São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2007

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JANIO DE FREITAS

Atos sem omissão

Se o Congresso não aprovou a fidelidade partidária, não foi pelo simples ato de omissão, mas por vontade explícita

EM MEIO À VASTA confusão em que os políticos caíram, a propósito das imprecisas e incompletas decisões judiciais que tomam ou tomariam os mandatos de quem mudou de partido, consolida-se uma explicação embaraçosa para essa novidade: ao estabelecerem a fidelidade partidária, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal assumiram, legislando, a função do Legislativo, mas o fizeram por omissão do Congresso que jamais providenciou aquela medida.
Se os magistrados legislaram ou, como entendem, interpretaram textos legais ou suas entrelinhas, é tema de polêmica, ao que se pode supor, sem solução satisfatória, porque a decisão caberia aos magistrados que integram uma das partes em divergência. Já o argumento de omissão do Congresso cai em plano menos subjetivo e mais factual.
Omissão por quê? Desde o fim da ditadura, e, portanto, antes mesmo da Constituinte, a Câmara, o Senado e, quando juntos, o Congresso puderam adotar todas as medidas que a maioria dos seus parlamentares, no número exigido para cada caso, quis ver adotadas como lei. As que não foram propostas ou, se propostas, não foram aprovadas, em todos os casos refletiram mais do que uma vontade da maioria de parlamentares: refletiram a finalidade para a qual existem a Câmara, o Senado e, sua soma, o Congresso. Se o cumprimento dessa finalidade corresponde ou não às aspirações majoritárias na população, é outro problema. O qual não é só da fidelidade, ou não, da maioria congressista aos desejos da maioria do eleitorado, mas do sistema estrutural de sociedade e de poder, artífice do Brasil que aí está.
Dizia na semana passada o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, que os políticos "deveriam ter feito isso" [a aprovação da fidelidade partidária] já de início, quando da promulgação da Constituição de 1988". Se não o fizeram nos 19 anos desde então, com toda a certeza não foi pelo simples ato de omissão, mas por ato de vontade explícita, foi porque serem contra a fidelidade partidária. O que não é um escamoteio, não é inércia ou fuga, não é omissão: é atitude.
O mesmo se pode dizer de presidentes. Sarney deixou o assunto com a Constituinte, como convinha, e as dificuldades da presidência improvisada de Itamar não lhe facilitavam mais do que fez, nisso incluído o Real. Mas Collor, que pôde até tomar o dinheiro alheio; Fernando Henrique, que pôde até prorrogar-se na Presidência, tiveram como Lula plenas condições de propor ao Congresso um projeto de reforma política, ou ao menos algumas reformas políticas, e não quiseram fazê-lo. Favoráveis, os três, na discurseira e contrários na prática, até para o simples incentivo.
A crítica do ministro Marco Aurélio Mello aos constituintes, extensiva aos congressistas de 88 para cá, tem ainda outro sentido: reconhece que os constituintes e congressistas não se dispuseram a incluir a fidelidade partidária na Constituição nem legislação. E, no entanto, encontrada nas interpretações da Constituição e da legislação feitas pelo TSE e o STF. O ministro fortaleceu os que criticam os dois tribunais por legislar, como cabe ao Legislativo.


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