São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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ENERGIA NUCLEAR

Artigo da "Science" pede uma inspeção cuidadosa da AIEA em Resende; governo repudia atitude da revista

Brasil poderá fazer seis ogivas por ano, diz ONG dos EUA

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A usina de enriquecimento de urânio instalada em Resende (RJ), caso fosse configurada apropriadamente, poderia produzir combustível para várias bombas atômicas. O alerta, que adiciona desconfiança sobre as pretensões nucleares do país na comunidade internacional, foi dado por dois pesquisadores num artigo publicado ontem na prestigiosa revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org).
Segundo Liz Palmer e Gary Milhollin, ambos da ONG americana Projeto Wisconsin para Controle de Armas Nucleares, voltada para o cumprimento dos acordos de não-proliferação da tecnologia da bomba atômica, a instalação de Resende em sua configuração atual poderia produzir urânio enriquecido suficiente para seis ogivas a cada ano. Segundo as projeções de expansão da usina, em 2010 esse número poderia aumentar para 26 a 31 ogivas anuais; em 2014, para 53 a 63.
A dupla usa os números para justificar a necessidade de uma inspeção cuidadosa por parte da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), a fim de se certificar de que a usina será usada somente para os fins declarados pelo governo brasileiro -a produção de urânio enriquecido para o abastecimento das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2.
Os inspetores da AIEA já terminaram seus trabalhos na instalação, mas não tiveram acesso às centrífugas -peças centrais usadas para obter maiores concentrações de urânio-235 (a versão mais instável da substância, usada para produção de energia nuclear) nas amostras, processo chamado de enriquecimento.

Boas intenções
Os pesquisadores dizem não ter razão para duvidar das boas intenções do país, pelo menos no momento ("há pouca evidência de que o Brasil realmente queira se tornar uma potência com armas nucleares", eles escrevem), mas temem que uma posição menos rígida da AIEA em relação ao país acabe abrindo um precedente para que outros países, menos confiáveis, exijam as mesmas condições para as inspeções de suas instalações nucleares.
As afirmações da dupla causaram reações no governo brasileiro. Por meio de nota, o Ministério da Ciência e Tecnologia repudiou a atitude da revista "Science" de abrigar o artigo, que afirma ser "de autores que desconhecem a planta e a tecnologia brasileiras e desconhecem o andamento das negociações com a AIEA".
"A fragilidade da argumentação e leviandade das afirmações só podem ser devidas a uma grande desinformação ou a interesses escusos, ambos motivos incompatíveis com uma revista científica do prestígio e tradição da "Science'".
Segundo a nota, "afirmar que "se algum dia o Brasil mudar de idéia (sobre seus princípios de não-proliferação), seu urânio enriquecido a 3,5% já terá recebido mais da metade do trabalho necessário para obter material para bomba" (tradução nossa) equivale a dizer que nenhum país pode ter acesso à tecnologia nuclear. Mais ainda, significa partir do princípio que os objetivos do país são escusos", declarou o MCT.


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