São Paulo, Segunda-feira, 23 de Agosto de 1999
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ENTREVISTA DA 2ª

General dos EUA recua e descarta ação na Colômbia contra guerrilha
MARCIO AITH
de Washington

O general Barry McCaffrey, o "czar" da política antidrogas dos EUA, chega hoje ao Brasil com um discurso muito mais delicado e menos polêmico que o que tem usado nas últimas quatro semanas para descrever o impacto da crescente crise colombiana nos demais países da América do Sul.
Desde 24 de julho, quando os jornais norte-americanos publicaram a notícia da queda de um avião de vigilância antidroga na Colômbia com cinco militares dos EUA a bordo, esse herói do Vietnã e da Guerra do Golfo levantou a temperatura do problema colombiano ao classificá-lo como uma situação de emergência e ao dizer que a guerrilha e o narcotráfico colombianos não obedeciam fronteiras e ameaçavam a democracia de todos os países da região.
Numa ocasião, ao conversar com jornalistas depois de um depoimento no Congresso no dia 6 de agosto, McCaffrey disse que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) atuavam militarmente no Brasil e em outros países da região e pediu maior empenho da América Latina para resolver o problema.
Ele tem repetido que a situação colombiana é uma "crise regional" que assumiu "caráter emergencial". Essas definições, não muito claras, deram margem a interpretações extremas na América Latina. Alguns analistas chegaram a vê-las como um sinal de que os EUA estariam querendo envolver tropas de outros países num conflito para o qual não quer mandar soldados.
Na última sexta-feira, depois de conceder uma entrevista coletiva sobre sua viagem que começa hoje ao Brasil, à Bolívia, ao Peru e à Argentina, ele procurou explicar à Folha o significado de suas declarações recentes.
McCaffrey disse que o território brasileiro é uma das rotas do tráfico internacional de cocaína, fato pouco controverso, mas afirmou não ter evidências de que as Farc estariam atuando no Brasil, ao contrário do que havia indicado antes. Ele considerou isso uma "possibilidade". O general também negou que queira que os países vizinhos da Colômbia enviem tropas para o país.
Aos 56 anos, McCaffrey dirige o Escritório da Política Nacional para o Controle de Drogas, subordinado à Casa Branca. O cargo lhe dá visibilidade nacional e controle sobre um orçamento de US$ 17,8 bilhões.
McCaffrey fica no Brasil até amanhã. Ele deverá encontrar-se com o presidente Fernando Henrique Cardoso, com os ministros Luiz Felipe Lampreia (Relações Exteriores) e José Carlos Dias (Justiça), com o chefe da Casa Militar, General Alberto Cardoso, com o diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro Filho, e com o secretário nacional Antidrogas, Walter Maierovitch.

Folha - O sr. foi a primeira autoridade norte-americana a mencionar o narcotráfico colombiano e sua relação com a guerrilha como um problema "regional" e a sugerir que os países da América do Sul se envolvam mais diretamente na sua solução. Não ficou claro que tipo de envolvimento o sr. sugere em termos práticos. O sr. quer que o Brasil envie tropas para ajudar os militares colombianos?
McCaffrey -
Não. Acho que um dos princípios básicos da cooperação hemisférica é que apenas a polícia, os militares, os promotores e juízes de um país específico têm responsabilidade sobre os problemas dentro de seu território. Quem terá que lidar com esse conflito interno selvagem são os jovens colombianos, a polícia e os militares do país.

Folha - Então, qual é o sentido do termo "crise regional"?
McCaffrey -
Temos que reconhecer que o problema do narcotráfico é regional porque, pela sua natureza, atravessa fronteiras. Não apenas por causa do consumo de drogas -seja ele em Miami ou em Nova York-, que é parte dessa crise, mas também por causa do tráfico dos produtos químicos usados para o refino da droga e da lavagem de dinheiro. Portanto, a Colômbia não pode combater o problema sozinha. Temos que, respeitosamente, ouvir o que a Colômbia tem a dizer e depois sugerir ajuda.

Folha - Então, excluído o envio de armas, é de se presumir que os EUA desejam que o Brasil controle melhor suas fronteiras?
McCaffrey -
O Brasil tem sua própria política nacional antidrogas. Nós apoiamos essa política de todas as maneiras. Posso dizer que é do interesse do hemisfério que as instituições democráticas de cada país controlem seus espaços aéreos, marítimos e territoriais.

Folha - Recentemente, o sr. e outras autoridades dos EUA disseram que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) operavam militarmente dentro do território brasileiro. Quais são as evidências disso?
McCaffrey -
As Farc, o ELN (Exército de Libertação Nacional) e os paramilitares têm praticado violações maciças de fronteiras na região. Particularmente na Venezuela e no Equador, mas também no Panamá e, possivelmente, no Peru e no Brasil.

Folha - O governo dos EUA tem alguma evidência de que as Farc estejam usando o rio Amazonas como rota para levar suprimentos e comida para a guerrilha colombiana?
McCaffrey -
Eu não estou certo de que existe um acesso das Farc pelo Amazonas.

Folha - Na agenda escrita de sua viagem à América do Sul, o sr. definiu o problema das drogas no Brasil como crescente. O que isso quer dizer?
McCaffrey -
O Brasil não é um produtor de coca, mas é rota do tráfico. A experiência histórica revela que pessoas que lidam com drogas tendem a ser contaminadas por ela. Isso aconteceu na Costa Rica, no México e, certamente, nos EUA. Brasil e Argentina são dois países que se incluem nessa categoria. No caso brasileiro, crianças no Rio fumando essa forma extremamente viciosa e mortal da forma básica de cocaína, o crack, é prova disso.

Folha - O que o sr. acha da decisão do governo da Venezuela de não deixar seu espaço aéreo ser usado por aeronaves de vigilância antidrogas dos EUA?
McCaffrey -
Nós estamos absolutamente comprometidos com a noção de que apenas as autoridades de um determinado país podem ter responsabilidade sobre ele. Ao mesmo tempo, organizações criminosas cruzam impunemente fronteiras por meio de vôos clandestinos. Terá de haver um esforço conjunto. Então, se acharmos uma maneira de colaborar com a Venezuela que se adapte às condições colocadas pelo governo, nós poremos essa solução em prática.

Folha - Como o sr. vê os rumores de que o pré-candidato favorito à presidência dos EUA, George W. Bush, teria usado cocaína quando jovem?
McCaffrey -
Por lei, sou uma autoridade pública desvinculada da política. Estou proibido de participar de atividades políticas. O que posso dizer, como pano de fundo, é que 70 milhões de norte-americanos já usaram drogas ilícitas. Costumo dizer também que um terço dos norte-americanos com mais de 12 anos já usaram drogas. A esmagadora maioria deixou de usar. O que deveríamos exigir dos que postulam cargos públicos é que se comprometam a ajudar a criar uma América livre das drogas.


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