São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2004

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ARTIGO

Brizola

OSCAR NIEMEYER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sinto-me emocionado ao falar deste grande brasileiro que foi Leonel Brizola.
Um contato que começou 50 anos atrás, quando, governador do Estado do Rio Grande do Sul, veio ao Rio me procurar para um projeto que pretendia realizar naquele Estado.
Éramos jovens ainda. Ele, mais do que eu. Lembro-me que tinha um bigodinho, um ar fraternal e a fala fluente e entusiasmada que sempre o caracterizou.
Do projeto que desejava, me recordo apenas ser qualquer coisa ligada ao urbanismo, que infelizmente ficou no papel.
Depois foi o tempo a correr, cada um de nós preso às suas atividades particulares. Brizola, na luta política que o absorveu a vida inteira, sempre corajoso, sempre pronto a reagir (como aconteceu com o problema de Jango, que, mais sereno, recusou a posição radical que Brizola defendia).
Governador do Estado do Rio de Janeiro, Brizola me convocou novamente: queria construir os Cieps e o Sambódromo, o que, apesar do ambiente desfavorável em que vivíamos, juntamente com Darcy Ribeiro e José Carlos Sussekind, acabou concluindo com o maior êxito.
Como foi difícil para ele essa tarefa! Contra a realização do Sambódromo tudo foi tentado. Diziam que o tempo era curto demais, que a época das chuvas chegava e até para um riacho, que afirmavam correr por baixo das arquibancadas projetadas, apelavam. Nada o demoveu.
Inflexível, Brizola tudo fez no curto prazo que tinha pela frente. O Sambódromo está construído -a grande festa popular que os nossos irmãos mais pobres lhe devem e de que os mais ricos, inclusive os que o criticavam, usufruem até hoje.
Quanto aos Cieps, são mais de 500 espalhados pelo Estado. Muitos deles -o que muito o entristecia- sabotados pela reação.
Ah, como funcionavam bem os Cieps junto às favelas! Como a garotada dos morros neles entrava com orgulho, como se começassem a usufruir daquilo que antes só às crianças ricas era oferecido!
Nosso amigo foi embora. A última vez que o vi foi num almoço em meu escritório, a falar de Getúlio, da vida brasileira, desta luta por um mundo melhor da qual ele sempre participou.
Recordo que, quando vieram as eleições e me perguntaram qual seria o meu candidato, respondi: "Brizola ou Stedile. São guerreiros. E muitas vezes isso é fundamental."
Mas veio Lula. É um operário, honesto, e dele só podemos esperar tempos melhores.


Oscar Niemeyer, 96, arquiteto, é um dos criadores de Brasília e autor dos projetos do Sambódromo do Rio e dos Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) construídos nos governos de Brizola no Rio. Tem obras edificadas na Alemanha, Argélia, EUA, França, Israel, Itália, Líbano e Portugal, entre outros países.

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