São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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Delegado não admite codinome do passado

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado que estava de plantão no dia em que o jornalista Vladimir Herzog foi encontrado morto em sua cela, no dia 25 de outubro de 1975, um sábado, até hoje não reconhece o codinome assumido no passado.
Mesmo tendo sido apontado por diversos ex-presos políticos como o "Capitão Ubirajara", acusado de práticas de tortura durante o período da ditadura, o delegado Aparecido Laertes Calandra afirma que tudo isso não passa de um equívoco.
"Nunca usei codinomes. E no dia 25 de outubro de 1975 eu estava de plantão no Decap [Departamento de Polícia Judiciária da Capital], antigo Degran [Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo]", afirmou Calandra à Folha anteontem.
A identidade completa do delegado só foi conhecida em 1983, quando ele foi trabalhar com o senador Romeu Tuma (PFL-SP), na Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo.
Foi o "Capitão Ubirajara" quem comunicou à Divisão de Criminalística a existência de um morto na cela especial número um do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), sucessor da Oban (Operação Bandeirantes) criada pelo general Canavarro Pereira para combater os grupos de esquerda.
Naquele dia, o "Capitão Ubirajara" requisitou os serviços de perícia para que o corpo de Herzog fosse examinado.
"Não tenho nada a ver com isso. Não sei do que você está falando. Desconheço totalmente esse assunto", disse Calandra. Após ser questionado três vezes pela reportagem sobre em quais circunstâncias conheceu o senador Romeu Tuma, a ligação foi interrompida.
Diversos presos políticos que sobreviveram às torturas durante a ditadura dizem reconhecer Calandra como sendo o próprio torturador.
A ex-militante do movimento MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) Nádia Lúcia Nascimento, presa sob a acusação de subversão em abril de 1974, disse ter sido torturada pelo próprio Calandra.
Ao ser foi presa, Nádia estava grávida de quatro meses. "Nunca me esqueceria daquele rosto", disse Nádia à Folha, em entrevista em outubro do ano passado. Outro ex-preso político que afirma ter reconhecido Calandra é o ex-presidente nacional do PT José Genoino.
O delegado Calandra hoje trabalha no setor de materiais do Departamento de Administração de Pessoal (DAP) da Polícia Civil. O setor está localizado na Luz, centro de São Paulo. O delegado ocupa uma sala do 16º andar.

Extrema direita
Antes de trabalhar no DAP, Calandra era o responsável pela coleta de informações sigilosas da Polícia Civil. Após reportagem da Folha noticiar em 14 de abril de 2003 que Calandra ocupava posição estratégica dentro da polícia, entidades de defesa dos direitos humanos protestaram.
Foi então que o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) determinou a transferência de Calandra para um departamento burocrático e de menor visibilidade da Secretaria de Segurança Pública.
Passados 30 anos da morte de Herzog, poucos amigos ainda chamam Calandra de "Capitão Ubirajara". Amigos da polícia dizem que o delegado é conhecido por sua tendência política de extrema direita e disseram que ele costuma referir-se aos ex-presos políticos como "vermelhos" ou comunistas.


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