tem por que entre
o governador e
qualquer cidadão
você fazer exceção
em relação à lei.
Folha - Existe
uma percepção geral de que o Ministério do Meio Ambiente perde todas
as brigas com o
chamado setor
produtivo. Foi assim com os transgênicos e está sendo assim na questão amazônica.
Marina - Na
questão dos transgênicos de fato nós tivemos uma perda
grave para a Constituição brasileira. Em
relação às outras derrotas, eu gostaria de
dialogar. Quando nós
chegamos, nós dissemos ao governo
que não era possível combater o desmatamento da Amazônia só o Ministério do Meio Ambiente. O governo
aquiesceu. Que nós tínhamos de ter o
suporte da PF, do Exército e do Ministério do Trabalho. O governo aquiesceu.
Que nós deveríamos rever as ações de
infra-estrutura na Amazônia. O governo aquiesceu. O ministro dos Transportes do governo anterior estava com um
processo em curso para o asfaltamento
da BR-163 e nós dissemos que não era
possível fazer essa estrada sem medidas de sustentabilidade. O governo parou. Eu pergunto: o que nós dissemos e
o que propusemos que não foi da compreensão e do esforço do governo?
Folha - Isso não muda o fato de que a soja salvou a pauta de exportações
brasileira e que quando há confronto entre os interesses do agronegócio e os interesses ambientais,
os ambientais ficam em segundo
plano.
Marina - É claro que o Brasil tem
na sua agricultura um ponto forte
da base econômica, mas é fato que
interditar 10 mil propriedades na
Amazônia, como fez o ministro
Miguel Rosseto, inibindo crédito
comercial, é um esforço que nenhum governo fez.
Folha - Mas isso não pegou o coração da produção de soja no Estado de Mato Grosso.
Marina - Mas nós não temos de
ser contra a soja pela soja. Nós temos de defender que as atividades
produtivas, seja de soja, de algodão ou de madeira, sejam feitas
em bases sustentáveis.
Folha - Em que pé está a implementação do Plano de Prevenção e
Controle do Desmatamento? O
Greenpeace diz que só três das 19
bases planejadas estão de fato implementadas.
Marina - No ano passado, os recursos para as operações foram
viabilizados. O que nós estávamos
fazendo era implantar as bases
operativas. Até março de 2004,
nós trabalhamos com nosso esforço endógeno. Nós trabalhamos com as nossas bases provisórias. Inclusive uma das que foram
mostradas pelo Greenpeace [à
imprensa na semana passada] foi
alugada no ano de 2003. Alugamos 11 bases operativas provisórias. Nós identificamos que 19
precisavam ser montadas na
Amazônia. Depois chegamos à
conclusão de que deveriam ser 17
bases. Dessas 17, seis já estão instaladas e neste ano todas as 17 serão instaladas.
Folha - Se o plano foi anunciado
em março, por que as bases só começaram a operar depois que o estrago já estava feito?
Marina - As bases têm de ser
montadas. Se nós tivéssemos chegado em 2003 e existisse o plano,
eles tivessem continuidade, os recursos estivessem alocados e os
equipamentos comprados e não
tivesse havido a necessidade de
fazer licitação, nós já teríamos começado a trabalhar. E não teríamos tido esse hiato.
Folha - A sra. se sente à vontade
hoje para continuar ministra do
Meio Ambiente?
Marina - Dizer que é vontade de
continuar ministra do Meio Ambiente parece que é o cargo pelo
cargo. Não. Continuar fazendo o
trabalho que eu acredito que está
sendo feito dentro do governo.
Criar 8 milhões de hectares de
unidades de conservação em
áreas de conflito na Amazônia
quando era quase inimaginável
que eles pudessem ter sido criados, isso é um trabalho que eu
considero um trabalho importante. Ter um plano de desenvolvimento sustentável para a área da
BR-163, que representa 25% da
Amazônia, é um trabalho que eu
considero importante. E não é da
ministra Marina, é do governo do
presidente Lula.
Folha - A impressão do público é
que a sra. tem sido freqüentemente sacrificada no altar do desenvolvimento, como um escudo para um
governo que tem políticas ambientais que não são das melhores.
Marina - Vamos desdobrar isso.
Onde é que se fazia avaliação ambiental de hidrelétrica? Onde é
que se excluía bloco de petróleo
por questão ambiental? Onde é
que se parava a construção de
uma rodovia no coração da Amazônia, com interesses mais que latentes do agronegócio, para fazer
plano de ocupação sustentável?
Vamos decupar essas coisas, porque senão nós, os ambientalistas,
vamos ser os eternos derrotados.
Folha - A sra. já em algum momento pensou que
o preço era alto demais?
Marina - Eu não
estou olhando o
que vai me render
louros, elogios ou
reconhecimento
pessoal. Eu estou
olhando o que vai
ficar como política
para o setor ambiental brasileiro.
Não tem sentido
estar aqui se não
for para isso. Então a minha opção
seria ficar no Senado. Só que seria
muito difícil ficar
no Senado depois
que o Lula me
convidou. Quando você entrega
sua vida a uma
causa, você não se
importa mais com
o que a causa está
fazendo com você.
Você só consegue
se focar na causa e medir de que
forma está sendo usado em benefício dela.
Folha - Incomoda pensar que a
sua gestão pode terminar como
aquela que viu o que era exceção
na taxa de desmatamento da Amazônia virar regra?
Marina - Claro que isso não deve
ser um incômodo só para mim.
Isso deve ser um incômodo para
todo o governo, para o Estado
brasileiro e deve ser um incômodo para a sociedade brasileira.
Nada que acontece como ação de
Estado é fruto só de quem está no
aparato do Estado. É fruto também do empenho da sociedade.
Eu tenho que honrar o que a sociedade brasileira quer que se faça
com esse diálogo entre desenvolvimento e o uso sustentável dos
recursos naturais.
Folha - Esse diálogo existe?
Marina - Se eu te disser que com
a sociedade e com as empresas ele
está pronto isso não tem parâmetro de aferição. Se eu disser que temos um setor de vanguarda em
todos os setores que compreendem esse pensamento estratégico,
isso existe.
Como é a sua relação com o presidente Lula? A sra. já teve algum pedido rejeitado por ele?
Marina - Eu não faço pedidos ao
presidente, eu levo propostas e
projetos que são debatidos no
âmbito de governo e são mediados e posso te dizer que mesmo
na questão dos transgênicos, em
que o governo estava dividido, o
projeto que foi enviado pelo presidente Lula para o Congresso
Nacional me contemplou integralmente. Se você disser, "mas
foi feito um esforço extra para
aprovar do jeito que a sra. queria?", de fato, isso não se configurou. Mas eu não posso dizer que
isso é apenas responsabilidade do
presidente Lula,
porque ele lida
com a dinâmica
do governo como
um todo.
Folha - O Estado
campeão de desmatamento tem
um governador
que é o maior produtor de soja do
mundo. Concretamente, o que o Ministério do Meio
Ambiente vai fazer
em relação ao caso
de Mato Grosso?
Marina - O Estado de Mato Grosso recebeu do governo federal o
maior aporte de
recursos desde
1999 para estruturar o setor ambiental. O Estado
de Mato Grosso
tem um pacto federativo com o
governo federal
para fazer licenciamento ambiental em propriedades acima de 300
hectares e o Estado de Mato Grosso neste momento deve estar tão
preocupado quanto o governo do
presidente Lula com aquilo que
vai fazer no que são as suas responsabilidades e competências.
Folha - Mato Grosso tem implantado um sistema de licenciamento
rural que deu certo no primeiro
ano, reduziu quase 30% do desmatamento, mas aparentemente parou de funcionar. O que houve?
Marina - Nós vamos ter de renovar o pacto federativo e isso faz
parte da avaliação que está sendo
feita para a renovação do pacto,
feito no governo anterior e cujo
prazo está se esgotando. Vamos
avaliar o que acontece. Se tem o
maior sistema, o melhor sistema,
se foi aportada a maior quantidade de recursos, e tem ainda problemas dessa magnitude... é claro
que nós temos responsabilidades
que são conjuntas.
Folha - Rever o pacto federativo
significa tirar as atribuições de licenciamento do Estado?
Marina - Rever as bases nas quais
ele foi feito. Você tinha um pacto
feito no governo anterior em base
x, com tal expectativa, aportando
dinheiro, que era inclusive para
ser um paradigma para os outros
Estados da Amazônia. Agora, nós
chegamos ao final do pacto e na
prática não se configuraram os resultados que se esperava.
Folha - Existe a perspectiva de o
Ibama recuperar essas funções?
Marina - É uma discussão que
tem de ser feita, Ibama, ministério
e o governo de Mato Grosso. É
uma situação grave, que precisa
ser avaliada. Nós não queremos
em hipótese alguma vilanizar o
governador, o governo, o Estado
de Mato Grosso. O que nós queremos é que aconteça em Mato
Grosso o que está acontecendo no
Pará, no Amazonas, no Tocantins, no Acre e no Maranhão.
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