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São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2003

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PRÍNCIPE DE ASTÚRIAS

Presidente recebe amanhã prêmio espanhol e deve repetir temas do antecessor, que ganhou comenda em 2000

Lula tentará descolar de discurso de FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A OVIEDO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe amanhã em Oviedo (norte da Espanha) o prêmio Príncipe de Astúrias, categoria Cooperação Internacional, mas terá de inventar temas se não quiser repetir, literalmente, o que disse seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, ao receber idêntico prêmio há exatos três anos.
No discurso de agradecimento, FHC tocou em todos os temas que vêm sendo constantes nas falas de Lula ao público externo, desde a posse. Pior, para Lula: os enfoques são muito semelhantes, quando não iguais.
Faltou apenas dar ênfase à questão da fome, embora Fernando Henrique tenha, em diferentes passagens de seu texto, se referido à pobreza e à desigualdade.
Chegou até a utilizar expressão "deserdados da Terra", que é parte do hino comunista, a Internacional, que toca eventualmente em eventos do PT (mas jamais nos do PSDB).
Afinal, o partido hoje no governo foi formado a partir da absorção de diferentes correntes comunistas, entre outras.
A Internacional é até hoje o hino do PC do B, partido da base de Luiz Inácio Lula da Silva e que forneceu o líder do governo, deputado Aldo Rebelo.

Mundo contra a fome
Se Lula quiser falar dos problemas da globalização, FHC já tocou no assunto, para dizer que "não existe um governo mundial, mas já existem as vítimas da exclusão do mercado, que reclamam ações coletivas impulsionadas pela solidariedade e pelo imperativo ético de uma maior igualdade".
Se o atual presidente quiser criticar o protecionismo dos países ricos, o que tem feito com regularidade, seu antecessor se antecipou. Disse Fernando Henrique Cardoso: "No comércio internacional, não é possível defender princípios de livre troca e, ao mesmo tempo, manter uma vasta e dispendiosa estrutura de protecionismo nos países mais ricos".
O ex-presidente foi além: vinculou protecionismo e pobreza, protecionismo e desigualdade:
"Não é o protecionismo uma das maiores causas de desigualdade de renda entre os países? Não é uma das causas da persistência da pobreza?".

Relação "estratégica"
Se Lula quiser falar de sua prioridade externa número um (Mercosul e a integração sul-americana), FHC também chegou antes. Usou até a palavra empregada por Lula ("estratégica"), para definir a relação com a Argentina.
O então presidente lembrou em Oviedo que havia acabado de realizar a primeira reunião de presidentes da América do Sul, para discutir a integração física da região, tema que é quase obsessivo em Lula.
Lula nem precisa pedir, como o vem fazendo em suas viagens, um lugar permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Fernando Henrique Cardoso, mais sutil, já o fez, ao dizer que "é indispensável que avance seu [da ONU] processo de reforma".
Criticar o unilateralismo norte-americano? Também já foi criticado por FHC:
"A ação de países isolados, ou mesmo de grupos regionais com o consentimento, no máximo formal, do Conselho de Segurança, por justificados que sejam seus propósitos, deixam o mundo com a sensação de que a ordem estabelecida é arbitrária" (o discurso foi antes do 11 de setembro de 2001 e, por extensão, dos ataques ao Afeganistão e ao Iraque).
Se Lula repetir o que disse em Buenos Aires, na semana passada, a respeito de suas próximas viagens (à África e ao Oriente Médio), ainda assim serão temas familiares aos ouvidos de quem tem boa memória em Oviedo. FHC também falou das duas regiões.
Cuba? O discurso de FHC é mais de esquerda, ao equiparar a suspensão do embargo norte-americano à ilha caribenha com "a reafirmação dos direitos humanos". Ou seja, pediu diretamente a suspensão do embargo, tal como o fazem as autoridades cubanas e seus simpatizantes brasileiros, mas só fez menção velada aos direitos humanos, ao contrário do que exigiu a oposição cubana do atual presidente.

Encontro do G8
O único tema em que Lula poderá avançar mais que FHC é na questão do G7, o clube dos sete países mais ricos do mundo.
O então presidente Fernando Henrique Cardoso disse que "o Brasil não deseja apenas ser informado das decisões do G7. Queremos ampliar nossa participação nas instâncias mundiais de deliberação".
Lula pode dizer que já o conseguiu, na medida que ele (junto com 12 outros governantes de países em desenvolvimento) foi convidado para a reunião do G8 (o grupo dos sete mais Rússia, realizada há quatro meses em Évian, na França).
Lula ganhou o prêmio por ser "exemplo de superação pessoal e política, expoente de uma trajetória de vida que finca suas raízes no Brasil mais profundo", conforme o "caderno de trabalho" oficial distribuído pela Fundação Príncipe de Astúrias.
Recebeu 50 mil euros (cerca de R$ 160 mil), já doados às Nações Unidas.


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