São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ECOS DO REGIME

Governo discute alteração de decreto de FHC que ampliou sigilo

Planalto estuda divulgação de documentos da ditadura

KENNEDY ALENCAR
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Palácio do Planalto debate a possibilidade de divulgar, ainda que parcialmente, documentos da ditadura militar (1964-1985). A idéia é modificar um decreto da administração do presidente Fernando Henrique Cardoso. O assunto foi discutido pela cúpula do governo nos últimos dias.
Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, familiares do jornalista Vladimir Herzog, morto pela ditadura em 25 de outubro de 1975, poderão ter, se desejarem, acesso ao arquivo que mostra que as fotos divulgadas recentemente pela imprensa -inicialmente classificadas como imagens do jornalista antes de sua morte no DOI-Codi de São Paulo- na verdade não seriam dele.
O debate sobre abertura de arquivos da ditadura e a possibilidade de a família de Herzog ter acesso a arquivos do Exército é resultado da repercussão da divulgação de fotos nesta semana que são, de acordo com os arquivos do governo, do padre Leopoldo d"Astous, espionado pelo Exército no início dos anos 70.
A Folha apurou que Lula conversou com o ministro José Dirceu (Casa Civil) sobre a possibilidade de acabar com o "sigilo eterno" de alguns documentos do governo. Dirceu falou com Lula depois de ter ouvido do ministro Nilmário Miranda a sugestão de abrir alguns arquivos. Lula e Dirceu são favoráveis à idéia, que conta ainda com apoio do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Mas há complicadores.

Resistência militar
De acordo com um auxiliar direto de Lula, a primeira nota do Exército quando da divulgação das fotos mostrou que ainda existe nas Forças Armadas um sentimento muito forte de apreço ao golpe militar de 1964 e uma visão de que a abertura de arquivos daquela época seria revanchismo.
Mexer nisso é um vespeiro, mas o presidente Lula dá sinais de que, no mínimo, pretende suavizar as restrições à divulgação de documentos adotadas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso pouco antes de lhe passar a faixa presidencial, no dia 1º de janeiro de 2003.
O decreto de FHC foi baixado por pressão de setores das Forças Armadas e do Itamaraty.
No caso dos militares, há receio por conta de documentos não só da ditadura mais recente do país, mas também da Guerra do Paraguai (1865-1870). Estima-se que quase dois terços da população paraguaia tenha sido dizimada no conflito. A divulgação de papéis daquela época -muitos até hoje secretos- poderia comprometer a memória do Duque de Caxias, o patrono do Exército, que comandou as tropas brasileiras.
Já um setor do Itamaraty teme que a facilitação de acesso a documentos históricos prejudique negociações diplomáticas conduzidas pelo país. Na dúvida, diplomatas apoiaram a decisão de Fernando Henrique Cardoso de criar o "sigilo eterno".

Ultra-secreto
O decreto de FHC, na prática, permite que documentos classificados como "ultra-secretos" fiquem em sigilo eternamente. De número 4.553, de 27 de dezembro de 2002, o decreto estipula que documentos de caráter "ultra-secreto" permaneçam em segredo por 50 anos. Detalhe: o decreto afirma que esse prazo "poderá ser renovado indefinidamente".
Pelo mesmo decreto, demais documentos oficiais são classificados como "secreto" (prazo de sigilo de 30 anos), "confidencial (20 anos) e reservado (10 anos).
A Folha apurou que a modificação restringiria o prazo de duração do sigilo dos documentos e, no caso de "ultra-secreto", a possibilidade de evitar que eles fiquem inacessíveis eternamente.
Tramita na Câmara um projeto da deputada Alice Portugal (PC do B-BA), que conta com a simpatia de uma bancada de congressistas, para reduzir prazos de sigilo e para limitar a uma única vez a possibilidade de renovar a classificação de um documento ultra-secreto.
Nesse projeto, os prazos são de 30 anos (ultra-secreto), 20 anos (secreto), 10 anos (confidencial) e 5 anos (reservado).

Clarice Herzog
Ao tomar conhecimento de que a viúva de Vladimir Herzog, Clarice Herzog, dissera ao ministro Nilmário Miranda que tinha o desejo de ver os arquivos com as fotos que ela ainda acredita serem de seu marido, Lula determinou a auxiliares que fosse facultado a ela alguma forma de acesso à essa papelada. O presidente acredita que ela tem o direito a esclarecer a dúvida suscitada pelas fotos publicadas nesta semana.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Padre se reconhece numa das fotos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.