São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCORRO A BANCOS
Essa é a razão pela qual poucas pessoas ricas vão para a cadeia, segundo o responsável pelo caso Marka
É difícil provar crimes financeiros, diz juiz

ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO

"Os crimes financeiros são de difícil caracterização". Na opinião do juiz federal Abel Fernandes Gomes, da 5ª e 6ª Varas Federais do Rio, essa é uma das explicações para o fato de poucas pessoas ricas irem para a cadeia. O magistrado, que comanda o julgamento da operação de socorro do Banco Central aos bancos Marka e FonteCindam, falou à Folha na última quarta-feira.
 

Folha - A Justiça beneficia os ricos?
Abel Fernandes Gomes -
A pergunta que faço é se é só a Justiça que diferencia ricos e pobres. Não posso negar o que as estatísticas mostram: a maioria da população carcerária é de excluídos. Os fatores que levam a isso são complexos. Um é quando o direito penal é utilizado para beneficiar apenas um contingente da sociedade. Outro são as diferenças da sociedade, que nega oportunidades ao sujeito.

Folha - Tem como corrigir isso?
Gomes -
Não, porque o Judiciário reflete as diferenças sociais. Será que o Judiciário na Noruega é bom? Não há como medir. Eles têm uma sociedade que dá muito mais às pessoas, diminuindo os conflitos de interesse. O Judiciário é menos demandado. Aqui você não tem acesso à educação e à saúde. Se um plano de saúde não quer cobrir uma doença, ou se há problemas com a mensalidade escolar, vai tudo para a Justiça.

Folha - Vem daí a sobrecarga da Justiça?
Gomes -
Sim. O que angustia a maioria dos juízes é ser crucificado injustamente. Não há vontade do Executivo de montar um aparelhamento melhor. A população culpa quem atua no final. Como o Judiciário não faz jogo de cena como os políticos, leva a culpa. Há ainda o uso da estrutura penal para atender interesses econômicos e políticos

Folha - O senhor se refere a corrupção?
Gomes -
Também. E isso não só na Justiça. Um crime financeiro, por exemplo, começa a ser apurado pelo próprio mercado, depois pelo BC e pela PF, que não são órgãos do Judiciário, mas do Executivo. A polícia está ligada ao Ministério da Justiça e quem nomeia o ministro é o presidente, não é o Supremo Tribunal Federal. Depois vem o Ministério Público, que oferece a denúncia, que também é do Executivo. O Judiciário é o quarto agente. Nesse caminho todo os interesses, escusos ou não, podem influir. O último fator é técnico. Os crimes contra o sistema financeiro são de difícil caracterização. Não tem alguém que viu, como num roubo de carro.

Folha - O senhor é a favor da especialização dos juízes?
Gomes -
Não sei. Acho complicado. Ouço dizer que o juiz criminal não entende de sistema financeiro, de tributação. O juiz pode não entender de medicina ou balística e ninguém questiona o uso de peritos. Há perícia quando há a necessidade de amparo técnico. Estranho é que só na área econômica, se passou a questionar a formação do juiz. O Judiciário não investiga, julga as provas.

Folha - Por que as decisões de 1ª instância são quase sempre revertidas pelas instâncias superiores, como no caso da prisão preventiva do Cacciola? Há conflito?
Gomes -
Não há conflito entre o juiz que decreta prisão e o tribunal que revoga. Faz parte. É uma garantia fundamental contra a arbitrariedade. Tem que ver se isso está sendo feito devidamente.

Folha - O Judiciário já foi chamado de "autista" e "politizado demais" pelo governo. Como o senhor encara as críticas?
Gomes -
Vejo como um desabafo do advogado-geral da União. Não foi agressivo. O conceito de juiz é de um agente político do Estado. Ele não é um funcionário público comum. Não é um ente abstrato, mas uma pessoa inserida num contexto social, econômico e político. Ele não pode sair com a bandeirinha de um partido, mas as decisões judiciais são políticas. Principalmente as de um juiz federal, que envolvem a União. A primeira norma é zelar pela Constituição, o que já mostra um caminho político porque as leis servem de guarda, inclusive, àquela minoria que perdeu na eleição. Essa minoria vai se socorrer de quem? Do juiz, que não pode ignorar as condições da população, falar com as pessoas, pegar ônibus.

Folha - O sr. pega ônibus?
Gomes -
Ônibus agora não está dando, mas táxi eu pego.

Folha - O senhor acha que o escândalo do ex-juiz Nicolau afetou a imagem do Judiciário?
Gomes -
Não. Ele é um homem, não a instituição.

Folha - Mas o caso trouxe à tona a discussão do controle do Judiciário. O sr. acha necessário?
Gomes -
Todo controle é necessário. Fala-se no controle da função administrativa, por causa do uso de verbas. Os controles para isso já existem: tem a aprovação do TCU (Tribunal de Contas da União), a liberação de orçamentos pelo Senado. O problema é saber o que está havendo com sua forma atual de fiscalização. Um Judiciário subserviente é o autoritarismo. A impressão de que não há controle sobre os juízes é falsa. Tem a lei orgânica da magistratura, os códigos disciplinares, o próprio Código Penal.

Folha - Qual a extensão da corrupção no Judiciário?
Gomes -
Acho que não há um portal pelo qual as pessoas entrem e fiquem imunes à corrupção. A solução é a vontade de sanear.


Texto Anterior: Paulistanos querem a renovação da Câmara
Próximo Texto: Panorâmica: Folha Online lança site sobre eleições
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.