|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
Biólogo pede boicote à Petrobras para melhorar controle ambiental
RONALDO SOARES
da Sucursal do Rio
Quinta-feira à tarde em Praia de
Mauá, região mais prejudicada
pelo vazamento de óleo de um
duto da Petrobras. O biólogo Mário Moscatelli, 35, mostra caranguejos cobertos de óleo e fala sobre os efeitos do desastre ambiental, em uma espécie de palestra
improvisada para pescadores,
jornalistas e curiosos.
Um pescador reage ao que considera exibicionismo do biólogo e
o desafia a denunciar também a
falta d"água em seu bairro.
A resposta vem de forma tão furiosa quanto os ataques que o biólogo tem feito à Petrobras: "Se falta água, vá se queixar à Cedae.
Junte os seus vizinhos e vá lá reclamar. Se essas coisas acontecem, é porque o povo também
não se une para reclamar".
O episódio sintetiza o comportamento de Moscatelli, gerente do
Programa de Manguezais da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio, diante de acidentes
ambientais como este: ele cobra
providências tanto dos responsáveis pelo desastre como da sociedade em geral, que para ele também tem de se empenhar na proteção ao meio-ambiente.
Por isso, Moscatelli sugere que a
sociedade promova, em resposta
à Petrobras, um boicote aos produtos da empresa.
"Eu não ponho mais gasolina
nos postos Petrobras, me sinto
mal se fizer isso. Acho que todos
deveriam fazer o mesmo, porque,
se a empresa não entende por
bem, vai entender por mal", afirma o biólogo.
Ele lembra que esse tipo de protesto foi feito nos Estados Unidos
em 1989, quando o navio petroleiro Exxon Valdez -da holding
que controla a Esso- derramou
200 mil toneladas de petróleo no
Alasca.
"Os consumidores norte-americanos quebraram os cartões de
fidelidade e os devolveram à empresa", disse o biólogo.
Um dos maiores especialistas
em manguezais no Rio de Janeiro,
Moscatelli recebeu ameaças de
morte quando lutava pela preservação de mangues em Angra dos
Reis (a 150 km do Rio).
Chegou a deixar o país por causa das ameaças e, ao retornar, iniciou um trabalho de recuperação
de manguezais na Lagoa Rodrigo
de Freitas (zona sul do Rio).
Ele afirma que a Petrobras não
está preparada para agir em casos
de acidentes ambientais e garante
que, se as medidas corretas fossem adotadas -como o isolamento do local do vazamento-,
o óleo não chegaria aos manguezais, que ocupam uma área de 4,5
milhões de metros quadrados no
entorno da baía de Guanabara.
Na última sexta-feira, Moscatelli percorreu de barco os mangues
atingidos pelo vazamento. No trajeto, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha:
Folha - Quanto tempo o ecossistema atingido pelo vazamento na baía de Guanabara vai levar para se recuperar?
Mário Moscatelli - Só poderemos ter uma noção exata dos danos dentro de 15 a 30 dias, que é o
tempo necessário para haver uma
resposta por parte da vegetação.
Onde houver desfolhamento e
morte de árvores, é certo que a
fauna também irá por água abaixo. O que eu vi por aqui nesses
dias é como se tivessem asfaltado
a baía de Guanabara, uma cena
deprimente. Nos manguezais, tinha caranguejo subindo nas árvores, pingando óleo. Essa ação de
limpeza da Petrobras é um milésimo do que é necessário fazer, porque ela está limpando apenas as
praias, mas o problema maior é
nos mangues, onde o trabalho é
mais difícil.
Folha - Mas os efeitos do desastre ambiental podem durar
até quando?
Moscatelli - O problema é que,
como não há muito oxigênio no
substrato do manguezal, o óleo
pode ficar impregnado ali durante anos. E isso vai afetar diretamente a fauna e a flora. Durante
10, 15, 20 anos, vamos encontrar
ali árvores malformadas, tanto as
que sobreviverem quanto as que
vierem a se desenvolver. É o efeito
parecido com o da bomba atômica. Depois da explosão, podem
nascer crianças sem cabeça, com
várias deformações. Foi um verdadeiro genocídio ambiental o
que aconteceu na baía de Guanabara.
Folha - O senhor poderia detalhar o papel dos manguezais no
ecossistema da região?
Moscatelli - Dois terços de todos os peixes marinhos tropicais
dependem direta ou indiretamente dos manguezais, ou seja,
alguma etapa de seu ciclo vital se
passa nos mangues. Devido ao
seu sistema de raízes, o manguezal funciona como um abrigo para espécies marinhas contra potenciais predadores. Além da proteção, ali os animais encontram
farta alimentação. Por isso, no
manguezal há um volume imenso
de animais por metro quadrado.
Uma área de 10 metros quadrados
pode ter centenas de caranguejos.
Folha - Qual sua avaliação sobre o trabalho que a Petrobras
vem fazendo para combater os
efeitos do vazamento?
Moscatelli - O que se observa é a
completa falta de preparo da Petrobras diante de um acidente como esse. É modesto o equipamento que eles estão usando. Não
tenho dúvidas: a Petrobras não
tem equipamento suficiente para
o potencial de perigo ambiental
que a Reduc (Refinaria Duque de
Caxias, de onde sai o duto que vazou) representa para a baía. Um
representante da Petrobras admitiu que eles compraram com urgência essas bóias que estão sendo usadas para conter a mancha
de óleo. Não tem equipamento e
não tem estratégia de ação em caso de acidente. O vazamento tem
que ser contido na fonte, e não depois que já se espalhou. Isso demonstra uma total falta de capacidade técnica. Eles podem furar
buracos a 10 mil metros de profundidade, ir ao centro da Terra,
mas medidas de segurança básica
eles não têm.
Folha - Por quê?
Moscatelli - Porque a Reduc é
uma caixa preta. Até hoje eles não
têm licença de funcionamento da
Feema (Fundação Estadual de
Engenharia e Meio Ambiente). É
uma dificuldade entrar lá, como
se eles tivessem alguma coisa a esconder. E parece que realmente
têm, porque é injustificável que
dois anos depois de ocorrido um
acidente (em março de 97), o
mesmo duto tenha tido outro
problema. A multa tem de ser de,
no mínimo, R$ 50 milhões, porque aí a educação ambiental funciona, no bolso. A gente era relaxado porque não usava cinto de
segurança. Agora, como toma
multa, todo mundo vai a 80 e com
cinto. A educação ambiental para
adulto é no bolso, só assim que
funciona. Nos Estados Unidos,
quando houve o acidente da Exxon, as pessoas pararam de comprar gasolina com eles, quebravam os cartões de fidelidade e
mandavam de volta para a empresa. Eu não ponho mais gasolina nos postos Petrobras, me sinto
mal. Acho que todo mundo deveria fazer o mesmo, porque se a
empresa não entende por bem,
vai entender por mal. Meu dinheiro não vai para a Petrobras.
Acho que é uma resposta que a
sociedade tem que dar.
Folha - A lei de crime ambiental do Brasil é satisfatória?
Moscatelli - Qualquer lei é boa,
desde que seja aplicada. Manguezal é considerado área de preservação permanente desde 1965, e
todo mundo aterra, inclusive o
poder público.
Texto Anterior: Saiba quem foi Vicente Pinzón Próximo Texto: Estatal diz que gasta mais com ambiente Índice
|