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JANIO DE FREITAS
Acima de tudo
Com a recomendação oficial
que lhe fez o procurador-geral da República, de que respeite
as determinações constitucionais
quanto a verbas para a saúde e
para o Fundo de Erradicação da
Pobreza, Luiz Inácio Lula da Silva
passa a dispor de uma advertência necessária contra uma inclinação do seu governo, pouco referida, mas real: a idéia de que a
vontade do governante é mais forte do que a Constituição e as leis
em geral.
A decisão incomum do procurador-geral Cláudio Fonteles, acolhendo representação do deputado petista Roberto Gouvea e do
ex-petista Eduardo Jorge, diz respeito à manobra, defendida por
Antonio Palocci Filho e, portanto,
também por Lula, de retirar R$
3,5 bilhões da verba obrigatória
da saúde e disfarçar o rombo, contabilmente, com verbas de programas e atividades de outros ministérios. A manobra permitiria destinar mais R$ 3,5 bilhões às amortizações e juros da dívida.
Já no começo do ano foi feita por
Lula a liberação da soja transgênica plantada no Sul. O plantio
desrespeitou proibição legal e sentenças judiciais, sendo seus responsáveis, por isso, passíveis de
processo criminal. A liberação
premiou a transgressão e o fez em
conflito com o art. 225 e outros da
Constituição e em desconsideração a decisões judiciais que o governo não poder desconsiderar.
Sem falar nos acordos internacionais da biodiversidade.
Ainda não está plenamente clara a motivação do governo Lula
para o seu empenho pela soja que
favorece a multinacional Monsanto. Os defensores das verbas
para a saúde, nos termos estabelecidos pela Constituição, foram
chamados por Lula de "lobbistas
da saúde". Traduzindo, o insulto
quer dizer "defensores da Constituição" contra um presidente que
deveria fazer o mesmo. Sem tradução, deu direito a que já empatassem o confronto dizendo que,
se Lula defende a soja transgênica, então é "lobbista da Monsanto". O fato é que o governo ainda
não apresentou razões que os
princípios restritivos da Constituição, como outros preceitos legais e
judiciais, possam tolerar.
Uma das frases com que Antonio Palocci teria repreendido funcionários em choque na Receita
Federal, semana passada, mostra
que a idéia de autoridade acima
da lei é difundida no núcleo do
governo. O corregedor da Receita
tem mandato e só pode ser demitido por falta grave comprovada. O
que não impediu o superior Palocci, segundo a narrativa do encontro, de ameaçá-lo nesses termos:
"Não posso demitir, mas demito".
As delimitações da lei? Ora, a lei.
O episódio Benedita da Silva é
ainda mais eloquente. Ainda antes das informações mais seguras
sobre a original viagem de Benedita, Lula saiu em sua defesa, de
um modo que reduziu a notícia a
um ato de má-fé, maledicência.
Constatado que a hospedagem
de Benedita foi paga pela entidade particular que a convidou, ficou comprovado que o álibi da
reunião oficial em Buenos Aires
foi inverídico. Assim como o valor
de R$ 3.000, mencionado pela
própria, para o gasto com as passagens pelo governo. Compelida
agora a pagá-las, Benedita quitou
uma fatura de R$ 4.636,08. Mais
de 60% acima do que dissera ter
gasto do governo.
E o que resulta disso? Uma decisão presidencial que passa ao largo da lei. Reembolsado o cofre do
ministério, Benedita da Silva pode
continuar ministra, como se
reembolsada da sua probidade
por vontade presidencial. Mas a
devolução do gasto ilegal não
anula a ocorrência de improbidade, a ser apurada, em condições
normais, em inquérito administrativo e talvez penal.
Alguns daqueles que usaram
aviões da FAB para viagens de
fins pessoais, no governo Fernando Henrique, tornaram-se réus de
inquéritos, entre eles o próprio
procurador-geral da República de
então, Geraldo Brindeiro.
Pelo visto, outras recomendações serão necessárias, sobre o dever do governo de se reconhecer
sujeito, e não superior, à Constituição e à legislação.
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