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ECOS DO REGIME
Governo discute alteração de decreto de FHC que ampliou sigilo
Planalto estuda divulgação de documentos da ditadura
KENNEDY ALENCAR
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Palácio do Planalto debate a
possibilidade de divulgar, ainda
que parcialmente, documentos
da ditadura militar (1964-1985). A
idéia é modificar um decreto da
administração do presidente Fernando Henrique Cardoso. O assunto foi discutido pela cúpula do
governo nos últimos dias.
Por determinação do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, familiares do jornalista Vladimir Herzog,
morto pela ditadura em 25 de outubro de 1975, poderão ter, se desejarem, acesso ao arquivo que
mostra que as fotos divulgadas recentemente pela imprensa -inicialmente classificadas como
imagens do jornalista antes de sua
morte no DOI-Codi de São Paulo- na verdade não seriam dele.
O debate sobre abertura de arquivos da ditadura e a possibilidade de a família de Herzog ter acesso a arquivos do Exército é resultado da repercussão da divulgação de fotos nesta semana que
são, de acordo com os arquivos
do governo, do padre Leopoldo
d"Astous, espionado pelo Exército no início dos anos 70.
A Folha apurou que Lula conversou com o ministro José Dirceu (Casa Civil) sobre a possibilidade de acabar com o "sigilo eterno" de alguns documentos do governo. Dirceu falou com Lula depois de ter ouvido do ministro
Nilmário Miranda a sugestão de
abrir alguns arquivos. Lula e Dirceu são favoráveis à idéia, que
conta ainda com apoio do ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos. Mas há complicadores.
Resistência militar
De acordo com um auxiliar direto de Lula, a primeira nota do
Exército quando da divulgação
das fotos mostrou que ainda existe nas Forças Armadas um sentimento muito forte de apreço ao
golpe militar de 1964 e uma visão
de que a abertura de arquivos daquela época seria revanchismo.
Mexer nisso é um vespeiro, mas
o presidente Lula dá sinais de que,
no mínimo, pretende suavizar as
restrições à divulgação de documentos adotadas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso pouco antes de lhe passar a
faixa presidencial, no dia 1º de janeiro de 2003.
O decreto de FHC foi baixado
por pressão de setores das Forças
Armadas e do Itamaraty.
No caso dos militares, há receio
por conta de documentos não só
da ditadura mais recente do país,
mas também da Guerra do Paraguai (1865-1870). Estima-se que
quase dois terços da população
paraguaia tenha sido dizimada no
conflito. A divulgação de papéis
daquela época -muitos até hoje
secretos- poderia comprometer
a memória do Duque de Caxias, o
patrono do Exército, que comandou as tropas brasileiras.
Já um setor do Itamaraty teme
que a facilitação de acesso a documentos históricos prejudique negociações diplomáticas conduzidas pelo país. Na dúvida, diplomatas apoiaram a decisão de Fernando Henrique Cardoso de criar
o "sigilo eterno".
Ultra-secreto
O decreto de FHC, na prática,
permite que documentos classificados como "ultra-secretos" fiquem em sigilo eternamente. De
número 4.553, de 27 de dezembro
de 2002, o decreto estipula que
documentos de caráter "ultra-secreto" permaneçam em segredo
por 50 anos. Detalhe: o decreto
afirma que esse prazo "poderá ser
renovado indefinidamente".
Pelo mesmo decreto, demais
documentos oficiais são classificados como "secreto" (prazo de
sigilo de 30 anos), "confidencial
(20 anos) e reservado (10 anos).
A Folha apurou que a modificação restringiria o prazo de duração do sigilo dos documentos e,
no caso de "ultra-secreto", a possibilidade de evitar que eles fiquem inacessíveis eternamente.
Tramita na Câmara um projeto
da deputada Alice Portugal (PC
do B-BA), que conta com a simpatia de uma bancada de congressistas, para reduzir prazos de sigilo e para limitar a uma única vez a
possibilidade de renovar a classificação de um documento ultra-secreto.
Nesse projeto, os prazos são de
30 anos (ultra-secreto), 20 anos
(secreto), 10 anos (confidencial) e
5 anos (reservado).
Clarice Herzog
Ao tomar conhecimento de que
a viúva de Vladimir Herzog, Clarice Herzog, dissera ao ministro
Nilmário Miranda que tinha o desejo de ver os arquivos com as fotos que ela ainda acredita serem
de seu marido, Lula determinou a
auxiliares que fosse facultado a ela
alguma forma de acesso à essa papelada. O presidente acredita que
ela tem o direito a esclarecer a dúvida suscitada pelas fotos publicadas nesta semana.
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