São Paulo, sexta, 23 de maio de 1997.



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CELSO PINTO
Em defesa das reservas

O Banco Central deu mais um passo, ontem, para tentar melhorar as contas externas, cortando despesas e estimulando a entrada de dólares. Desde o primeiro aperto, em março, o governo não parou mais, contrariando as previsões iniciais do BC de que este seria um ano "monótono" na área cambial.
O corte de ontem veio pela proibição de financiamento em gastos externos via cartões de crédito. Esses gastos estão embutidos no item "viagens internacionais" do balanço de pagamentos. O buraco nessa rubrica passou de US$ 877 milhões, no primeiro quadrimestre do ano passado, para US$ 1,2 bilhão neste ano, um impressionante salto de 41%. Neste ritmo, esse buraco, que somou US$ 3,6 bilhões no ano passado, poderia superar US$ 5 bilhões neste ano.
O estímulo à entrada de dólares veio pela permissão para que investidores externos em bolsas brasileiras pudessem voltar a operar no nosso mercado futuro, no montante das ações que possuam. No passado, essas operações foram proibidas, porque o mercado havia encontrado brechas para transformá-las em operações de renda fixa (sem pagar o imposto devido).
A forma mais fácil de fazer isso era via operações de "box" (operações simultâneas e inversas de compra e venda de opções), que continuam proibidas. De todo modo, ontem o mercado esperava ler com atenção a regulamentação para ver se haverá brechas. O BC continua a cobrar 2% de imposto (IOF) em aplicações externas em renda fixa no Brasil.
O novo estímulo à entrada de dólares, contudo, não quer dizer que o BC está desesperado para atrair qualquer tipo de aplicação externa. Se estivesse, teria eliminado o IOF de 2% que, na prática, continua tornando pouco atraentes as aplicações em renda fixa.
Um cálculo feito pelo Citibank no início do mês (e que continua, grosso modo, válido), indica que o retorno, líquido de Imposto de Renda, de uma aplicação externa num título de curto prazo (56 dias) do BC, chegaria ao equivalente a 9,5% ao ano sem o IOF. Pagando os 2% de IOF, contudo, haveria perda de 0,64%. Para um título (LTN) de prazo maior (183 dias), o retorno sem IOF seria de 8,8% e com o IOF, de 4,5%.
Qual a conclusão? Em primeiro lugar, considerada a taxa de juros praticada hoje, a expectativa de desvalorização cambial e o pagamento do IOF de 2%, o investidor externo só pode esperar algum retorno positivo se deixar o dinheiro no mínimo por seis meses.
Mesmo assim, o retorno é pouco competitivo em relação a outros países em desenvolvimento. O Citi dá alguns exemplos para títulos com prazo ao redor de seis meses: 6,7% na Argentina, 10,1% no México, 5,6% na Venezuela, 12,4% na Malásia. Fica claro que, pagando o IOF, o investidor no Brasil ganhará menos do que em qualquer desses países, com um risco possivelmente maior.
É claro que, se o investidor encontrar uma forma de evitar o pagamento do IOF, a remuneração fica mais interessante. Mas não será espetacular, como já foi. O chamado "cupom cambial", o retorno de um investidor em dólares no Brasil, continua perto do piso possível para um país preocupado com suas contas externas.
Tanto isso é verdade que as saídas de dinheiro via câmbio flutuante, onde estão operações de renda fixa, continuaram muito altas mesmo depois do corte do IOF de 7% para 2%. Em abril, havia saído US$ 1,8 bilhão via flutuante. Até o dia 21 deste mês, saíram US$ 792 milhões, projetando um buraco de US$ 1,2 bilhão em maio. No quadrimestre, saíram US$ 6,3 bilhões via flutuante (que também engloba despesas com cartões de crédito no exterior, afetadas ontem).
Nesse ano, o Brasil já perdeu US$ 3,7 bilhões em reservas cambiais. O BC, contudo, claramente conta com a entrada do dinheiro de privatizações e vendas de ações no exterior para contrabalançar essa perda de aplicações em outras áreas. O dinheiro da venda da Vale (US$ 1,2 bilhão), das ações do Unibanco em poder do BC no exterior (US$ 1 bilhão) e talvez da Cemig (mais de US$ 1 bilhão) deve garantir um ganho de reserva neste mês, apesar da saída no flutuante.
O nome do jogo, contudo, é manter as reservas e, para isso, pode-se esperar mais medidas futuras. Inclusive, se necessário, aumento dos juros internos e eliminação do IOF de 2%.




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