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SOCORRO A BANCOS
Essa é a razão pela qual poucas pessoas ricas vão para a cadeia, segundo o responsável pelo caso Marka
É difícil provar crimes financeiros, diz juiz
ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO
"Os crimes financeiros são de
difícil caracterização". Na opinião
do juiz federal Abel Fernandes
Gomes, da 5ª e 6ª Varas Federais
do Rio, essa é uma das explicações
para o fato de poucas pessoas ricas irem para a cadeia. O magistrado, que comanda o julgamento
da operação de socorro do Banco
Central aos bancos Marka e FonteCindam, falou à Folha na última
quarta-feira.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Folha - A Justiça beneficia os ricos?
Abel Fernandes Gomes - A pergunta que faço é se é só a Justiça
que diferencia ricos e pobres. Não
posso negar o que as estatísticas
mostram: a maioria da população
carcerária é de excluídos. Os fatores que levam a isso são complexos. Um é quando o direito penal
é utilizado para beneficiar apenas
um contingente da sociedade.
Outro são as diferenças da sociedade, que nega oportunidades ao
sujeito.
Folha - Tem como corrigir isso?
Gomes - Não, porque o Judiciário reflete as diferenças sociais.
Será que o Judiciário na Noruega
é bom? Não há como medir. Eles
têm uma sociedade que dá muito
mais às pessoas, diminuindo os
conflitos de interesse. O Judiciário
é menos demandado. Aqui você
não tem acesso à educação e à
saúde. Se um plano de saúde não
quer cobrir uma doença, ou se há
problemas com a mensalidade escolar, vai tudo para a Justiça.
Folha - Vem daí a sobrecarga da
Justiça?
Gomes - Sim. O que angustia a
maioria dos juízes é ser crucificado injustamente. Não há vontade
do Executivo de montar um aparelhamento melhor. A população
culpa quem atua no final. Como o
Judiciário não faz jogo de cena como os políticos, leva a culpa. Há
ainda o uso da estrutura penal para atender interesses econômicos
e políticos
Folha - O senhor se refere a corrupção?
Gomes - Também. E isso não só
na Justiça. Um crime financeiro,
por exemplo, começa a ser apurado pelo próprio mercado, depois
pelo BC e pela PF, que não são órgãos do Judiciário, mas do Executivo. A polícia está ligada ao Ministério da Justiça e quem nomeia
o ministro é o presidente, não é o
Supremo Tribunal Federal. Depois vem o Ministério Público,
que oferece a denúncia, que também é do Executivo. O Judiciário é
o quarto agente. Nesse caminho
todo os interesses, escusos ou
não, podem influir. O último fator
é técnico. Os crimes contra o sistema financeiro são de difícil caracterização. Não tem alguém que
viu, como num roubo de carro.
Folha - O senhor é a favor da especialização dos juízes?
Gomes - Não sei. Acho complicado. Ouço dizer que o juiz criminal não entende de sistema financeiro, de tributação. O juiz pode
não entender de medicina ou balística e ninguém questiona o uso
de peritos. Há perícia quando há a
necessidade de amparo técnico.
Estranho é que só na área econômica, se passou a questionar a formação do juiz. O Judiciário não
investiga, julga as provas.
Folha - Por que as decisões de 1ª
instância são quase sempre revertidas pelas instâncias superiores,
como no caso da prisão preventiva
do Cacciola? Há conflito?
Gomes - Não há conflito entre o
juiz que decreta prisão e o tribunal que revoga. Faz parte. É uma
garantia fundamental contra a arbitrariedade. Tem que ver se isso
está sendo feito devidamente.
Folha - O Judiciário já foi chamado de "autista" e "politizado demais" pelo governo. Como o senhor encara as críticas?
Gomes - Vejo como um desabafo
do advogado-geral da União. Não
foi agressivo. O conceito de juiz é
de um agente político do Estado.
Ele não é um funcionário público
comum. Não é um ente abstrato,
mas uma pessoa inserida num
contexto social, econômico e político. Ele não pode sair com a bandeirinha de um partido, mas as
decisões judiciais são políticas.
Principalmente as de um juiz federal, que envolvem a União. A
primeira norma é zelar pela Constituição, o que já mostra um caminho político porque as leis servem
de guarda, inclusive, àquela minoria que perdeu na eleição. Essa
minoria vai se socorrer de quem?
Do juiz, que não pode ignorar as
condições da população, falar
com as pessoas, pegar ônibus.
Folha - O sr. pega ônibus?
Gomes - Ônibus agora não está
dando, mas táxi eu pego.
Folha - O senhor acha que o escândalo do ex-juiz Nicolau afetou a
imagem do Judiciário?
Gomes - Não. Ele é um homem,
não a instituição.
Folha - Mas o caso trouxe à tona a
discussão do controle do Judiciário. O sr. acha necessário?
Gomes - Todo controle é necessário. Fala-se no controle da função administrativa, por causa do
uso de verbas. Os controles para
isso já existem: tem a aprovação
do TCU (Tribunal de Contas da
União), a liberação de orçamentos pelo Senado. O problema é saber o que está havendo com sua
forma atual de fiscalização. Um
Judiciário subserviente é o autoritarismo. A impressão de que não
há controle sobre os juízes é falsa.
Tem a lei orgânica da magistratura, os códigos disciplinares, o próprio Código Penal.
Folha - Qual a extensão da corrupção no Judiciário?
Gomes - Acho que não há um
portal pelo qual as pessoas entrem e fiquem imunes à corrupção. A solução é a vontade de sanear.
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