São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2002

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Custo por paciente de Aids caiu de US$ 4.700 para US$ 2.500 no país

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando José Serra assumiu o Ministério da Saúde, em março de 1998, a lei que garante a distribuição dos remédios aos pacientes de Aids já tinha quatro anos. O coquetel com drogas de última geração estava na rede pública desde 1997. A política para Aids, no Brasil, vinha sendo construída desde o meio da década de 80.
O desafio de Serra foi o alto custo dos remédios. Foi na sua gestão que surgiram algumas das drogas mais promissoras, já protegidas pela lei de patentes, e por isso mesmo muito mais caras.
A lei de patentes, aprovada em maio de 1996, estabeleceu que as drogas registradas a partir daquela data teriam seus direitos de propriedade protegidos. As outras -que já estavam no mercado- poderiam ser copiadas, como, aliás, já vinham sendo.
Dos 14 medicamentos contra o HIV na rede pública, três estão protegidos pela lei de patentes. São justamente os mais caros.
Só em 2000, duas dessas drogas (o nelfinavir e o efavirenz) consumiram 39% dos US$ 303 milhões gastos com o coquetel inteiro. Os custos saltariam ainda mais com a compra do Kaletra, o último remédio da lista do ministério.
O custo dessas drogas poderia inviabilizar o programa de Aids. Serra então valeu-se de um artigo da lei de patentes que permite um "licenciamento compulsório" (a quebra temporária de uma patente) em caso de urgência nacional ou questão de saúde pública. Os remédios para Aids estavam nessa situação, pois significavam a vida ou morte dos pacientes.
O ministro teve de enfrentar dois adversários ao mesmo tempo, os laboratórios multinacionais e o governo americano. Os EUA levaram a questão para o tribunal máximo: a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Avalizado pelo governo e com o apoio da sociedade civil, Serra ganhou os dois rounds. Os EUA retiraram sua queixa na OMC e os laboratórios -ameaçados de terem suas patentes quebradas pelo ministro- reduziram os preços dos remédios mais caros. As reduções variaram de 46% a 87,6%.
A vitória na OMC inaugurou o conceito de que os laboratórios não podem extrair lucro igual de povos com posses tão diferentes, como são americanos, brasileiros ou senegaleses. O argumento é defendido por ONGs do mundo todo, mas dessa vez o embate se dava entre governos.
O custo por paciente de Aids caiu no Brasil de US$ 4.700 em 2000 para US$ 2.500 em 2002. É um quinto do que pagam os americanos. A estratégia de exigir o acesso a todos os medicamentos -posição cobrada pelas ONGs e assumida pela Coordenação Nacional de Aids- resultou numa queda de 50% na taxa de mortalidade entre 1995 e 1999. Entre 1997 e 2000, os remédios evitaram 234 mil internações, uma economia de US$ 677 milhões.
É bastante, mas cerca de cem pacientes continuam morrendo por mês, apenas em São Paulo, e os investimentos em prevenção não cresceram. Nos países vizinhos, a epidemia vem aumentando, e os governos não têm políticas próprias. As ONGs estão defendendo que o Brasil assuma a liderança no continente.
"Ao produzir a maioria dos medicamentos e podendo quebrar a patente de outros, o Brasil assumiria um papel de solidariedade único, exportando os remédios a preços mais baratos", defende Mario Scheffer, ativista do movimento Aids e membro do Conselho Nacional de Saúde. (AB)


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