São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice REGIME MILITAR Costa Couto mostra versão de período crítico do governo Geisel Livro revela que morte de PM começou a abertura
RUI NOGUEIRA da Sucursal de Brasília Foi a morte de um tenente da PM, no Doi-Codi de São Paulo, em agosto de 75, que levou o então presidente, Ernesto Geisel, a iniciar o processo de confronto com os militares "linha dura radical". Os "duros", adversários dos "aberturistas", sustentavam logística e ideologicamente a prática da tortura aos presos políticos. O tenente da PM José Ferreira de Almeida, como personagem de um processo acirrado depois de outras duas mortes, também sob tortura, as do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, é uma das revelações do livro "A História Indiscreta da Ditadura e da Abertura (Brasil 64-85)" do economista e ministro do Tribunal de Contas do DF Ronaldo Costa Couto, 55. Couto conheceu o regime militar por dentro e foi uma das últimas pessoas a conversar com Geisel e Mário Henrique Simonsen (ministro da Fazenda de Geisel), mortos em 96 e no ano passado, respectivamente. Foi coordenador do processo de fusão Rio-Guanabara e secretário de Planejamento do Estado do Rio no governo Faria Lima (75-79), secretário do governo Tancredo em Minas (83-84) e ministro do Interior, chefe da Casa Civil de José Sarney (85-89). "A História Indiscreta" está em fase de negociação com as editoras, mas pode ser lançado ainda neste ano, aproveitando o ambiente eleitoral, ou em março do ano que vem, mês do aniversário do golpe militar. A indiscrição histórica, segundo o autor, aparece nas revelações dos protagonistas e coadjuvantes confrontados com a documentação histórica existente. "Mas no livro não há achismos e todas as fontes estão identificadas com nomes e datas", diz Couto. O livro surgiu a partir de uma tese de doutorado de História na Sorbonne (França), com 1.400 páginas, defendida em 97. "Ali, apurei a metodologia, inclusive de entrevistas. Um dos segredos consistiu em deixar os personagens dizer o que queriam, sem esquecer de arrancar deles o que eu sabia que eles poderiam dizer." Das entrevistas surgiu, por exemplo, a confirmação de que Geisel chegou a botar no papel, em um documento de circulação interna, a orientação para que os comandantes militares refletissem sobre a necessidade de mudar os métodos de investigação -forma sutil de pedir o fim da tortura. A orientação antecedeu, ao contrário do que se supunha, a ação mais extremada, adotada em janeiro de 76, de destituição do comandante do 2º Exército (SP), o general Ednardo D'Ávila, e substituição pelo "geiselista" Dilermando Monteiro. "Depois da morte do tenente da PM José Ferreira de Almeida (que mantinha ligações com o Partido Comunista Brasileiro), Geisel questionou os métodos de repressão. Se os métodos estavam corretos, por que até aquele momento ainda se caçavam comunistas? Polidamente, o presidente convidava os comandantes a repensar os métodos, a parar com a tortura e tantas prisões", afirma Couto. No desenrolar da queda-de-braço com os "duros", Geisel absorveu o caso Herzog (outubro de 75) por, revela o livro de Costa Couto, ter sido uma morte não-planejada. Mas ele avisou a cúpula militar que "não toleraria mais episódios desses". Os torturadores foram surpreendidos com a baixa resistência física de Herzog, que sofria de uma cardiopatia, agravada pelos constantes choques elétricos. Encenaram, então, o suicídio que originou uma reação pública. Para Geisel, a morte do operário Manuel Fiel Filho (janeiro de 76), nas mesmas dependências do Doi-Codi paulista, foi o sinal para o confronto. "Ao tirar o general Ednardo, os militares perguntaram-se: se ele fez isso com um quatro estrelas (general de Exército), pode fazer o mesmo com os de patente mais baixa", diz Couto. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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