São Paulo, Quinta-feira, 23 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

Os riscos da economia mundial


Washington - O mundo vai crescer mais, embora seja recomendável um novo aumento dos juros americanos este ano e, talvez, entre março e maio do próximo ano e o preço das matérias-primas vai subir, o que são duas boas notícias para o Brasil. Mesmo no melhor cenário, contudo, o dinheiro vai ficar mais escasso e mais caro para países emergentes do que foi durante a primeira metade dos anos 90.
Essas são algumas das conclusões do relatório "Perspectivas da Economia Mundial", divulgado ontem pelo FMI, e das observações do diretor do fundo responsável pela pesquisa, Michael Mussa. Tudo ponderado, o cenário é mais positivo do que negativo para o Brasil, embora esteja recheado de advertências sobre o que pode dar errado.
A previsão é que a economia mundial suba de 2,5% em 98 para 3% este ano (0,75% a mais do que o previsto em maio) e 3,5% no próximo. Supõe que a economia americana desaqueça de 3,9% em 98 para 3,7% neste ano e 2,6% em 2000. Seria compensado por um aumento da Europa de 2,1% este ano para 2,8% no próximo e uma expansão do Japão de 1% este ano e 1,5% no próximo. No caso do Japão, a previsão é 2,4% melhor para este ano e 1,2% para o próximo, se comparadas com as previsões de maio.
Quais são os riscos? Como o desaquecimento americano é desejável e inevitável, se não vier de forma natural, terá que ser induzido por aumento de juros, segundo Mussa. Ele gostaria de ver um aumento este ano (nada dramático) e uma reavaliação, de março a maio do próximo ano, para, se for o caso, aumentar outra vez.
São quatro os riscos nos Estados Unidos: haver pressão inflacionária, uma queda forte e brusca do dólar, um colapso na Bolsa e o uso do superávit fiscal para aumentar o consumo. Mussa é a favor de intervenções para evitar uma valorização adicional do iene japonês em relação ao dólar (que poderia prejudicar a recuperação japonesa), mas diz que só funcionarão se vierem acompanhadas por políticas de juros coerentes.
Os riscos de a recuperação européia ser abortada são relativamente menores. O FMI prevê, também, uma forte recuperação na Ásia e menor risco de desvalorização na China. Uma boa notícia para as exportações brasileiras é a previsão de que os preços das commodities, exceto petróleo, que caíram 14,8% em 98 e devem cair 7,2% este ano, podem aumentar em 3,4% no próximo.
O panorama para a América Latina é melhor do que se supunha, mas ainda frágil. O crescimento ficaria em 0,1% este ano e 3,9% no próximo. O Brasil está indo melhor do que o FMI esperava, Mussa acha que há espaço para os juros caírem para 10% ou menos e diz que o resultado fiscal será melhor do que prometido ao fundo.
A situação para a Argentina, Colômbia, Venezuela e Equador, contudo, é de uma recessão maior do que se imaginava e cujo fundo do poço ainda não está visível. Mussa espera que seja o final deste ano. O México, ao contrário, passou quase incólume pela crise, graças às exportações para os EUA.
Está claro, contudo, que, mesmo no melhor cenário, os fluxos de capitais para os países emergentes, que no início dos anos 90 foram os maiores desde a Segunda Guerra Mundial, não devem voltar a esses níveis. O fluxo líquido, que ficou numa média de US$ 160,8 bilhões de 91 a 96, caiu para US$ 67,2 bilhões em 98/99, 41% do que foram e um terço do recorde de US$ 213,8 bilhões em 96.
O FMI admite que o exagero no fluxo, em parte ajudado pelos câmbios controlados e pelo menor crescimento no Japão e na Europa, criou instabilidades nesses países. Hoje, com a recuperação do Japão e da Europa, uma forte reavaliação do risco depois das crises do México (94), Ásia (97) e Rússia (98), e a adoção generalizada de câmbios flutuantes, o fluxo de capitais para os emergentes deve ser bem mais moderado.
A rapidez na recuperação dos países asiáticos, na avaliação do FMI, se deve aos melhores fundamentos econômicos e resultados mais expressivos no ajuste das contas externas. Por vir de situações fiscais controladas, esses países puderam gerar déficits fiscais e juros baixos para ajudar na recuperação. Na maioria dos países latino-americanos, ao contrário, tanto o ajuste das contas externas quanto a situação fiscal não abrem espaço para políticas contracíclicas mais fortes.
O documento faz uma avaliação crítica desta década. O crescimento médio mundial será de 3%, comparado a 3,5% nos anos 80 e 4,5% nos anos 70. A inflação despencou, a situação fiscal melhorou, como sempre quis o FMI, mas a instabilidade cresceu e o crescimento foi decepcionante. A liberdade de fluxo de capitais foram "desestabilizadores" para alguns países emergentes.
Outra conclusão polêmica é que os bancos centrais não devem se preocupar apenas com a inflação. Quando mercados de ativos, como as Bolsas, atingem níveis altos demais, uma correção futura de preços pode ter impacto desestabilizador sobre a economia e o sistema financeiro. Portanto, cabe ao BC agir de forma preventiva para evitar isso. O FMI não diz, mas isso implicaria, eventualmente, aumentar os juros americanos para desaquecer a Bolsa.


E-mail: CelPinto@uol.com.br



Texto Anterior: Questão agrária: MST volta a saquear em Pernambuco
Próximo Texto: Rumo a 2002: José Dirceu descarta aliança com Ciro
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.