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Após resgate, cortadores de cana subsistem
Dois meses após serem libertados de canavial em São Paulo, cinco lavradores ainda procuram emprego no sertão paraibano
Lenilson Silva diz que vive com R$ 1.500 da rescisão contratual; outros fazem plantação de feijão e milho para "consumo de casa"
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAJAZEIRAS (PB)
Dois meses após serem resgatados em condições degradantes em uma usina de álcool
no interior de São Paulo, cinco
cortadores de cana paraibanos
não encontram maneira de ganhar dinheiro na zona rural de
Cajazeiras (474 km de João
Pessoa), onde restam só crianças, idosos e mulheres nesta
época do ano.
Boa parte dos homens da cidade, de 56 mil habitantes, está
hoje em canaviais paulistas. Os
resgatados José de Albuquerque, 34, Reginal Nogueira de
Oliveira, 35, Cosmo Justino de
Souza, 42, Lenilson Roque da
Silva, 33, e Tiago Nascimento,
19, são exceção.
Com outros 24 cortadores de
cana, foram resgatados em ação
do Ministério Público do Trabalho, em 26 de junho, de alojamentos em Rio das Pedras (168
km de SP), a 74 km de uma usina da multinacional Comanche
Clean Energy, em Tatuí (SP),
onde trabalhavam.
De volta ao sertão paraibano
desde 2 de julho, os cinco ainda
procuram trabalho, atividade
difícil na cidade em que a prefeitura é o maior empregador,
com 1.600 funcionários.
Um inseto conhecido como
bicudo dizimou colheitas de algodão de Cajazeiras na década
de 80 e acabou com o principal
setor da economia local. Hoje
há poucas cabeças de gado pelas terras e a promessa de projetos para novos usos do solo,
como plantação de pinhão-manso destinado ao biodiesel.
Enquanto isso, os egressos
dos canaviais se ocupam plantando feijão e milho para "consumo de casa", como dizem.
No dia 24 de julho, a Folha
localizou quatro resgatados no
bairro de Patamuté. Sentado
na calçada da casa da mãe, Lenilson disse que vive com os
R$ 1.500 da rescisão do contrato. "Como não estava ganhando quase nada, foi bom voltar.
É melhor ficar ganhando nada
com a família do que só."
Pai de dois filhos, ele diz que
recebia cerca de R$ 400 por
mês. Era sua sétima temporada
em plantações paulistas -em
anos anteriores, ganhava até
R$ 700 por mês. Leva no corpo
cinco tatuagens feitas por colegas de canaviais: uma índia, um
tribal, um dragão, uma águia e
o nome de uma ex-namorada.
A rotina de Lenilson em Cajazeiras começa às 6h30 -em
São Paulo, o batente tinha início às 5h. Na terra cedida pelo
sogro a ele e ao colega José,
plantam feijão e milho.
Durante a conversa, os três
amigos resgatados aparecem:
Reginal e Cosmo têm as mãos
sujas do trabalho na roça e José
pilota uma moto emprestada.
Cosminho, como é conhecido, logo diz que trabalha na terra, mas que o dinheiro que entra todo mês é do Bolsa Família, do governo federal. Uma
banca de doces na casa da família complementa a renda.
Cem metros à frente, na casa
de José, o trabalhador conta
que busca "bicos". "Se conseguir brotar [plantar] na terra
dos outros, dá pra tirar R$ 13
por dia." Mesmo com as dificuldades, a mulher de José,
Francisca de Almeida, 43, se
diz feliz com o retorno. "Com
ele aqui tudo é mais fácil."
Reginal, que não acompanhou o nascimento dos gêmeos
Bruno e Breno, de dez meses,
aproveita o tempo livre com a
família. Torce ainda para conseguir o Bolsa Família e diz esperar melhores condições de
trabalho no corte de cana.
Na cidade vizinha de Cachoeira dos Índios, Tiago espera na casa da mãe a próxima safra. O irmão mais velho, também resgatado com o grupo, já
voltou para canaviais de São
Paulo, em busca de dinheiro
para quitar 47 parcelas de
R$ 233 da moto que comprou.
Sonho de consumo na região.
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