São Paulo, Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2000


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ENTREVISTA DA 2ª

Biólogo pede boicote à Petrobras para melhorar controle ambiental

RONALDO SOARES
da Sucursal do Rio

Quinta-feira à tarde em Praia de Mauá, região mais prejudicada pelo vazamento de óleo de um duto da Petrobras. O biólogo Mário Moscatelli, 35, mostra caranguejos cobertos de óleo e fala sobre os efeitos do desastre ambiental, em uma espécie de palestra improvisada para pescadores, jornalistas e curiosos.
Um pescador reage ao que considera exibicionismo do biólogo e o desafia a denunciar também a falta d"água em seu bairro.
A resposta vem de forma tão furiosa quanto os ataques que o biólogo tem feito à Petrobras: "Se falta água, vá se queixar à Cedae. Junte os seus vizinhos e vá lá reclamar. Se essas coisas acontecem, é porque o povo também não se une para reclamar".
O episódio sintetiza o comportamento de Moscatelli, gerente do Programa de Manguezais da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio, diante de acidentes ambientais como este: ele cobra providências tanto dos responsáveis pelo desastre como da sociedade em geral, que para ele também tem de se empenhar na proteção ao meio-ambiente.
Por isso, Moscatelli sugere que a sociedade promova, em resposta à Petrobras, um boicote aos produtos da empresa.
"Eu não ponho mais gasolina nos postos Petrobras, me sinto mal se fizer isso. Acho que todos deveriam fazer o mesmo, porque, se a empresa não entende por bem, vai entender por mal", afirma o biólogo.
Ele lembra que esse tipo de protesto foi feito nos Estados Unidos em 1989, quando o navio petroleiro Exxon Valdez -da holding que controla a Esso- derramou 200 mil toneladas de petróleo no Alasca.
"Os consumidores norte-americanos quebraram os cartões de fidelidade e os devolveram à empresa", disse o biólogo.
Um dos maiores especialistas em manguezais no Rio de Janeiro, Moscatelli recebeu ameaças de morte quando lutava pela preservação de mangues em Angra dos Reis (a 150 km do Rio).
Chegou a deixar o país por causa das ameaças e, ao retornar, iniciou um trabalho de recuperação de manguezais na Lagoa Rodrigo de Freitas (zona sul do Rio).
Ele afirma que a Petrobras não está preparada para agir em casos de acidentes ambientais e garante que, se as medidas corretas fossem adotadas -como o isolamento do local do vazamento-, o óleo não chegaria aos manguezais, que ocupam uma área de 4,5 milhões de metros quadrados no entorno da baía de Guanabara.
Na última sexta-feira, Moscatelli percorreu de barco os mangues atingidos pelo vazamento. No trajeto, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Quanto tempo o ecossistema atingido pelo vazamento na baía de Guanabara vai levar para se recuperar?
Mário Moscatelli -
Só poderemos ter uma noção exata dos danos dentro de 15 a 30 dias, que é o tempo necessário para haver uma resposta por parte da vegetação. Onde houver desfolhamento e morte de árvores, é certo que a fauna também irá por água abaixo. O que eu vi por aqui nesses dias é como se tivessem asfaltado a baía de Guanabara, uma cena deprimente. Nos manguezais, tinha caranguejo subindo nas árvores, pingando óleo. Essa ação de limpeza da Petrobras é um milésimo do que é necessário fazer, porque ela está limpando apenas as praias, mas o problema maior é nos mangues, onde o trabalho é mais difícil.

Folha - Mas os efeitos do desastre ambiental podem durar até quando?
Moscatelli -
O problema é que, como não há muito oxigênio no substrato do manguezal, o óleo pode ficar impregnado ali durante anos. E isso vai afetar diretamente a fauna e a flora. Durante 10, 15, 20 anos, vamos encontrar ali árvores malformadas, tanto as que sobreviverem quanto as que vierem a se desenvolver. É o efeito parecido com o da bomba atômica. Depois da explosão, podem nascer crianças sem cabeça, com várias deformações. Foi um verdadeiro genocídio ambiental o que aconteceu na baía de Guanabara.

Folha - O senhor poderia detalhar o papel dos manguezais no ecossistema da região?
Moscatelli -
Dois terços de todos os peixes marinhos tropicais dependem direta ou indiretamente dos manguezais, ou seja, alguma etapa de seu ciclo vital se passa nos mangues. Devido ao seu sistema de raízes, o manguezal funciona como um abrigo para espécies marinhas contra potenciais predadores. Além da proteção, ali os animais encontram farta alimentação. Por isso, no manguezal há um volume imenso de animais por metro quadrado. Uma área de 10 metros quadrados pode ter centenas de caranguejos.

Folha - Qual sua avaliação sobre o trabalho que a Petrobras vem fazendo para combater os efeitos do vazamento?
Moscatelli -
O que se observa é a completa falta de preparo da Petrobras diante de um acidente como esse. É modesto o equipamento que eles estão usando. Não tenho dúvidas: a Petrobras não tem equipamento suficiente para o potencial de perigo ambiental que a Reduc (Refinaria Duque de Caxias, de onde sai o duto que vazou) representa para a baía. Um representante da Petrobras admitiu que eles compraram com urgência essas bóias que estão sendo usadas para conter a mancha de óleo. Não tem equipamento e não tem estratégia de ação em caso de acidente. O vazamento tem que ser contido na fonte, e não depois que já se espalhou. Isso demonstra uma total falta de capacidade técnica. Eles podem furar buracos a 10 mil metros de profundidade, ir ao centro da Terra, mas medidas de segurança básica eles não têm.

Folha - Por quê?
Moscatelli -
Porque a Reduc é uma caixa preta. Até hoje eles não têm licença de funcionamento da Feema (Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente). É uma dificuldade entrar lá, como se eles tivessem alguma coisa a esconder. E parece que realmente têm, porque é injustificável que dois anos depois de ocorrido um acidente (em março de 97), o mesmo duto tenha tido outro problema. A multa tem de ser de, no mínimo, R$ 50 milhões, porque aí a educação ambiental funciona, no bolso. A gente era relaxado porque não usava cinto de segurança. Agora, como toma multa, todo mundo vai a 80 e com cinto. A educação ambiental para adulto é no bolso, só assim que funciona. Nos Estados Unidos, quando houve o acidente da Exxon, as pessoas pararam de comprar gasolina com eles, quebravam os cartões de fidelidade e mandavam de volta para a empresa. Eu não ponho mais gasolina nos postos Petrobras, me sinto mal. Acho que todo mundo deveria fazer o mesmo, porque se a empresa não entende por bem, vai entender por mal. Meu dinheiro não vai para a Petrobras. Acho que é uma resposta que a sociedade tem que dar.

Folha - A lei de crime ambiental do Brasil é satisfatória?
Moscatelli -
Qualquer lei é boa, desde que seja aplicada. Manguezal é considerado área de preservação permanente desde 1965, e todo mundo aterra, inclusive o poder público.


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