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Sertanista pediu demissões em telegramas confidenciais
DO ENVIADO A BRASÍLIA
Filho do sertanista Francisco
Meirelles (1908-1973), referência no indigenismo, Apoena
Meirelles (1949-2004) tornou-se também um inspirador das
novas gerações de sertanistas.
Nascido numa aldeia xavante,
passou toda a vida adulta no
trabalho indigenista. Em 2004,
teve um fim trágico, ao ser baleado e morto numa suposta
tentativa de assalto a um banco
em Porto Velho (RO).
Antes de integrar o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), o pai
de Apoena foi filiado ao PCB
(Partido Comunista Brasileiro)
e acabou preso em 1935 por envolvimento no levante comunista em Recife (PE). Apoena
carregou do pai a imagem de
"esquerdista" e teve atritos
com os militares. Contava ter
sido preso na passeata dos Cem
Mil, no Rio, em 1968. Segundo
seus ex-colegas na Funai,
Apoena, que viria depois a presidir o órgão, foi demitido na
gestão do coronel Paulo Moreira Leal (1981-1983).
O passado político de Apoena
não impediu que ele ocupasse
um cargo de confiança na Funai entre final dos anos 70 e início dos 80, o de delegado da 8ª
Regional (RO e AC).
Os documentos da ASI (Assessoria de Segurança e Informações) da Funai, agora revelados, contudo, indicam que
Apoena concordou diversas vezes com a ditadura em pelo menos dois pontos: detestavam o
trabalho dos missionários religiosos em aldeias indígenas e os
funcionários supostamente
"insubordinados".
Num telegrama confidencial
de junho de 1980, Apoena pediu à direção da Funai que demitisse sumariamente, por suposta "insubordinação", o antropólogo Terri Valle de Aquino, o sertanista José Carlos dos
Reis Meirelles Júnior e o auxiliar artífice Antonio Luiz Batista de Macedo. Eles foram de fato demitidos dias depois.
Quase 30 anos depois, Aquino, que foi reconduzido à Funai
na década de 90, só soube por
um telefonema da Folha, há
duas semanas, que seu superior havia pedido aos militares
sua demissão. "Nunca discuti
com Apoena. É uma completa
surpresa para mim."
Aquino contou que na época
da demissão estava ajudando
os índios caxinauás a se organizarem e pedirem ao governo a
demarcação de terras. "Eu não
tinha problemas com Apoena,
os índio que tinham."
Por telegramas, Apoena também pediu da Funai, em Brasília, que tomasse medidas enérgicas contra o Cimi e outras
missões religiosas. Em 1980,
despachou mensagem confidencial: "Encontrei índios revoltados com a ausência da Funai na região, completamente
sob domínio do Cimi e de outras organizações religiosas".
Talvez o mais duro ataque de
Apoena ao Cimi tenha sido o
telegrama de 21 de março de
1982. Diz que os "elementos"
do Cimi estimulavam "o ressurgimento de focos de tensão,
causado pelo sectarismo e pela
visão unilateral do problema
do índio". Termina pedindo sinal verde para "vetar o ingresso
do Cimi nas áreas indígenas".
O papel desempenhado por
Apoena na Funai era de conhecimento dos indigenistas críticos do governo, conforme indica outro documento do acervo
da ASI. O texto da peça de teatro "A Grilagem do Cabeça",
que seria exibida no Amazonas
e acabou censurada pela ditadura, trazia um personagem
chamado Apoena, que, ao conversar com índios apurinãs,
procura sempre defender a Funai. "Estou aqui enviado pelo
presidente da Funai para resolver de uma vez por todas a situação", dizia o personagem. A
ASI não gostou: "A peça é uma
crítica sarcástica, falando sobre
terra. (...) Fala do Apoena Meirelles. Percebe-se o veneno nas
entrelinhas".
(RV)
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