São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

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Após resgate, cortadores de cana subsistem

Dois meses após serem libertados de canavial em São Paulo, cinco lavradores ainda procuram emprego no sertão paraibano

Lenilson Silva diz que vive com R$ 1.500 da rescisão contratual; outros fazem plantação de feijão e milho para "consumo de casa"


CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAJAZEIRAS (PB)

Dois meses após serem resgatados em condições degradantes em uma usina de álcool no interior de São Paulo, cinco cortadores de cana paraibanos não encontram maneira de ganhar dinheiro na zona rural de Cajazeiras (474 km de João Pessoa), onde restam só crianças, idosos e mulheres nesta época do ano.
Boa parte dos homens da cidade, de 56 mil habitantes, está hoje em canaviais paulistas. Os resgatados José de Albuquerque, 34, Reginal Nogueira de Oliveira, 35, Cosmo Justino de Souza, 42, Lenilson Roque da Silva, 33, e Tiago Nascimento, 19, são exceção.
Com outros 24 cortadores de cana, foram resgatados em ação do Ministério Público do Trabalho, em 26 de junho, de alojamentos em Rio das Pedras (168 km de SP), a 74 km de uma usina da multinacional Comanche Clean Energy, em Tatuí (SP), onde trabalhavam.
De volta ao sertão paraibano desde 2 de julho, os cinco ainda procuram trabalho, atividade difícil na cidade em que a prefeitura é o maior empregador, com 1.600 funcionários.
Um inseto conhecido como bicudo dizimou colheitas de algodão de Cajazeiras na década de 80 e acabou com o principal setor da economia local. Hoje há poucas cabeças de gado pelas terras e a promessa de projetos para novos usos do solo, como plantação de pinhão-manso destinado ao biodiesel.
Enquanto isso, os egressos dos canaviais se ocupam plantando feijão e milho para "consumo de casa", como dizem.
No dia 24 de julho, a Folha localizou quatro resgatados no bairro de Patamuté. Sentado na calçada da casa da mãe, Lenilson disse que vive com os R$ 1.500 da rescisão do contrato. "Como não estava ganhando quase nada, foi bom voltar. É melhor ficar ganhando nada com a família do que só."
Pai de dois filhos, ele diz que recebia cerca de R$ 400 por mês. Era sua sétima temporada em plantações paulistas -em anos anteriores, ganhava até R$ 700 por mês. Leva no corpo cinco tatuagens feitas por colegas de canaviais: uma índia, um tribal, um dragão, uma águia e o nome de uma ex-namorada.
A rotina de Lenilson em Cajazeiras começa às 6h30 -em São Paulo, o batente tinha início às 5h. Na terra cedida pelo sogro a ele e ao colega José, plantam feijão e milho.
Durante a conversa, os três amigos resgatados aparecem: Reginal e Cosmo têm as mãos sujas do trabalho na roça e José pilota uma moto emprestada.
Cosminho, como é conhecido, logo diz que trabalha na terra, mas que o dinheiro que entra todo mês é do Bolsa Família, do governo federal. Uma banca de doces na casa da família complementa a renda.
Cem metros à frente, na casa de José, o trabalhador conta que busca "bicos". "Se conseguir brotar [plantar] na terra dos outros, dá pra tirar R$ 13 por dia." Mesmo com as dificuldades, a mulher de José, Francisca de Almeida, 43, se diz feliz com o retorno. "Com ele aqui tudo é mais fácil."
Reginal, que não acompanhou o nascimento dos gêmeos Bruno e Breno, de dez meses, aproveita o tempo livre com a família. Torce ainda para conseguir o Bolsa Família e diz esperar melhores condições de trabalho no corte de cana.
Na cidade vizinha de Cachoeira dos Índios, Tiago espera na casa da mãe a próxima safra. O irmão mais velho, também resgatado com o grupo, já voltou para canaviais de São Paulo, em busca de dinheiro para quitar 47 parcelas de R$ 233 da moto que comprou. Sonho de consumo na região.


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