São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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Depoimento acusa segurança


Irmã de Suzana disse ter visto empregada "conversar" com morta

"Segurança sabia de tudo", teria dito funcionária, ao lado do caixão

Ministério Público e polícia não tentaram ouvir caseira de PC Farias



do enviado especial a Maceió


Marisa Vieira de Carvalho, caseira da residência onde PC e Suzana Marcolino morreram, teria se queimado por volta das 7h do dia 23 de junho de 1996, quando deixou cair na barriga água fervente com que preparava o café. Motivo do acidente: o susto provocado pelo barulho de um tiro -o que matou a namorada do ex-tesoureiro de Fernando Collor.
Essa informação, nunca investigada pelo Ministério Público de Alagoas ou pela Polícia Civil para investigar sua veracidade, consta do mais impressionante e desconhecido depoimento nos autos do caso da morte de PC Farias.
No dia 3 de junho de 1997, quase um ano depois das duas mortes, a jornalista Ana Luiza Marcolino Noaro, irmã mais velha da namorada de PC, depôs à promotora Failde Mendonça numa cidade do Nordeste, para onde se mudou com a família dois meses depois das mortes. O registro foi feito por um escrivão da Polícia Federal.
De acordo com o relato, arquivado no décimo volume do inquérito, Ana Luiza afirma que Andréia Goldstein (ou Goldenstein), uma prima em segundo grau, contou-lhe ter presenciado a caseira Marisa, "chorando convulsivamente", "conversar" com o cadáver de Suzana durante o velório.
Beijando e acariciando o corpo de Suzana, segundo o relato que Ana Luiza afirma ter ouvido da prima, Marisa dizia "que aquele segurança sabia de tudo o que tinha acontecido, que ele era o culpado de tudo, que só Deus sabia o que essa coitada (Suzana Marcolino) tinha passado".
Andréia, presente ao velório, teria testemunhado a cena. Ela não foi encontrada pela Folha em Maceió, onde ainda moraria.
Um ano e oito meses depois do depoimento de Ana Luiza Marcolino Noaro, Andréia Goldstein e Marisa de Carvalho não foram procuradas pelo Ministério Público ou pela polícia.
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Som dos tiros
A Folha encontrou a caseira, ainda hoje funcionária da família Farias, na casa de praia. "Eu não tenho nada para falar e só posso dar entrevista com a permissão e na presença do meu advogado", disse. Indagada sobre a suposta queimadura, afirmou: "Isso aí é comentário, eu nem sabia". Marisa disse que não foi a nenhum dos dois velórios "porque estava doente". Como todos os funcionários e seguranças que estavam na casa de praia, a caseira disse ao depor no inquérito policial que não ouviu o barulho dos dois tiros.
Exame realizado por legistas e peritos criminais de quatro Estados concluiu que o som dos disparos seria audível por quem estivesse no terreno onde fica a casa.
Marisa, de acordo com a sua versão, teria sabido da morte do patrão e da namorada depois das 11h, avisada pelo marido, o caseiro Leonino Tenório de Carvalho, que teria sido avisado por um segurança. Depois, Marisa teria encontrado na sala a bala que matou Suzana e furou uma parede.
Todos os que sabidamente estavam em Guaxuma foram unânimes em afirmar que as mortes só foram descobertas depois das 11h, quando a janela do quarto onde PC e Suzana dormiam foi arrombada.
Exame da presença de alimentos no estômago de PC e Suzana realizado pela médica Maria Tereza Pacheco, doutora pela Universidade de Paris e diretora do Departamento de Polícia Técnica da Bahia, estimou o horário da morte do primeiro entre 1h e 2h e da segunda entre 5h e 7h.
Nenhuma testemunha foi reinquirida após a conclusão do laudo sobre o barulho dos tiros, inclusive Marisa de Carvalho, que não foi questionada sobre a suposta queimadura, à qual não havia referência na época em que depôs.
Fundamental para o prosseguimento das investigações, mesmo após o relatório do delegado Cícero Torres, Failde Mendonça foi afastada do caso no começo de 1998, quando foi promovida a assessora do procurador-geral de Justiça, Lean Antônio de Araújo, o mesmo que em 1996 acompanhou pelo Ministério Público a fase inicial do inquérito.
Nenhum parente próximo de Suzana Marcolino foi convocado pelo delegado Cícero Torres para depor no inquérito. A irmã e a mãe foram procuradas por Failde, posteriormente.
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Delegado barrado
A Polícia Civil chamou apenas primas de Suzana, consideradas pela família Marcolino, em conversas reservadas, como suspeitas de terem mentido para reforçar a versão de crime passional.
Velho amigo da família Farias, o delegado Cícero Torres não trabalhava na região onde morreram PC e Suzana. O delegado de Cruz das Almas, distrito responsável por Guaxuma, foi proibido de entrar na casa e afastado das investigações pelo então secretário da Segurança de Alagoas, José Amaral, que designou Torres para o caso.
Hoje, os dois são acusados de tráfico internacional de armas, o que eles negam. No primeiro dia, o delegado já dizia não acreditar que PC e Suzana tivessem sido assassinados por uma terceira pessoa. No dia seguinte, a família associou-se publicamente à tese, atacando duramente suposições contrárias.
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Cláudia Dantas
No depoimento de Ana Luiza Marcolino Noaro há outra afirmação que contraria radicalmente as conclusões de Cícero Torres.
Segundo o delegado, Suzana Marcolino matou PC porque estava desesperada com a decisão do namorado de trocá-la por Cláudia Dantas, filha do fazendeiro José Rodrigues Dantas, assassinado na sexta-feira passada.
Cláudia seria a "paixão secreta" de PC Farias. À Folha, em 1996, ela disse ser uma "peça-chave no caso" e que tinha estado, em toda a sua vida, quatro vezes com PC Farias. Hoje, não quer mais falar sobre o assunto.
Os depoimentos de funcionários e aliados da família Farias reforçaram a história do novo grande amor de PC. Para Ana Luiza Marcolino Noaro, a Cláudia-Dantas-paixão-de-PC é uma ficção. Sua irmã teria lhe afirmado que o deputado Luiz Dantas (PSD-AL), tio de Cláudia, devia US$ 1 milhão a PC, que havia perdoado a dívida.
Cláudia conheceria PC de jantares em que ele esteve em companhia de Suzana. "Suzana era amiga de Cláudia Dantas, sem intimidades, tendo jantado diversas vezes em sua companhia e na de Paulo César", afirmou Ana Luiza ao Ministério Público.
"Suzana mencionou que gostava muito de Cláudia Dantas, que ela era uma pessoa fina e que recepcionava nos jantares na casa de Luiz Dantas. Toda a família ficou surpresa quando Cláudia, por intermédio da imprensa, falou que não conhecia Suzana."
Cláudia Dantas, seu tio e os irmãos de PC Farias, que conheciam os negócios do chefe da família, incluindo empréstimos, também não foram procurados pelo Ministério Público e pela polícia depois do depoimento da irmã de Suzana Marcolino. (MÁRIO MAGALHÃES)



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