São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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Inspeção restrita abre brecha, diz pesquisador

DA REPORTAGEM LOCAL

Embora não veja o Brasil como ameaça nuclear, Gary Milhollin, diretor da ONG americana Projeto Wisconsin para Controle de Armas Nucleares e co-autor do artigo publicado na "Science", acredita que a atitude do governo brasileiro de dificultar as inspeções da AIEA em Resende (RJ) possa criar uma brecha para que países belicosos criem armas nucleares com mais facilidade.
"Uma inspeção limitada lá abre um perigoso precedente para que outros países mais preocupantes, como o Irã, exijam o mesmo tratamento", disse Milhollin.
Apesar de admitir não ter razões para suspeitar das motivações brasileiras, o pesquisador se mostra intrigado com a necessidade de desenvolver tecnologia de beneficiamento de urânio. Para ele, as justificativas econômicas não são muito convincentes.
"Dizem que é para economizar nas importações. Mas é difícil ver como eles poderiam gastar menos dinheiro com o desenvolvimento da usina do que importando."
A seguir, leia trechos da entrevista que o norte-americano concedeu à Folha. (SN)
 

Folha - O artigo dos srs. foi motivado pelo temor de que o Brasil possa se tornar uma nação que constrói armas nucleares?
Gary Milhollin -
Eu não acho que exista a preocupação de que o Brasil esteja desenvolvendo armas nucleares. Não há evidências de que o país esteja perseguindo isso. Mas, certamente, ele está desenvolvendo a capacidade de fazê-las. Hoje, ele é contra. Mas, no futuro, pode mudar sua política.

Folha - Qual seria a grande preocupação para o momento atual, com a crise em Resende?
Milhollin -
Uma inspeção limitada lá abre um perigoso precedente para que outros países mais preocupantes exijam o mesmo tratamento, como o Irã.

Folha - Há razões econômicas que justifiquem o desenvolvimento da tecnologia de enriquecimento no Brasil, sem despertar desconfianças sobre usos bélicos?
Milhollin -
Você tem de pensar nessas coisas com cuidado. As justificativas do Brasil nunca foram muito boas. Primeiro, diziam que queriam beneficiar urânio para construir um submarino nuclear. Agora, dizem que é para economizar nas importações. Mas é difícil ver como eles poderiam gastar menos dinheiro com o desenvolvimento da usina do que importando.
A mesma coisa com a coisa do espaço. Por que o Brasil investe tanto no desenvolvimento desses grandes foguetes, se há tantas possibilidades comerciais mundo afora de adquirir esses serviços? São ambas tecnologias de uso dual. É preciso levar essas coisas em consideração.

Folha - Qual é a posição da comunidade internacional com relação às dificuldades impostas pelo Brasil à inspeção em Resende?
Milhollin -
A maioria dos observadores está espantada, porque o Brasil sempre mostrou a boa vontade de se apresentar como um "bom cidadão nuclear".

Folha - Pelo que o sr. ouviu das condições dadas aos inspetores para os trabalhos, elas serão suficientes para garantir que não haverá beneficiamento de urânio para a construção de armas?
Milhollin -
Teremos de esperar a posição da agência. Eles viram e dirão um pronunciamento sobre se as condições da inspeção foram adequadas ou não. No momento, eles é que estão sob os holofotes.


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