São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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HERZOG - 30 ANOS

Ex-secretário de Segurança diz que "subversivos" eram "lobos em pele de cordeiro" e faz defesa "seletiva" da tortura

Erasmo Dias sustenta "suicídio" até hoje

DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo aos 81 anos, o coronel reformado Erasmo Dias fala com voz firme e postura militar, seus olhos claros a mirar o infinito como se estivesse reinvestido momentaneamente do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, que ocupou de 1974 a 1979.
Quando se refere aos acontecimentos que levaram à morte do jornalista Vladimir Herzog, Erasmo não hesita em defender a repressão contra o que ele chama de ameaça comunista.
"Todos eles tinham cara de santo, mas não passavam de lobos em pele de cordeiro", afirma Dias, e Vladimir Herzog seria um deles. Antes de ser nomeado para dirigir o jornalismo da TV Cultura, Herzog teve sua vida esquadrinhada pelo Serviço Nacional de Informações. Nada se encontrou, mas Erasmo Dias insiste que ele era um "agitador marxista".
O coronel diz que tinha apenas papel auxiliar na repressão aos grupos clandestinos, pois a tarefa era centralizada nos organismos de informação das Forças Armadas. Dessa maneira, afirma, não esteve envolvido diretamente na operação que resultou na morte do jornalista. Mas sustenta até hoje, sem pestanejar, a versão do Inquérito Policial Militar que traz um laudo que a Justiça considerou imprestável como prova de que Herzog teria se matado. Não faz o mesmo, no entanto, em relação à morte do operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976.
Erasmo Dias conta que foi chamado pelo general Ferreira Marques, chefe do Estado Maior do 2º Exército e responsável pelos organismos de repressão em São Paulo: "Erasmo, morreu outro cara lá, dá para você ver isso para mim?". O coronel afirma ter sido o primeiro a entrar na cela onde estava o metalúrgico, acompanhado de um legista. Viu um cadáver estirado no chão com meias, ou lenços, não lembra ao certo, amarradas no pescoço com um nó na frente. Então perguntou ao médico qual a probabilidade de ter havido um suicídio. Teve como resposta que havia essa possibilidade, embora muito remota.
A versão de suicídio prevaleceu por conveniência militar, mas não impediu a demissão sumária do comandante do 2º Exército, Ednardo D'Ávila Mello.
Talvez com um atraso de três décadas, o coronel afirma ter sido sempre contra agressões a presos. Hoje ele exibe uma visão seletiva da tortura. "Para bandido vagabundo, desses que merecem até pena de morte, você pode recorrer às vezes a certos expedientes, mas institucionalizar a tortura, isso é estupidez." Dias considera sobretudo perda de tempo: "Não leva a nada porque, quando chega em juízo, o sujeito nega tudo".
Embora partidário da repressão aos adversários do regime militar, o ex-secretário afirma que o DOI-Codi exagerou na dose e superestimou o potencial da subversão. "Queriam mostrar serviço", diz.
Para ilustrar, rememora o cerco a uma reunião do Partido Comunista do Brasil realizada na Lapa, em 1976, em São Paulo. "Na sede do PC do B, eu acho que a arma maior que tinha lá devia ser um lápis." Na manhã daquele 16 de dezembro, o Exército montou uma operação de guerra em que morreram metralhados dois dirigentes do partido e pelo menos um devido a torturas.


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