São Paulo, Quinta-feira, 23 de Setembro de 1999
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JANIO DE FREITAS

Os dias do trabalhador

Os mais otimistas, entre os observadores da política, acham que as avaliações pessoais, colhidas pelo Datafolha, não podem ter deixado de doer no presidente. Sobretudo a reversão progressiva entre os que o consideraram pessoa inteligente. Talvez, ainda, o conceito de pessoa falsa, que lhe é conferido por 62% do povo, opinião que não precisaria nem de 1% para infelicitar um ser direito.
Contrariar os otimistas acarreta muitas antipatias, e mais ainda se a própria realidade por fim os contraria. Muito pior seria contrariar a voz do povo, que, dizem, é o som de outra voz. Mas certas injustiças não se há de deixar que passem em branco. Pelo menos, não aqui.
É o caso da convicção de que o nosso presidente não é de trabalhar, sustentada por 64% da opinião pública. A pesquisa ainda era assunto de comentário dentro e fora do governo, e o presidente oferecia, com um dos seus dias típicos, uma demonstração cabal da injustiça sobre seu alheamento, ou omissão, ou descaso, ou preguiça ou lá o que seja.
Não pôde fazê-lo já na segunda-feira, que esse, em Brasília, não é propriamente dia útil. Os ministros, em geral, ainda estão chegando do fim-de-semana fora, que começou na manhã de sexta, se não na quinta-feira. Muitos dos assessores, idem, e dos parlamentares nem se fale.
A terça-feira, sim, foi para valer, um dia de trabalhador. O presidente assinou a regulamentação da Lei dos Crimes Ambientais, e para tanto quis uma solenidade com um improviso seu, no estilo Stanislaw. Compareceu à solenidade de um suposto seminário no Itamaraty, onde fez um discurso, porém, por precaução, escrito por um assessor com aquelas citações que melhoram a imagem cultural de certos oradores e articulistas. E, ao saber que ia ser anunciada nova descoberta de petróleo, o presidente quis que isso se fizesse, não na Petrobras ou no ministério, mas em uma solenidade palaciana com um discurso seu. Uff, enfim estava conquistado o direito ao bate-papo repousante e costumeiro nas noites do Alvorada.
O que mais se quereria do presidente de um país em que nada requer a criação de idéias, a discussão de problemas e soluções, reuniões técnicas, consultas a sugestões de fora do governo, decisões que a realidade exija com premência? É preciso ver direitinho o que é um dia típico do nosso presidente, ou da maneira como quer exercer a Presidência, para dizer se ele não é de trabalhar mesmo, por alheamento, ou omissão, ou descaso, ou preguiça ou lá o que seja.


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